Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2016

RELATO DE CASO
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Page(s) 264 to 266



Arco aórtico à direita associado a artéria inominada esquerda aberrante originada de divertículo de Kommerell

Autho(rs): Ângela Faistauer1; Felipe Soares Torres2; Carlo Sasso Faccin3

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Texto em Português English Text

Descritores: Arco aórtico à direita; Artéria inominada esquerda; Divertículo de Kommerell.

Keywords: Right aortic arch; Left innominate artery; Kommerell's diverticulum.

Resumo:
É apresentado o caso de uma rara anomalia da aorta torácica – arco aórtico à direita associado a artéria inominada esquerda aberrante com origem em divertículo de Kommerell –, com diagnóstico apenas na vida adulta.

Abstract:
We report a case of an uncommon thoracic aorta anomaly—right aortic arch with aberrant left innominate artery arising from Kommerell's diverticulum—that went undiagnosed until adulthood.

INTRODUÇÃO

Arco aórtico à direita associado a artéria inominada esquerda aberrante é uma rara anomalia congênita da aorta torácica, determinada por defeito no mecanismo de regressão dos arcos branquiais durante a embriogênese.

Arco aórtico à direita associado a artéria subclávia esquerda aberrante originada de divertículo de Kommerell constitui anomalia vascular frequente, com diversos casos relatados previamente(1). Entretanto, existem apenas 12 relatos de arco aórtico à direita associado a artéria inominada esquerda aberrante na literatura internacional, sem casos descritos em âmbito nacional.


RELATO DO CASO

Paciente feminina, 48 anos, procurou atendimento médico por dispneia e disfagia leves desde a infância, com piora progressiva da dispneia no último ano. Na avaliação clínica inicial a paciente referia dispneia aos pequenos esforços e leve desconforto à deglutição, sem outros sintomas associados. Negava história de tabagismo, doença respiratória ou cardiovascular. Ao exame físico foi observado aumento das dimensões da tireoide, sem outras anormalidades.

Foi solicitado exame radiográfico de tórax, que mostrou arco aórtico à direita e alargamento do mediastino superior (Figura 1A). Ao exame radiográfico contrastado do esôfago foi identificada compressão extrínseca do esôfago proximal, ao nível do arco aórtico (Figura 1B).


Figura 1. A: Radiografia de tórax na incidência posteroanterior demonstrando arco aórtico à direita (seta) e alargamento do mediastino superior à esquerda (ponta de seta), por provável ectasia vascular. B: Estudo radiográfico contrastado do esôfago mostrando compressão extrínseca sobre o terço médio do esôfago (seta), ao nível do arco aórtico.



Angiotomografia computadorizada de tórax (Figuras 2 e 3A) com reconstruções tridimensionais (Figura 3B) demonstrou arco aórtico à direita com artéria inominada à esquerda, com seu segmento proximal dilatado (divertículo de Kommerell), apresentando trajeto posterior ao esôfago e efeito compressivo sobre este. Também foi identificado bócio mergulhante, multinodular, determinando leve redução do calibre da traqueia. A paciente foi submetida a tireoidectomia total, com boa evolução pós-operatória, optando-se por acompanhamento clínico da malformação vascular.


Figura 2. Angiotomografia computadorizada do tórax no plano axial. A: Arco aórtico à direita (seta grossa), identificando-se divertículo de Kommerell à esquerda (seta fina), determinando deslocamento anterior do esôfago (ponta de seta). B: Imagem com corte mais cranial que em A mostrando divertículo de Kommerell que origina as artérias carótida comum e subclávia esquerdas (seta).


Figura 3. A: Reconstrução no plano coronal em maximum intensity projection de angiotomografia computadorizada do tórax mostrando arco aórtico à direita (seta fina branca) e divertículo de Kommerell (ponta de seta branca) que origina os ramos artéria carótida comum esquerda (seta preta fina) e subclávia esquerda (ponta de seta preta). B: Reconstrução tridimensional com visão superoposterior da aorta e vasos da base demonstrando o arco aórtico à direita (seta grossa), com artéria inominada esquerda aberrante originada de divertículo de Kommerell (seta fina).



DISCUSSÃO

Doenças vasculares no tórax têm sido motivo de recentes publicações na literatura radiológica nacional(2–4). As malformações da aorta correspondem a 15–20% das doenças congênitas cardiovasculares. Essas anomalias podem ser diagnosticadas quando há sintomas compressivos sobre a via aérea ou esôfago, ou mesmo incidentalmente por exames de imagem realizados por indicações diversas. O arco aórtico à direita tem uma prevalência de 0,04–0,1% na população, com base em séries de necropsias(5,6).

Uma das principais explicações para as anomalias do arco aórtico é dada pelo diagrama de Rathke, que consiste em seis arcos branquiais pareados junto da parede do intestino primitivo anterior, que se conectam com a aorta ventral e a dorsal. A conformação final do arco aórtico e seus ramos ocorre após a migração e regressão desses arcos, por volta da sétima semana de gestação, e suas malformações são decorrentes de defeitos neste mecanismo. O arco aórtico à direita é resultado da dissolução da raiz da aorta dorsal esquerda, ao invés da direita. Esta anomalia pode estar associada a atresia esofágica e a fístula traqueoesofágica(6,7).

