Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2016

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 214 to 219



Alterações na tomografia computadorizada do tórax em pacientes adultos oligossintomáticos com doença falciforme

Autho(rs): Ursula David Alves1; Agnaldo José Lopes2; Maria Christina Paixão Maioli3; Andrea Ribeiro Soares3; Pedro Lopes de Melo4; Roberto Mogami5

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Texto em Português English Text

Descritores: Anemia falciforme; Pneumopatias/etiologia; Tomografia computadorizada.

Keywords: Anemia, sickle cell; Lung diseases/etiology; Tomography, X-ray computed.

Resumo:
OBJETIVO: Descrever e quantificar as principais alterações na tomografia computadorizada do tórax em pacientes adultos oligossintomáticos com doença falciforme e, secundariamente, avaliar o índice de acerto do radiologista quanto ao tipo de hemoglobinopatia.
MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo prospectivo em que 44 pacientes adultos com doença falciforme foram submetidos a tomografia computadorizada do tórax tanto em inspiração como em expiração. Foram descritos a frequência dos achados tomográficos e os graus de acometimento. Por meio da análise das alterações pulmonares e do padrão morfológico do baço, foi calculado o índice de acerto do radiologista quanto ao tipo de hemoglobinopatia.
RESULTADOS: As alterações encontradas nos exames de tomografia computadorizada, em ordem decrescente de frequência, foram: opacidades reticulares (81,8%), padrão de atenuação em mosaico (56,8%), distorção arquitetural (31,8%), cardiomegalia (25%), redução volumétrica lobar (18,2%) e aumento do calibre de ramos periféricos das artérias pulmonares (9,1%). Na maioria dos achados o grau de acometimento foi considerado leve, com até cinco segmentos pulmonares acometidos. O índice de acerto quanto ao tipo de hemoglobinopatia (grupo HbSS versus grupo não HbSS) foi 72,7%.
CONCLUSÃO: Em pacientes adultos com doença falciforme os principais achados tomográficos refletem alterações fibróticas. Além do mais, a tomografia computadorizada pode ser útil na diferenciação do tipo de hemoglobinopatia.

Abstract:
OBJECTIVE: To describe and quantify the main changes seen on computed tomography of the chest in mildly symptomatic adult patients with sickle cell disease, as well as to evaluate the radiologist accuracy in determining the type of hemoglobinopathy.
MATERIALS AND METHODS: A prospective study involving 44 adult patients with sickle cell disease who underwent inspiration and expiration computed tomography of the chest. The frequency of tomography findings and the extent of involvement are reported. We also calculated radiologist accuracy in determining the type of hemoglobinopathy by analyzing the pulmonary alterations and morphology of the spleen.
RESULTS: The changes found on computed tomography scans, in descending order of frequency, were as follows: fibrotic opacities (81.8%); mosaic attenuation (56.8%); architectural distortion (31.8%); cardiomegaly (25.0%); lobar volume reduction (18.2%); and increased caliber of peripheral pulmonary arteries (9.1%). For most of the findings, the involvement was considered mild, five or fewer lung segments being affected. The accuracy in determining the type of hemoglobinopathy (HbSS group versus not HbSS group) was 72.7%.
CONCLUSION: In adult patients with sickle cell disease, the main tomography findings reflect fibrotic changes. In addition, computed tomography can be helpful in differentiating among hemoglobinopathies.

INTRODUÇÃO

A doença falciforme engloba um grupo de anemias hemolíticas hereditárias autossômicas recessivas que têm em comum a presença de hemoglobina S na hemácia(1). As mais frequentes são a anemia falciforme (ou HbSS), a S talassemia ou microdrepanocitose (HbS beta-talassemia) e as duplas heterozigoses HbSC e HbSD(1,2). A doença falciforme é uma das hemoglobinopatias mais frequentes da humanidade, afetando mais de 30 milhões de pessoas(1,2). No Brasil, estima-se que a doença acomete, anualmente, 3.000 nascidos vivos e que cerca de 7,2 milhões de pessoas são portadoras do gene mutado(3).

