Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2016

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 26 to 34



Ressonância magnética cardíaca e tomografia computadorizada na cardiomiopatia isquêmica: atualidades

Autho(rs): Fernanda Boldrini Assunção1; Diogo Costa Leandro de Oliveira1; Vitor Frauches Souza2; Marcelo Souto Nacif3

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Texto em Português English Text

Descritores: Cardiomiopatia isquêmica; Coração; Ressonância magnética; Tomografia computadorizada.

Keywords: Ischemic cardiomyopathy; Heart; Magnetic resonance imaging; Computed tomography.

Resumo:
A cardiomiopatia isquêmica é um dos principais problemas de saúde no mundo, representando significativa parcela da mortalidade. A ressonância magnética cardíaca (RMC) e a tomografia computadorizada cardíaca (TCC) são métodos de imagem não invasivos úteis no diagnóstico da doença arterial coronariana e também podem auxiliar no rastreamento de indivíduos com fatores de risco para o desenvolvimento de cardiomiopatia induzida por isquemia/infarto. Os avanços tecnológicos da RMC e da TCC contribuíram para o surgimento de diversas indicações clínicas para aplicação desses métodos de imagem de forma complementar a outros exames, principalmente quando estes se mostram inconclusivos. A RMC e a TCC apresentam acurácia semelhante aos demais métodos de imagem, poucas contraindicações absolutas e mínimos riscos de efeitos adversos, o que os fortalecem como ferramentas seguras no manejo dos pacientes. O presente estudo tem por objetivo descrever o papel da RMC e da TCC no diagnóstico das cardiomiopatias isquêmicas.

Abstract:
Ischemic cardiomyopathy is one of the major health problems worldwide, representing a significant part of mortality in the general population nowadays. Cardiac magnetic resonance imaging (CMRI) and cardiac computed tomography (CCT) are noninvasive imaging methods that serve as useful tools in the diagnosis of coronary artery disease and may also help in screening individuals with risk factors for developing this illness. Technological developments of CMRI and CCT have contributed to the rise of several clinical indications of these imaging methods complementarily to other investigation methods, particularly in cases where they are inconclusive. In terms of accuracy, CMRI and CCT are similar to the other imaging methods, with few absolute contraindications and minimal risks of adverse side-effects. This fact strengthens these methods as powerful and safe tools in the management of patients. The present study is aimed at describing the role played by CMRI and CCT in the diagnosis of ischemic cardiomyopathies.

INTRODUÇÃO

A cardiomiopatia isquêmica é um dos principais problemas de saúde no mundo, representando significativa parcela da mortalidade nos dias atuais. É uma doença na qual se caracteriza a presença de isquemia do miocárdio associada ou não a fibrose causada pelo infarto miocárdico. A isquemia miocárdica só ocorre quando há desequilíbrio na oferta ou demanda de oxigênio e a diminuição do fluxo sanguíneo é considerada a fisiopatologia da maioria dos casos de infarto agudo do miocárdio e dos episódios de angina instável. Além disso, o sinergismo entre oferta e demanda de oxigênio é o principal fator na determinação de isquemia nos casos de angina crônica estável(1).

A apresentação clínica da doença coronária varia desde angina crônica estável até a morte súbita. Nesse espectro encontram-se os quadros de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e angina instável, atualmente catalogados como síndrome coronariana aguda(1). Em aproximadamente 50% a 70% dos pacientes, o infarto agudo do miocárdio é a primeira manifestação de cardiomiopatia isquêmica(2,3). O principal substrato etiopatogênico das cardiomiopatias isquêmicas é a aterosclerose(4). Os fatores de risco para o desenvolvimento de aterosclerose e, subsequentemente, da cardiomiopatia isquêmica são, além da idade, a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus, o tabagismo, as dislipidemias, o sedentarismo e a obesidade(5).

O diagnóstico baseia-se na história clínica e na presença de fatores de risco. Eletrocardiograma e radiografia de tórax também podem ser métodos esclarecedores em pacientes com dor torácica. A cineangiocoronariografia é, entretanto, o exame padrão ouro para o diagnóstico de doença arterial coronariana (DAC), sendo, no entanto, um exame invasivo e dispendioso(6). Atualmente, a imagem cardíaca não invasiva tem sido fundamental para o diagnóstico e manejo de pacientes com diagnóstico ou com suspeita de doença coronariana crônica(7). Os exames não invasivos mais frequentemente utilizados no diagnóstico da cardiomiopatia isquêmica são o teste ergométrico, o ecocardiograma sob estresse farmacológico ou com exercício, a cintilografia miocárdica de perfusão, a ressonância magnética cardíaca (RMC) e a tomografia computadorizada cardíaca (TCC), com destaque para os dois últimos(1).

