Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2016

EDITORIAIS
Print 

Page(s) VII to VIII



Variantes anatômicas das artérias renais caracterizadas pela angiotomografia computadorizada: regra ou exceção? Sua utilidade no planejamento cirúrgico

Autho(rs): David C. Shigueoka

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

O clássico anatomista Testut, em seu Traité D'Anatomie Humaine já observava que "os rins, assim como outros órgãos que desenvolvem funções importantes, possuem uma vascularização extremamente rica e complexa"(1). No número anterior da Radiologia Brasileira, Mello Júnior et al.(2) descrevem o aspecto normal das artérias renais e suas variações anatômicas mais comuns, observadas na angiotomografia computadorizada. Discutem, ainda, os aspectos técnicos da sua realização, o pós-processamento de imagem, a terminologia utilizada e as suas implicações clinico-cirúrgicas.

Em estudo recente, Çinar et al.(3) avaliaram a prevalência de artérias renais polares na angiotomografia, em 31,3% dos casos, e de ramificações precoces da artéria hilar, em 6,5% dos casos, o que mostra que tais variantes anatômicas não constituem meras exceções, mas, ao contrário, apresentam-se com grande frequência e são importantes no planejamento cirúrgico de várias condições patológicas.

No atual estado da arte, a angiotomografia mostra-se superior à angiorressonância magnética na avaliação dos vasos renais, assim como de outros ramos da aorta(4), principalmente na identificação dos vasos de calibre inferior a 2 mm(5), embora possa ser utilizada na avaliação das artérias renais com resultados aceitáveis(6).

A avaliação do doador vivo para transplante renal, candidato a nefrectomia laparoscópica, representa uma das principais indicações de estudo pré-operatório das artérias renais. O rim esquerdo é mais comumente utilizado, em virtude de maior facilidade técnica e do pedículo venoso mais longo(7). Raramente, as variantes anatômicas das artérias renais constituem contraindicação absoluta na realização do transplante, porém, um número maior que três artérias é considerado limitante. A bifurcação precoce da artéria renal, isto é, a emergência de ramos segmentares a cerca de 1,5–2,0 cm da sua origem, observada em 13% dos pacientes por Munnusamy et al., limita a anastomose vascular no receptor(8), e a ligadura eventual de artéria polar superior, com calibre menor que 2 mm, pode ser realizada sem isquemia significativa do enxerto(9).

Outra indicação importante consiste na avaliação de candidatos ao tratamento endovascular de aneurismas da aorta, com próteses aórticas fenestradas ou ramificadas. Além da localização e calibre das artérias hilares, a presença de artérias polares deve ser conhecida de modo a prever eventual dano renal, embora possa ser aceito sacrificar-se artéria polar de pequeno calibre que possa ser obliterada pela prótese, desde que seja mínimo o segmento isquêmico do rim(10).

Mello Júnior et al.(2) lembram, ainda, a relevância da caracterização de eventual artéria acessória polar inferior no tratamento cirúrgico da estenose da junção ureteropiélica (JUP). Embora nem sempre a artéria polar seja a causa da obstrução, a sua identificação é útil no planejamento cirúrgico, particularmente quando se usa técnica endoscópica, na qual se realiza incisão longitudinal longa da JUP que pode comprometer eventual vaso no seu trajeto, sendo uma opção, nestes casos, a pieloplastia laparoscópica(11). Como a estenose da JUP é comumente diagnosticada na infância, a ressonância magnética tem sido empregada por permitir a avaliação concomitante do sistema coletor e da anatomia vascular, sem o inconveniente da radiação ionizante nesta faixa etária, assim como de eventual potencial lesão renal pelo agente de contraste iodado(12).