A simples substituição de um aminoácido na cadeia beta da hemoglobina leva a uma rede complexa de interações moleculares; estas alteram a permeabilidade e estabilidade da membrana das hemácias e acarretam adesão endotelial, oclusão vascular e intensa hemólise(4,5). O achado principal na patogênese da vasculopatia da doença falciforme tem sido atribuído à hemólise por redução da biodisponibilidade do óxido nítrico, que é um potente vasodilatador endógeno; há também redução da via arginina-óxido nítrico-sintetase. Todas essas alterações causam importante vasoconstrição(6,7). Na doença falciforme ocorre também geração de trombina por reação inflamatória crônica, que ativa a cascata de coagulação e expõe de forma anormal a fosfatidilserina na superfície das hemácias(8).

A doença falciforme é uma doença crônica com curso clínico pontuado por episódios agudos. A crise vaso-oclusiva ou de falcização caracteriza-se pela ocorrência de uma crise aguda de dor óssea, torácica ou abdominal, sendo mais comum nos pacientes HbSS(9). A síndrome torácica aguda manifesta-se por dor torácica, hipoxemia e opacidades pulmonares. Esta síndrome também ocorre em pacientes não HbSS, ainda que as manifestações clínicas e radiológicas sejam mais brandas do que as que ocorrem em pacientes HbSS(9,10). O baço é também um local de constante falcização. Na idade adulta, praticamente todos os pacientes HbSS tornam-se funcionalmente asplênicos em decorrência de infartos repetidos da microvasculatura. Já nos pacientes não HbSS não há ocorrência de infartos esplênicos e, ao contrário dos pacientes HbSS, eles em geral apresentam esplenomegalia com eventuais crises de sequestro esplênico(9,11).

O pulmão é o órgão mais comprometido na doença falciforme(12,13). Entretanto, a exata incidência, prevalência e história natural e os métodos diagnósticos mais importantes na doença pulmonar crônica relacionada à anemia falciforme não estão bem estabelecidos pelos poucos estudos existentes(4,14–19). Sugere-se que o comprometimento pulmonar ocorra em 4% dos pacientes falcêmicos(4,14) e esteja relacionado a episódios recorrentes de infartos e infecções, ocasionando intenso estresse oxidativo, remodelamento da vasculatura com proliferação da camada muscular e fibrose(14,15). Há também sequelas pulmonares devidas a episódios repetidos de síndrome torácica aguda(14), sendo esta última o maior fator de risco para o desenvolvimento da doença pulmonar crônica(13).

As complicações pulmonares são responsáveis por 20% a 30% das mortes em adultos com anemia falciforme(16). Com os programas de triagem neonatal de várias doenças hereditárias, dentre elas a doença falciforme, o diagnóstico precoce determinou grande redução das taxas de mortalidade infantil e maior sobrevida desses pacientes. Consequentemente, cada vez mais estão sendo descritas anormalidades nos testes de função pulmonar e doença intersticial pulmonar pela tomografia computadorizada (TC)(14,17,18). Em estudo prospectivo com 29 pacientes que tiveram um até mais de dez episódios de síndrome torácica aguda, em 41% foram observadas anormalidades intersticiais na TC de tórax, cuja gravidade e extensão estiveram associadas com o número de episódios da síndrome(17).

Alguns achados tomográficos que podem ser encontrados nestes pacientes são padrão de atenuação em mosaico, perda de volume pulmonar, vasos centrais proeminentes, opacidades em vidro fosco, opacidades lineares irregulares, bronquiectasias de tração, espessamento dos septos interlobulares e nódulos(18,19). Há relação dos achados de fibrose na TC com distúrbio ventilatório restritivo nos testes de função pulmonar, o que mostra a importância da TC na detecção de anormalidades respiratórias em pacientes com doença falciforme(18).

Em razão da escassez de estudos acerca das alterações na TC de tórax presentes em pacientes oligossintomáticos no curso crônico da doença falciforme, torna-se importante o conhecimento das formas de apresentação dos principais achados pulmonares pelos médicos radiologistas, no intuito de compreender melhor a fisiopatologia da doença, bem como auxiliar na estratificação da gravidade e condução do tratamento. Assim, o objetivo principal deste estudo foi descrever e quantificar as principais alterações na TC de tórax em pacientes oligossintomáticos com doença falciforme e, secundariamente, avaliar o índice de acerto do radiologista quanto ao tipo de hemoglobinopatia.


