CARTA AO EDITOR
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Autho(rs): Ricardo Schwingel; Orlando Almeida; Tiago dos Santos Ferreira |
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Sr. Editor,
Mulher, 54 anos, portadora de lúpus eritematoso sistêmico, nefrite lúpica, síndrome antifosfolípide e trombose venosa profunda, usando anticoagulante oral, corticoide, imunossupressor. Hematomas espontâneos de repetição (razão normalizada internacional entre 2 e 3). Há 20 meses com tuberculose miliar pulmonar, tratada por um ano. Dados clínicos revistos após os achados mamográficos (Figura 1): a paciente referia hematoma espontâneo recente à esquerda, com áreas nodulares palpáveis e equimose no quadrante superolateral. Ultrassonografia (Figura 2) mostrou correspondência com distorção arquitetural, nódulo hipoecogênico, irregular, de margens indistintas no quadrante superolateral (6,0 × 3,0 cm), sem fluxo ao Doppler, e imagens sugestivas de cistos oleosos. Inicialmente indeterminada, a lesão foi considerada provavelmente benigna, sugestiva de esteatonecrose, provavelmente associada aos anticoagulantes e hematoma. Para evitar biópsia, decidiu-se por acompanhamento. Figura 1. A: Mamografia na incidência mediolateral oblíqua direita e esquerda de rastreamento há dois anos com calcificações puntiformes esparsas e vasculares bilaterais (BI-RADS 2). B,C: Mamografias atuais nas incidências mediolateral oblíqua (B) e craniocaudal da mama esquerda (C) apresentando assimetria global na mama esquerda (a mama direita mantinha achados anteriores), associada a calcificações grosseiras distróficas no quadrante superolateral, com padrão atípico para esteatonecrose. Figura 2. Ultrassonografia da mama esquerda demonstrando área de distorção da arquitetura, associada a nódulo hipoecogênico, irregular e com margens indistintas, que atenua as ondas de ultrassom, sem fluxo ao estudo Doppler, adjacente a nódulos redondos, circunscritos, com sombra acústica posterior, com aspecto de cistos oleosos. Frequentemente, a esteatonecrose é silenciosa, surgindo apenas como achado mamográfico anormal, e raramente pode se manifestar como massa palpável sem achados mamográficos associados. Comumente é secundária a trauma incidental ou iatrogênica, podendo ocorrer em pacientes em uso de anticoagulante ou mesmo nas sem história relevante. A mamografia é o exame mais importante na avaliação da esteatonecrose, e esta, dependendo do estágio e da quantidade de fibrose, apresenta-se como cisto oleoso e também como achados que simulam malignidade: áreas espiculadas hiperdensas, nódulos associados a retração cutânea, calcificações grosseiras ou microcalcificações agrupadas. Estes dois últimos e a assimetria global foram os achados dominantes aqui(1–3). Na ultrassonografia há várias apresentações, algumas mais sugestivas de benignidade, como hiperecogenicidade no subcutâneo (principalmente associada a trauma) ou banda ecogênica dentro de cisto oleoso com orientação decúbito-dependente. Na apresentação como nódulo hiperecogênico é necessário analisar outras características sugestivas de benignidade ou malignidade, como orientação paralela ou perpendicular, forma, margens, ausência ou presença de sombra acústica posterior e o compartimento em que se encontra(2,3). Aqui, a apresentação como nódulo hipoecogênico permeado de cistos oleosos reforça a benignidade, mas as margens indistintas poderiam levantar suspeita de malignidade. A evolução mais comum é de coalescência de calcificações grosseiras e normalização da hiperecogenicidade do subcutâneo, desenvolvimento de áreas anecogênicas e transformação de lesões complexas para císticas. Porém, as lesões podem crescer ou ficar sólidas. Na dúvida, a punção aspirativa de fluido oleoso pode ajudar e a biópsia ficaria reservada se houvesse punção de fluido sanguinolento(1–3). Mastite lúpica, que ocorre em 2% dos portadores de lúpus eritematoso sistêmico, poderia ser considerada. Pode se apresentar como nodulações palpáveis associadas a calcificações progressivamente maiores e mais grosseiras à mamografia, refletindo evolução da paniculite focal para esteatonecrose, ocasionalmente associada a linfonodomegalia axilar(4–6). Tuberculose mamária seria outra possibilidade, porém a paciente negava dor, comum nesses casos. Na mamografia, a textura estromal grosseira (padrão mais comum), sinais de retração de pele, ou ainda o raro, porém mais específico sinal da fístula associado a protuberância cutânea, não ocorreram aqui(7,8). Na suspeita de esteatonecrose, a correlação clínica é importante, pela apresentação variável dessas lesões, principalmente na ultrassonografia, mas também na mamografia, conforme demonstrado. Aqui, a correlação tornou-se evidente pela presença de comorbidades, ampliando diagnósticos diferenciais. REFERÊNCIAS 1. Hogge JP, Robinson RE, Magnant CM, et al. The mammographics spectrum of fat necrosis of the breast. Radiographics. 1995;73:1347–56. 2. Taboada JL, Stephens TW, Krishnamurthy S, et al. The many faces of fat necrosis in the breast. AJR Am J Roentgenol. 2009;192:815–25. 3. Upadhyaya VS, Uppoor R, Shetty L. Mammographic and sonographic features of fat necrosis of the breast. Indian J Radiol Imaging. 2013;23:366–72. 4. Dilaveri CA, Mac Bride MB, Sandhu NP, et al. Breast manifestations of systemic diseases. Int J Womens Health. 2012;4:35–43. 5. Cao MM, Hoyt AC, Bassett LW. Mammographic signs of systemic disease. Radiographics. 2011;31:1085–100. 6. Wani AM, Mohd Hussain WM, Fatani MI, et al. Lupus mastitis – peculiar radiological and pathological features. Indian J Radiol Imaging. 2009;19:170–2. 7. Khanna R, Prasanna GV, Gupta P, et al. Mammary tuberculosis: report on 52 cases. Postgrad Med J. 2002;78:422–4. 8. Makanjuola D. Murshid K, Al Sulaimani S, et al. Mammographic features of breast tuberculosis: the skin bulge and sinus tract sign. Clin Radiol. 1996;51:354–8. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Ricardo Schwingel Hospital de Clínicas – Universidade Estadual de Campinas Rua Vital Brasil, 251, Cidade Universitária Zeferino Vaz Campinas, SP, Brasil, 13083-888 E-mail: ricardoschwingel2@gmail.com |