ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Alex Aparecido Cantador1; Daniel Emílio Dalledone Siqueira2; Octavio Barcellos Jacobsen1; Jamal Baracat3; Ines Minniti Rodrigues Pereira3; Fábio Hüsemann Menezes4; Ana Terezinha Guillaumon5 |
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Descritores: Aneurisma; Aorta; Endovascular; Ultrassonografia; Angiotomografia. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A terapêutica endovascular do aneurisma de aorta abdominal (AAA) tem apresentado crescimento rápido e aplicação cada vez mais frequente na prática diária. Trata-se de uma opção menos invasiva e, com isso, oferece recuperação mais rápida ao doente por apresentar menor morbimortalidade perioperatória, porém, por outro lado, exige um acompanhamento pela vida toda, mais próximo e com a utilização mais frequente de exames complementares, no intuito de avaliar complicações pós-operatórias(1). A intenção da correção endovascular do AAA infrarrenal é a exclusão do saco aneurismático, não permitindo a presença de fluxo sanguíneo dentro da dilatação aneurismática. As possíveis complicações pós-operatórias incluem endoleaks ou vazamentos (a mais frequente delas), manutenção do crescimento do saco aneurismático, migração da endoprótese, falha estrutural da endoprótese e comprometimento do fluxo para o membro inferior em função de estenose ou oclusão de ramo da endoprótese(1). O uso da ultrassonografia duplex na avaliação pós-operatória de doentes com endoprótese de aorta abdominal infrarrenal tem sido validada em vários aspectos, entre eles a percepção de endoleaks e a observação de alterações no tamanho do saco aneurismático(1–5). Quando comparada à angiotomografia, a ultrassonografia tem apresentado sensibilidade variando de 12% a 100% e especificidade variando entre 74% e 99%(2). Manning et al. demonstraram, em trabalho publicado em 2009, sensibilidade de 86% e valor preditivo negativo de 94%(2). Essas diferenças ressaltam a natureza de a ultrassonografia ser examinador-dependente, havendo a necessidade de cada instituição, separadamente, validar seus resultados. Quando interpretamos a ultrassonografia no acompanhamento de complicações de endopróteses abdominais, observamos que sua aplicação torna-se ainda mais eficaz. Os endoleaks que exigem nova intervenção acabam levando ao crescimento do saco aneurismático(4), e esta característica pode ser avaliada pela ultrassonografia. Da mesma maneira, as oclusões e estenoses de ramos das endopróteses, com comprometimento hemodinâmico do membro revelado por isquemia ou claudicação, também podem ser visualizadas(1,4). Chaer et al. sugerem que o receio de eventos catastróficos, como ruptura, não deve repousar sobre a técnica de acompanhamento, pois, geralmente, eles acontecem após não aderência do doente ao controle pós-operatório ou ao seguimento relapso, independentemente da técnica complementar utilizada(1). No presente trabalho pretendemos avaliar os resultados dos achados pós-operatórios no acompanhamento da correção endovascular de AAAs, utilizando a ultrassonografia duplex, e realizar uma comparação com o exame padrão ouro, a angiotomografia. Isto permitirá uma avaliação do alcance e da eficácia do método, como forma de possibilitar uma incorporação à rotina de acompanhamento pós-cirúrgico do serviço. MATERIAIS E MÉTODOS Foram estudados 30 doentes, de forma prospectiva. Após consentimento informado e de acordo com as normas do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Parecer CEP 941/2009), os doentes foram avaliados, com detalhamento dos seus fatores de risco. O sexo masculino foi predominante, representando 83,3% dos doentes. Os fatores de risco observados foram tabagismo (80%), hipertensão arterial (73%), diabetes mellitus (30%), dislipidemia (23%) e infarto agudo do miocárdio (16%). A idade média, no ato operatório, foi 75 anos, com variação