A RMC apresenta grande utilidade na avaliação da DAC, tanto em sua fase aguda como crônica. Em virtude da sua alta resolução espacial, o método hoje pode ser considerado como um padrão de referência para avaliação da função global e regional miocárdica e para detecção e quantificação de áreas de infarto do miocárdio(7,8). A TCC é um método mais recente que tem sua principal aplicação clínica centrada no diagnóstico da DAC, determinando o escore de cálcio coronariano (ECC) de Agatston e a realização de angiografias coronarianas de forma não invasiva(7,8).

A partir dessas considerações, o presente estudo tem por objetivo destacar os atuais conceitos acerca da utilização da RMC e TCC na cardiomiopatia isquêmica, ressaltando os impactos diagnósticos, terapêuticos e prognósticos que o método proporciona. Realizou-se revisão sistemática nas fontes de bases de dados Pubmed (National Library of Medicine), utilizando os termos de busca "cardiac magnetic resonance in ischemic cardiomyopathy" e "computed tomography in ischemic cardiomyopathy", assim como em livros correlatos, consensos e diretrizes de sociedades.


RESULTADOS

Foram encontrados 1.319 artigos, e destes foram selecionados 43 artigos publicados em revistas de maior impacto e por consenso dos autores. Associados a esses, foram utilizados 1 consenso e 3 diretrizes (I Diretriz de Ressonância e Tomografia Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia(8), III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica(9) e Diretriz de Doença Coronariana Crônica - Angina Estável(10)). A partir dos dados obtidos, desenvolveu-se o estudo em questão.


DISCUSSÃO

Ressonância magnética cardíaca


A RMC permite avaliação da função global e regional miocárdica, detecção e quantificação de áreas de infarto do miocárdio sem utilizar-se de radiação ionizante ou contrastes nefrotóxicos, sendo um dos métodos de maior segurança no diagnóstico cardiovascular(8). Em razão da obtenção dos volumes e massas ventriculares por uma abordagem tridimensional, a RMC tem alta acurácia na obtenção destes valores tanto para o ventrículo esquerdo(11) quanto para o direito(12), sendo o padrão ouro para essas medidas(7). O ecocardiograma sem contraste subestima valores de fração de ejeção e volumes em comparação à RMC(13). Além disso, a RMC é útil para visualização e caracterização de massas cardíacas e trombos, avaliação da função valvar e demonstração em alta resolução de complexos processos de doenças cardíacas vasculares congênitas e adquiridas(7). Pode também ser utilizada na avaliação da anatomia ventricular, de aneurismas ventriculares, pericardite, e no seguimento pós-operatório para avaliação da melhora da função cardíaca(14,15).

Avaliação da função global e segmentar

A RMC fornece dados precisos de alta reprodutibilidade dos parâmetros de volume, massa e contratilidade global e regional dos ventrículos direito e esquerdo(8) (Figura 1). A avaliação da função regional do ventrículo esquerdo (contratilidade segmentar) é realizada tanto durante o repouso quanto sob estresse farmacológico. A análise da contratilidade segmentar por meio da RMC demonstra resultados superiores à realizada pela ecocardiografia(16). As técnicas mais utilizadas para se pesquisar a presença de DAC envolvem a visualização direta dos efeitos da isquemia, induzida por estresse farmacológico, sobre a contratilidade segmentar e sobre a perfusão miocárdica em uma análise multimodal. A RMC apresenta a característica única de proporcionar os dois tipos de informação em um único exame, combinando a maior especificidade da avaliação da função regional sob estresse com a maior sensibilidade da avaliação da perfusão miocárdica(8).


Figura 1. Avaliação da função ventricular. Técnica de Simpson (A,B) e 4D (C,D).



Avaliação da perfusão miocárdica

A avaliação da perfusão miocárdica (Figura 2) é realizada durante repouso e sob estresse com dipiridamol ou adenosina e é analisada em conjunto com as imagens de realce tardio para identificação de áreas necróticas ou fibróticas(8). A RMC de perfusão miocárdica possui excelente sensibilidade e especificidade quando comparada à cineangiocoronariografia(17,18). A RMC já foi validada utilizando os métodos atualmente disponíveis na prática cardiológica com comparativos e mediante avaliação longitudinal para caracterização prognóstica dos pacientes. Atualmente, sua utilização clínica já está bem sólida(19). Quando a perfusão miocárdica avaliada pela RMC de estresse é normal, o paciente possui baixa taxa de eventos cardiovasculares futuros, ao passo que quando a isquemia está presente a taxa de eventos cardiovasculares futuros é alta, determinando assim a sua capacidade prognóstica(20).


Figura 2. Avaliação da perfusão miocárdica durante estresse farmacológico e repouso. DA, artéria coronária descendente anterior.



Avaliação do realce miocárdico tardio

Os protocolos baseados na técnica do realce miocárdico tardio com gadolínio permitem uma precisa delimitação das áreas de necrose ou fibrose miocárdica nos pacientes com infarto crônico(8) e agudo(7). A técnica baseia-se na propriedade do gadolínio em se distribuir de forma extracelular entre o tecido normal e o tecido enfartado/fibrótico, ocorrendo uma saída bem mais lenta deste último, o que gera um acúmulo do meio de contraste por um tempo mais longo nestes tecidos. Tal fato possibilita a avaliação do realce miocárdio tardio, pois promove uma diferença nítida de sinal entre os dois tecidos (preto/branco)(8) (Figura 3).