A terminologia na denominação das variações anatômicas é um dos pontos controversos na literatura, pela diversidade de termos utilizados. Artéria renal extra, adicional, supranumerária, aberrante, anômala, acessória, aórtica polar superior e inferior ou simplesmente polar superior e inferior são descrições encontradas nos vários trabalhos. A nômina anatômica na língua portuguesa é omissa quanto a estas estruturas. Mello Júnior et al.(2) recomendam a terminologia proposta por Sampaio et al.(13) e usada por Palmieri et al.(14), autores nacionais que utilizam as denominações artéria hilar, extra-hilar superior e inferior, polar superior e inferior e bifurcação precoce, com o mérito da descrição pormenorizada em cada caso. Cabe lembrar que o termo artéria acessória polar é comumente observado no seu correspondente da língua inglesa e também amplamente utilizado em nosso meio. Um consenso da terminologia anatômica entre as diversas especialidades envolvidas certamente seria bem recebido.

Por fim, o artigo de Mello Júnior et al.(2) traz recomendações práticas na interpretação da angiotomografia das artérias renais, orientando a descrição detalhada, acrescida de medidas, o que proporciona maior consistência na comunicação dos achados com o cirurgião, como também sugerem outros autores(15).

Em conclusão, o radiologista desempenha papel importante na avaliação diagnóstica e pré-operatória da vascularização renal, contribuindo com a redução de complicações e maior sucesso das intervenções terapêuticas.


REFERÊNCIAS

1. Sebben GA, Rocha SL, Quidigno EA, et al. Variações das artérias renais: estudo anatômico em cadáveres. Rev Med Res. 2011;13:245–50.

2. Mello Júnior C, Araujo Neto SA, Carvalho Junior AM, et al. Multidetector computed tomography angiography of the renal arteries: normal anatomy and its variations. Radiol Bras. 2016;49:190–5.

3. Çinar C, Türkvatan A. Prevalence of renal vascular variations: evaluation with MDCT angiography. Diagn Interv Imaging. 2016. pii: S2211-5684(16)30079-1. [Epub ahead of print].

4. Araujo Neto SA, Mello Júnior CF, Franca HA, et al. Multidetector computed tomography angiography of the celiac trunk and hepatic arterial system: normal anatomy and main variants. Radiol Bras. 2016;49:49–52.

5. Arévalo Pérez J, Gragera Torres F, Marín Toribio A, et al. Angio CT assessment of anatomical variants in renal vasculature: its importance in the living donor. Insights Imaging. 2013;4:199–211.

6. Nacif MS, Santos AASMD, Marchiori E. Magnetic resonance angiography in the evaluation of renal arteries: imaging findings. Radiol Bras. 2006;39:253–8.

7. Chu LC, Sheth S, Segev DL, et al. Role of MDCT angiography in selection and presurgical planning of potential renal donors. AJR Am J Roentgenol. 2012;199:1035–41.

8. Munnusamy K, Kasirajan SP, Gurusamy K, et al. Variations in branching pattern of renal artery in kidney donors using CT angiography. J Clin Diagn Res. 2016;10:AC01–3.

9. Sebastià C, Peri L, Salvador R, et al. Multidetector CT of living renal donors: lessons learned from surgeons. Radiographics. 2010;30:1875–90.

10. Mendes BC, Oderich GS, Reis de Souza L, et al. Implications of renal artery anatomy for endovascular repair using fenestrated, branched, or parallel stent graft techniques. J Vasc Surg. 2016;63:1163–9.e1.

11. Liu PS, Platt JF. CT angiography of the renal circulation. Radiol Clin North Am. 2010;48:347–65, viii–ix.

12. Weiss DA, Kadakia S, Kurzweil R, et al. Detection of crossing vessels in pediatric ureteropelvic junction obstruction: clinical patterns and imaging findings. J Pediatr Urol. 2015;11:173.e1–5.

13. Sampaio FJ, Passos MA. Renal arteries: anatomic study of surgical and radiological practice. Surg Radiol Anat. 1992;14:113–7.

14. Palmieri BJ, Petroianu A, Silva LC, et al. Study of arterial pattern of 200 renal pedicle through angiotomography. Rev Col Bras Cir. 2011;38:116–21.

15. Ghonge NP, Gadanayak S, Rajakumari V. MDCT evaluation of potential living renal donor, prior to laparoscopic donor nephrectomy: What the transplant surgeon wants to know? Indian J Radiol Imaging. 2014;24:367–78.










Professor Adjunto do Departamento Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: sdavid@uol.com.br
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554