de 58 a 85 anos, e o diâmetro médio do saco aneurismático, no ato operatório, foi 6,5 cm, variando de 3,5 a 8,8 cm. O tempo de pós-operatório no momento da realização dos exames foi diferente para cada doente, com uma média de 12,9 meses e variando de 2 a 52 meses. Foram avaliadas e incluídas no estudo, uma ultrassonografia e uma angiotomografia por doente, com tempo máximo de intervalo entre os dois exames de duas semanas. Os doentes com alergia a contraste iodado e com creatinina > 2,0 mg/dL foram excluídos do estudo, e as ultrassonografias foram obtidas após preparo intestinal com jejum de 8 horas e 40 gotas de dimeticona a cada 8 horas na véspera do exame. Um radiologista foi selecionado para a realização de todas as ultrassonografias e outro radiologista para a avaliação de todas as angiotomografias, ambos experientes e certificados pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Os laudos foram gerados de forma independente, sem compartilhamento dos dados entre os dois examinadores. Os critérios avaliados foram a medida do saco aneurismático (Figuras 1 e 2) e a presença ou ausência de endoleaks. As medidas de diâmetro realizadas no exame ultrassonográfico em modo B foram nos eixos anteroposterior e laterolateral. As medidas realizadas na angiotomografia também foram realizadas nos eixos anteroposterior e laterolateral, em cortes axiais, sem reformatação. ![]() Figura 1. Ultrassonografia em modo B, corte transversal, mostrando a realização da medida do saco aneurismático, com a endoprótese no seu interior. ![]() Figura 2. Angiotomografia em corte axial mostrando a realização da medida do saco aneurismático, com a endoprótese no seu interior. A avaliação de endoleaks pela ultrassonografia foi realizada inicialmente com aquisição de imagens de boa qualidade em modo B, com visualização do saco aneurismático e da endoprótese em modos transversal e longitudinal. Em seguida, foi utilizado o modo color Doppler em incidências transversal e longitudinal, na tentativa de identificar fluxo entre a endoprótese e o saco aneurismático, com o cuidado de ajuste adequado do ganho. Ao final, foi feita avaliação em modo Doppler espectral, para confirmação dos achados do modo color Doppler. RESULTADOS O diâmetro médio do saco aneurismático encontrado foi 6,27 cm, com variância de 2,16 para a angiotomografia, e 6,09 cm, com variância de 1,95 para a ultrassonografia duplex, existindo correlação estatisticamente significante, com coeficiente de Pearson (R) de 0,88 e p < 0,01 (Figuras 3 e 4). Os resultados também estão demonstrados no formato de gráfico Bland-Altman (Figura 5). ![]() Figura 3. Gráfico de dispersão mostrando os resultados das medidas do saco aneurismático nos métodos estudados. ![]() Figura 4. Gráfico de barras mostrando os resultados dos diâmetros dos sacos aneurismáticos, considerando os dois métodos, em cada doente. ![]() Figura 5. Gráfico Bland-Altman. O valor médio do diâmetro do saco aneurismático, entre os métodos empregados, está representado no eixo X, e a diferença entre os métodos no eixo Y. Cada ponto no gráfico representa um doente. A média global está demarcada em linha contínua e o intervalo de confiança em linha tracejada. O total de endoleaks detectado pela angiotomografia foi 4, tendo a ultrassonografia detectado 2 deles. A sensibilidade da ultrassonografia, comparada à angiotomografia, foi 50% (intervalo de confiança de 95% [IC 95%]: 15–85%), a especificidade foi 96,15% (IC 95%: 81–99%), o valor preditivo positivo foi 66,67% (IC 95%: 20–93%), o valor preditivo negativo foi 92,59% (IC 95%: 76–97%) e o valor de kappa foi 0,5161 (IC 95%: 0,163–0,869). DISCUSSÃO Atualmente, a tomografia computadorizada com injeção intravenosa de contraste é considerada o exame complementar padrão ouro para o acompanhamento regular em longo prazo da correção endovascular do AAA(1,3,6). No entanto, este exame tem