MATERIAIS E MÉTODOS

Foram estudados 44 pacientes adultos oligossintomáticos com doença falciforme, acompanhados em nossa instituição. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade > 18 anos, independentemente do tratamento aplicado, e sem comorbidades inflamatórias agudas no momento da avaliação. Os critérios de exclusão foram os seguintes: história de tuberculose pulmonar, portadores de doenças do colágeno, portadores de infecção pelo vírus HIV, história de tabagismo e pacientes com doenças valvulares cardíacas ou pulmonares não relacionadas à doença falciforme. Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Os exames de TC de tórax (incluindo o abdome superior) foram realizados em tomógrafo multislice de 64 canais Brilliance 40 (Philips Medical Systems; Cleveland, OH, EUA). As aquisições foram realizadas no plano axial, com o paciente em decúbito dorsal, utilizando-se como parâmetros técnicos: 120 kV e 458 mAs (que podem variar com o biótipo do paciente), espessura de corte de 2 mm e pitch de 1, da incisura jugular ao processo xifoide, em inspiração e expiração máximas, sem inclinação do gantry. Após a aquisição das imagens, foi realizada a reconstrução para alta resolução, com matriz de 512 × 512, utilizando-se algoritmo de alta frequência, largura de janela de 1200 UH e nível médio de centro de –800 UH. Em nenhum dos exames foi realizada a administração de contraste venoso. A interpretação dos achados tomográficos foi feita de maneira independente por dois radiologistas com experiência em exames de tórax (um com mais de 10 anos e outro com 4 anos); em casos de discordância, ao final das análises foi estabelecido um consenso entre eles.

Foram utilizados critérios adaptados de estadiamento para cada anormalidade, de acordo com o número de segmentos pulmonares acometidos(20–22). Os seguintes achados tomográficos foram avaliados: opacidades reticulares, padrão de atenuação em mosaico, redução volumétrica lobar e sinais de hipertensão arterial pulmonar. O termo "atenuação em mosaico" foi utilizado na avaliação dos exames de TC no intuito de definir tanto doença de vias aéreas como distúrbios oclusivos vasculares, sendo estes últimos inseridos na definição fisiopatológica da doença falciforme(23).

Os graus de acometimento na TC foram analisados conforme segue(21,22): grau 0: achado ausente; grau 1: 1 a 5 segmentos acometidos; grau 2: 6 a 9 segmentos acometidos; grau 3: mais de 9 segmentos acometidos. As anormalidades foram definidas e adotadas de acordo com os critérios da Sociedade Fleischner(24) e do "Consenso brasileiro ilustrado sobre a terminologia dos descritores e padrões fundamentais da TC de tórax"(23). Por meio da análise das alterações pulmonares e do padrão morfológico do baço (incluindo atrofia, presença de calcificações e esplenomegalia), também foi calculado o índice de acerto dos radiologistas quanto ao tipo de hemoglobinopatia.


RESULTADOS

Dos 44 participantes do estudo, 32 eram portadores da mutação homozigótica (HbSS), ou anemia falciforme, e 12 eram portadores da mutação heterozigótica (HbSC ou HbSB). Havia 29 mulheres e 15 homens, com média de idade de 54 ± 9,9 anos. A média dos valores para peso, altura e índice de massa corporal foi 71,5 ± 10,6 kg, 165 ± 20 cm e 26,3 ± 4,8 kg/m2, respectivamente. Quarenta pacientes (90,9% do total) faziam uso de hidroxiureia, apesar de irregularidade do tratamento.

Os achados encontrados nas TCs, em ordem decrescente de frequência, foram: opacidades reticulares (81,8%) (Figuras 1 e 2), padrão de atenuação em mosaico (56,8%) (Figura 2), distorção arquitetural (31,8%), cardiomegalia (25%) (Figura 3), redução volumétrica lobar (18,2%) (Figura 4) e aumento do calibre das artérias pulmonares periféricas (9,1%) (Figura 5). Em apenas um paciente foi observado aumento do calibre do tronco da artéria pulmonar.


Figura 1. TC de tórax de paciente com doença falciforme demonstrando opacidades reticulares nos lobos inferiores (setas).


Figura 2. TC de tórax, corte axial, mostrando padrão de atenuação em mosaico nos lobos inferiores. Nota-se também opacidade reticular com bronquiectasias de tração (seta).


Figura 3. TC de tórax, janela de mediastino, de paciente de 23 anos com diagnóstico de anemia falciforme, demonstrando aumento da área cardíaca.