A classificação mais conhecida para o arco aórtico à direita consiste em três subgrupos: 1) arco aórtico à direita com ramos com imagem em espelho, que apresenta forte associação com cardiopatias congênitas; 2) arco aórtico à direita com artéria subclávia esquerda aberrante, que pode se originar como o último ramo do arco aórtico à direita ou como um divertículo, chamado de Kommerell (resquício do arco aórtico direito dorsal)(1,5,6); 3) arco aórtico à direita com artéria subclávia esquerda isolada.

A malformação do arco aórtico presente neste relato, de uma paciente com arco aórtico à direita com artéria inominada esquerda aberrante associada a divertículo de Kommerell, é extremamente rara, não fazendo parte das descrições clássicas das anomalias do arco aórtico. Este aspecto é corroborado pelo número restrito de casos relatados na literatura, apenas 12, desde a sua primeira descrição no ano de 1968(8).

O arco aórtico à direita com artéria inominada esquerda aberrante é uma anomalia semelhante ao arco aórtico à direita com artéria subclávia esquerda aberrante e divertículo retroesofágico (Kommerell). Nestes casos, a artéria inominada geralmente tem origem em um divertículo de onde também emerge o ducto ou ligamento arterioso posicionado à esquerda, que se comunica com a porção proximal da artéria pulmonar esquerda, completando um anel vascular(9).

Os sintomas dos pacientes com esta malformação são de efeito compressivo sobre a traqueia ou o esôfago, com dispneia e disfagia, que geralmente se manifestam na infância(7). No nosso caso, assim como no relatado por Midiri et al.(7), o diagnóstico foi realizado apenas na vida adulta. Além do mais, no presente relato, os sintomas clínicos que levaram à realização de exames de imagem que diagnosticaram a malformação vascular não necessariamente estavam relacionados a esta anomalia, visto a concomitância com volumoso bócio mergulhante.

As alterações vasculares do arco aórtico podem ser diagnosticadas por diversas modalidades de imagem, incluindo radiografia de tórax, broncoscopia, estudo da deglutição com bário, ecocardiografia, ressonância magnética e angiotomografia computadorizada. Além destas técnicas, procedimentos cirúrgicos podem acrescentar detalhados aspectos anatômicos aos exames de imagem(8).

O caso aqui relatado também corrobora as evidências da literatura de como as técnicas de pós-processamento volumétrico das imagens de angiotomografia computadorizada podem auxiliar na avaliação das alterações vasculares da aorta torácica e acrescentar dados sobre a repercussão destas anormalidades sobre as estruturas mediastinais adjacentes(10).


REFERÊNCIAS

1. Faucz RA, Furlan S, Barros AS, et al. Right-sided aortic arch with aberrant left subclavian artery and Kommerell's diverticulum. Radiol Bras. 2005;38:381–4.

2. Pessanha LB, Melo AMF, Braga FS, et al. Acute post-tonsillectomy negative pressure pulmonary edema. Radiol Bras. 2015;48:197–8.

3. Yamanari MGI, Mansur MCD, Kay FU, et al. Bullet embolism of pulmonary artery: a case report. Radiol Bras. 2014;47:128–30.

4. Batista MN, Barreto MM, Cavaguti RF, et al. Pulmonary artery sarcoma mimicking chronic pulmonary thromboembolism. Radiol Bras. 2015;48:333–4.

5. Stojanovska J, Cascade PN, Chong, S, et al. Embryology and imaging review of aortic arch anomalies. J Thorac Imaging. 2012;27:73–84.

6. Kersting-Sommerhoff BA, Sechtem UP, Fisher MR, et al. MR imaging of congenital anomalies of the aortic arch. AJR Am J Roentgenol. 1987;149:9–13.

7. Midiri M, Finazzo N, Pilato M, et al. Right aortic arch with aberrant left innominate artery: MR imaging findings. Eur Radiol. 1999;9:311–5.

8. Banka P, Geva T, Powell AJ, et al. Images in cardiovascular medicine. Right aortic arch with aberrant left innominate artery: a rare vascular ring. Circulation. 2009;120:264–5.

9. Ramos-Duran L, Nance JW Jr, Schoepf UJ, et al. Developmental aortic arch anomalies in infants and children assessed with CT angiography. AJR Am J Roentgenol. 2012;198:W466–74.

10. Lee EY, Siegel MJ, Hildebolt CF, et al. MDCT evaluation of thoracic aortic anomalies in pediatric patients and young adults: comparison of axial, multiplanar, and 3D images. AJR Am J Roentgenol. 2004;182:777–84.











1. Médica Radiologista do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
2. Doutor, Médico Radiologista do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil
3. Médico Radiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Ângela Faistauer
Rua Garibaldi, 1171, comp. 602, Floresta
Porto Alegre, RS, Brasil, 90035-971
E-mail: angelafaistauer@gmail.com

Recebido para publicação em 25/10/2013.
Aceito, após revisão, em 17/6/2014.

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil.
 
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