custo alto, exposição à radiação ionizante e possibilidade de declínio da função renal e alergia pelo uso de contraste iodado(1,2,6–8). A ultrassonografia duplex, ao contrário, além da possibilidade de detectar as complicações pós-operatórias, possui as vantagens de ser não invasiva, mais segura, menos onerosa e amplamente disponível(1,3,5). Os resultados apresentados demonstram correlação com significância estatística na medida do diâmetro do saco aneurismático realizada com a ultrassonografia duplex, quando comparada à angiotomografia (padrão ouro). Com base no diagnóstico de endoleaks pela ultrassonografia duplex, obtivemos especificidade de 96,15% e sensibilidade de 50%. A amostra utilizada de 30 doentes é limitada para a avaliação de sensibilidade e especificidade. Considerando a fórmula proposta por Kish(9): N = Z * Z (P (1–P)) / (D * D) onde N é o tamanho mínimo da amostra, Z é a área sob a curva normal correspondente ao IC 95%, P é a prevalência do evento de interesse e D é a precisão desejada, e atribuindo um valor estimado para sensibilidade de 74%, com margem de erro de 12%, e especificidade de 94%, com margem de erro de 4%, semelhante ao encontrado na revisão sistemática recentemente publicada por Karthikesalingam et al.(10), a amostra necessária, considerando um IC de 95%, seria de 52 doentes para cálculo de sensibilidade e de 136 doentes para cálculo de especificidade. Os endoleaks não diagnosticados pela ultrassonografia (2 de um total de 4) tratavam-se de endoleaks tipo II, não apresentando expansão do saco aneurismático, tendo sido realizado apenas seguimento sem necessidade de intervenção cirúrgica. Desta forma, apesar do resultado de sensibilidade de 50%, o acompanhamento com ultrassonografia não comprometeu o manejo clínico dos doentes. Conforme dados da revisão sistemática publicada por Karthikesalingam et al.(10), a ultrassonografia duplex apresentou altas sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de endoleaks tipo I e tipo III, quando comparada à ultrassonografia contrastada e à angiotomografia, com acurácia suficiente para seguimento no pós-operatório de correção endovascular de AAA. Alguns estudos incluídos nesta revisão sugeriram que a sensibilidade da ultrassonografia duplex seria insuficiente para justificar seu uso como único método de seguimento. Todavia, quando considerados isoladamente os endoleaks do tipo I (Figura 6) e do tipo III, que demandam tratamento cirúrgico, a sensibilidade apresentou um aumento significativo, justificando a segurança do método. ![]() Figura 6. Imagem de angiotomografia em corte axial mostrando endoprótese na aorta infrarrenal com endoleak proximal (tipo IA). O trabalho de França et al.(11) mostrou sensibilidade de 54,5% e especificidade de 92,8% para detecção de endoleaks com a ultrassonografia, comparada à angiotomografia, com uma amostra de 50 exames, assim como uma correlação estatisticamente significante para a medida do saco aneurismático, com R = 0,97 e p < 0,001. O trabalho de Moraes Filho et al.(12) mostrou sensibilidade de 75% e especificidade de 96% para a detecção de endoleaks pela ultrassonografia e correlação estatisticamente significante para o diâmetro aneurismático, com R = 0,91. Devemos considerar o fato de a obesidade e o preparo intestinal inadequado constituírem fatores de limitação ao exame ultrassonográfico abdominal, devido a janela acústica inapropriada. Outras limitações incluem dependência do operador e variações físicas do doente(12,13). Apesar disso, por ser exame com menor custo, reprodutível, sem uso de contraste iodado ou radiação, e de maior disponibilidade, poderia reduzir o número de exames angiotomográficos realizados. CONCLUSÃO Os resultados demonstram boa correlação entre os métodos na avaliação do diâmetro aneurismático e razoável correlação na sensibilidade e especificidade para detecção de endoleaks, não