Figura 4. TC de tórax, corte axial, mostrando importante redução volumétrica dos lobos inferiores, notadamente à direita (setas).


Figura 5. TC de tórax, corte axial, demonstrando aumento do calibre dos vasos pulmonares periféricos (setas).



Dos 36 pacientes que apresentavam opacidades reticulares, 21 (58,3%) foram considerados grau 1 (1 a 5 segmentos acometidos), 11 (30,5%) foram considerados grau 2 (6 a 9 segmentos acometidos) e apenas 4 (11,1%) foram considerados grau 3 (mais de 9 segmentos acometidos).

Dos 25 pacientes que apresentaram padrão de atenuação em mosaico, a maioria foi considerada grau 2 (6 a 9 segmentos acometidos), composta por 14 pacientes (56%). Os lobos inferiores foram os mais acometidos por este achado (92%). A maioria dos pacientes com redução volumétrica lobar foi considerada grau 1 para este achado (62,5%), sendo os lobos inferiores os mais acometidos (87,5%). Tais achados e suas frequências são mostrados na Tabela 1.




O índice de acerto quanto ao tipo de hemoglobinopatia (grupo HbSS versus grupo não HbSS) foi 72,7% (32 acertos dentre os 44 pacientes estudados) (Figura 6).


Figura 6. Diferentes padrões de acometimento esplênico na doença falciforme. Enquanto na anemia falciforme (HbSS) ocorrem atrofia e calcificação do baço (seta em A), doenças falciformes não HbSS podem se manifestar com esplenomegalia (setas em B).



DISCUSSÃO

A TC de tórax tem-se mostrado importante ferramenta para o estudo das doenças do parênquima pulmonar, conforme discutido recentemente na literatura radiológica nacional(25–32). Diferentemente do que é relatado em alguns estudos(4,14), que referem uma frequência de achados pulmonares crônicos em apenas 4% dos pacientes falcêmicos, em nosso trabalho foi observada grande frequência destas alterações, presentes em 88,6% dos pacientes avaliados. Isto pode ser atribuído, ao menos em parte, à maior longevidade do grupo avaliado em virtude do uso de hidroxiureia, em comparação aos pacientes de outros estudos. O tratamento com hidroxiureia eleva os níveis de hemoglobina fetal, aumenta a longevidade das hemácias circulantes e reduz, portanto, os efeitos deletérios relacionados à hemólise crônica(18). É importante salientar que todos os pacientes do presente estudo tinham idade > 18 anos e a quase totalidade fazia uso de hidroxiureia.

Os achados tomográficos encontrados no presente trabalho estão de acordo com os descritos em outros estudos, que incluem opacidades reticulares, padrão de atenuação em mosaico, redução do volume pulmonar e distorção arquitetural caracterizada por opacidades lineares irregulares e bronquiectasias de tração(18,19). As opacidades reticulares foram os achados mais frequentes, sendo provavelmente relacionadas às sequelas por crises torácicas agudas prévias e infartos pulmonares. Isto se justifica por estudos prévios que mostram uma relação direta da gravidade e extensão dos achados tomográficos com o número de episódios de síndromes torácicas agudas(14,17). A distorção arquitetural do parênquima pulmonar, que também foi um achado muito comum no presente estudo, caracterizou-se por opacidades reticulares extensas associadas a retração do parênquima pulmonar e bronquiectasias de tração.

Observamos o padrão de atenuação em mosaico em 56,8% dos casos avaliados. Este é um sinal inespecífico, indicativo tanto de doença oclusiva vascular como de doença de vias aéreas(33,34). As imagens em apneia expiratória, na maioria dos casos, identificam pacientes com doença de pequenas vias aéreas como causa da atenuação em mosaico(34). Todavia, a expiração pode não ser confiável para a distinção entre doença de pequenas vias aéreas e doença de pequenos vasos em situações fisiopatológicas complexas, em que tanto os vasos como as vias aéreas são anormais, como é o caso dos pacientes com doença falciforme(35). Assim, na descrição dos exames da TC, optamos pelo termo "atenuação em mosaico", que é mais abrangente, em vez de "aprisionamento aéreo", mesmo com o uso da apneia expiratória.