comprometendo o manejo clínico. A ultrassonografia duplex poderia complementar a angiotomografia no acompanhamento pós-operatório da correção endovascular do aneurisma abdominal do eixo aortoilíaco, reduzindo potenciais complicações clínicas relacionadas ao uso de contraste iodado e exposição à radiação ionizante, em concordância com estudos realizados em outros centros. REFERÊNCIAS 1. Chaer RA, Gushchin A, Rhee R, et al. Duplex ultrasound as the sole long-term surveillance method post-endovascular aneurysm repair: a safe alternative for stable aneurysms. J Vasc Surg. 2009;49:845–9. 2. Manning BJ, O'Neill SM, Haider SN, et al. Duplex ultrasound in aneurysm surveillance following endovascular aneurysm repair: a comparison with computed tomography aortography. J Vasc Surg. 2009;49:60–5. 3. Iezzi R, Basilico R, Giancristofaro D, et al. Contrast-enhanced ultrasound versus color duplex ultrasound imaging in the follow-up of patients after endovascular abdominal aortic aneurysm repair. J Vasc Surg. 2009;49:552–60. 4. Parent FN, Meier GH, Godziachvili V, et al. The incidence and natural history of type I and II endoleak: a 5-year follow-up assessment with color duplex ultrasound scan. J Vasc Surg. 2002;35:474–81. 5. Gray C, Goodman P, Herron CC, et al. Use of colour duplex ultrasound as a first line surveillance tool following EVAR is associated with a reduction in cost without compromising accuracy. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2012;44:145–50. 6. Ashoke R, Brown LC, Rodway A, et al. Color duplex ultrasonography is insensitive for the detection of endoleak after aortic endografting: a systematic review. J Endovasc Ther. 2005;12:297–305. 7. Dias NV, Riva L, Ivancev K, et al. Is there a benefit of frequent CT follow-up after EVAR? Eur J Vasc Endovasc Surg. 2009;37:425–30. 8. Sternbergh WC 3rd, Greenberg RK, Chuter TA, et al. Redefining postoperative surveillance after endovascular aneurysm repair: recommendations based on 5-year follow-up in the US Zenith multicenter trial. J Vasc Surg. 2008;48:278–84. 9. Kish L. Survey sampling. New York: John Wiley & Sons; 1965. 10. Karthikesalingam A, Al-Jundi W, Jackson D, et al. Systematic review and meta-analysis of duplex ultrasonography, contrast-enhanced ultrasonography or computed tomography for surveillance after endovascular aneurysm repair. Br J Surg. 2012;99:1514–23. 11. França GJ, Baroncini LAV, Oliveira A, et al. Evaluation with Doppler vascular ultrasound in postoperative endovascular treatment of abdominal aortic aneurysm: a prospective comparative study with angiotomography. J Vasc Bras. 2013;12:102–9. 12. Moraes Filho D, Trevisan FB, Silvestre JMS, et al. Vascular ultrasonography for follow-up of endovascular repair of abdominal aorta aneurysms. J Vasc Bras. 2014;13:168–74. 13. Kranokpiraksa P, Kaufman JA. Follow-up of endovascular aneurysm repair: plain radiography, ultrasound, CT/CT angiography, MR imaging/MR angiography, or what? J Vasc Interv Radiol. 2008;19(6 Suppl):S27–36. 1. Médicos Cirurgiões Vasculares, Consultório particular, Campinas, SP, Brasil 2. Pós-graduando da Disciplina de Moléstias Vasculares da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil 3. Doutores, Professores Assistentes do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil 4. Doutor, Professor Assistente da Disciplina de Moléstias Vasculares da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil 5. Doutora, Professora Associada, Chefe da Disciplina de Moléstias Vasculares da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Alex Aparecido Cantador Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Cirurgia Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz Campinas, SP, Brasil, 13083-887 E-mail: alex_cantador@yahoo.com.br Recebido para publicação em 17/12/2014. Aceito, após revisão, em 20/8/2015. Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil. |