Anormalidades de vias aéreas são descritas em pacientes com doença oclusiva vascular, especialmente quando há dilatação de brônquios segmentares e subsegmentares em áreas afetadas por eventos oclusivos crônicos(35), sendo seu mecanismo ainda pouco conhecido na literatura. Apenas quatro pacientes tinham aumento do calibre de artérias pulmonares periféricas; tal achado é atribuído ao alojamento de pequenos trombos no interior da luz(36).

A cardiomegalia, encontrada em 25% dos pacientes do presente estudo, é descrita na literatura em pacientes com doença falciforme como decorrente da disfunção ventricular sistólica e diastólica, do débito cardíaco elevado por causa da anemia crônica ou da hipertensão pulmonar(37). Os pacientes do presente estudo têm acompanhamento clínico frequente, apresentando exames de ecocardiografia normais ou com valores de pressão da artéria pulmonar no limite superior da normalidade (dados não mostrados). A TC tem sensibilidade e especificidade mais baixas para identificar hipertensão arterial pulmonar por meio da mensuração do calibre do tronco pulmonar(38). Tal fato pode explicar a baixa taxa de indivíduos com aumento do calibre do tronco pulmonar em nosso trabalho.

Nosso estudo mostrou baixo índice de achados tomográficos com graduação máxima de acometimento, especialmente em relação ao grau 3. Isto pode ser explicado, ao menos em parte, pela intensa monitoração clínica e tratamento precoce desse grupo de pacientes, o que, consequentemente, retarda ou reduz o efeito da hemólise crônica e da cascata de eventos inflamatórios na microvasculatura pulmonar. Vale ainda ressaltar o alto percentual de acerto dos radiologistas quanto ao tipo de hemoglobinopatia, que foi baseado tanto nas alterações pulmonares como esplênicas. Pelo nosso conhecimento, nenhum estudo prévio havia testado essa hipótese.

É pertinente uma análise crítica dos resultados do presente estudo e de suas limitações. Primeiro, o tamanho da amostra é relativamente pequeno e o estudo é transversal; entretanto, vale ressaltar que a proposta da presente investigação foi avaliar os achados da TC em pacientes com maior longevidade, o que restringe sobremaneira o número de pacientes na amostra. Segundo, os estudos da hemodinâmica e da função pulmonar poderiam permitir uma melhor definição dos achados na TC. Isto se aplica, por exemplo, ao padrão de atenuação em mosaico, que pode refletir tanto doença de pequenas vias aéreas como doença de pequenos vasos, indistinguíveis à TC, particularmente em situações fisiopatológicas complexas, em que tanto os vasos como as vias aéreas estão acometidos. Apesar dessas limitações, acreditamos que os resultados trazem uma importante contribuição, uma vez que há poucos estudos sobre os achados da TC de tórax em pacientes com doença falciforme. Estudos futuros com maior número de pacientes e avaliação longitudinal devem ser realizados no intuito de compreender ainda mais a fisiopatologia da doença falciforme, incentivando o tratamento precoce e regular e o seguimento multidisciplinar desses pacientes. Isto poderá impactar no aumento da sobrevida e na redução da estigmatização social de uma doença crônica com repercussões importantes no tórax.

Em conclusão, o presente estudo mostra que há grande frequência de achados na TC de tórax em pacientes oligossintomáticos com doença falciforme, sendo os mais observados os que refletem as alterações fibróticas; estas provavelmente estão relacionadas às sequelas de crises torácicas agudas ou infartos pulmonares. Adicionalmente, a TC pode ser útil na diferenciação do tipo de hemoglobinopatia.

Agradecimento

À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pelo apoio financeiro por meio do projeto E-26/110.255/2014.


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1. Médica Radiologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Doutor, Professor Adjunto de Pneumologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Doutoras, Professoras Adjuntas de Hematologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Doutor, Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Chefe do Laboratório de Instrumentação Biomédica e do Laboratório de Pesquisas Clínicas e Experimentais em Biologia Vascular, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
5. Doutor, Professor Adjunto de Radiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Agnaldo José Lopes
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua Araguaia, 1266, Bloco 1/405, Freguesia, Jacarepaguá
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22745-271
E-mail: agnaldolopes.uerj@gmail.com

Recebido para publicação em 5/6/2015.
Aceito, após revisão, em 24/7/205.

Trabalho realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 
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