Figura 3. Avaliação do realce miocárdico tardio. Exame normal, músculo preto (A). Infarto do miocárdio, áreas brancas (B).



No que diz respeito à DAC, a presença e o padrão do realce miocárdico tardio pela RMC permite diagnosticar, em um paciente com disfunção ventricular, a presença de cardiomiopatia isquêmica ou não isquêmica(7). A avaliação da transmuralidade das regiões de necrose ou fibrose do miocárdio permite predizer, com excelente acurácia, a probabilidade de recuperação da função regional miocárdica após a revascularização, seja ela cirúrgica ou percutânea(21). Em função da sua excelente resolução espacial, a RMC é capaz de diagnosticar, além dos infartos transmurais, os pequenos infartos subendocárdicos(8). A RMC com técnica de cine permite o mesmo tipo de análise da contratilidade segmentar que a ecocardiografia. Entretanto, ao combinar essa informação com a avaliação detalhada do território enfartado proporcionada pela técnica do realce miocárdico tardio, a RMC permite determinar com precisão o que é tecido miocárdico atordoado e o que é necrose irreversível(8).

Contraindicações e limitações

A RMC possui algumas contraindicações relativas, dentre as quais se destacam a realização do exame em pacientes portadores de marca-passo, de desfibriladores implantados, de clipes cerebrais, de implantes cocleares e fragmentos metálicos nos olhos(8). Entre as limitações ao método, inclui-se o fato de que a angiografia coronária por RMC, empregando diversas técnicas de aquisição, revela valores moderados de sensibilidade (72-77%) e especificidade (71-87%) para a detecção de estenoses coronárias quando comparada à angiografia invasiva(22,23). A RMC possui resolução espacial modesta na detecção de estenoses coronarianas quando comparada à alta resolução espacial que a TCC oferece. Pode ser que no futuro a RMC das coronárias torne-se mais habitual, mas no presente momento, a angiotomografia computadorizada de coronárias é um método mais robusto, com maior sensibilidade e especificidade do que a RMC(23).

Inclui-se nas limitações ao método a fibrose nefrogênica sistêmica, doença que causa fibrose tecidual sistêmica e está associada ao uso do gadolínio em pacientes com insuficiência renal crônica em estádios 4 e 5 e em pacientes com síndrome hepatorrenal. Vale destacar que pacientes com função renal normal não merecem este alerta. A fisiopatogenia da fibrose nefrogênica sistêmica ainda não está esclarecida, mas sabe-se que existe uma associação entre o desenvolvimento da doença e o uso do gadolínio, que foi demonstrada pela detecção de gadolínio em biópsias teciduais de pacientes com fibrose nefrogênica sistêmica e pelo aparecimento da doença após um período de 2-12 semanas após o uso de gadolínio. A fibrose nefrogênica sistêmica se instala de forma rápida e progressiva, determinando o aparecimento de sintomas como fraqueza muscular, artralgia, enrijecimento da pele e contraturas, que em conjunto levam à imobilidade do paciente. O risco para desenvolver a doença aumenta a cada nova exposição ao gadolínio. Por isso, a Food and Drug Adminstration orienta o cálculo do clearance de creatinina dos pacientes antes da realização da RMC com gadolínio e a indicação deste exame, nos pacientes sob risco, apenas se estritamente necessário, realizando diálise em seguida, apesar de não haver comprovação científica de que a diálise previna o aparecimento da fibrose nefrogênica sistêmica(24).

Na prática clínica, todos os exames para pesquisa de isquemia são feitos por estresse farmacológico, o que configura uma limitação parcial para a avaliação não farmacológica, apesar de alguns estudos já terem demonstrado a capacidade de realização do estresse físico com a ressonância(25).

Tomografia computadorizada cardíaca

A TCC é um método que utiliza radiação ionizante e contrastes iodados e tem sua principal aplicação clínica centrada no diagnóstico da DAC(26). A TCC possui um alto valor preditivo negativo na detecção de DAC(9), e por isso pode atuar como método alternativo à cineangiocoronariografia para afastar DAC(27).

Escore de cálcio coronariano

A TCC detecta e quantifica a calcificação arterial coronária, um marcador da presença e extensão da doença aterosclerótica(8). A presença de cálcio nas artérias coronárias tem forte valor preditivo de eventos cardíacos futuros em pacientes assintomáticos(28-30), pois há uma probabilidade elevada de doença obstrutiva coronária com o aumento da quantidade de cálcio coronariano(30,31). A avaliação pelo ECC permite, então, identificar entre pacientes assintomáticos e os que estão sob risco de desenvolver a clínica da DAC ao longo do tempo(7). Na Conferência de Bethesda, concluiu-se que a TCC e a técnica de ECC consistem no método mais preciso, atualmente disponível, para a detecção precoce de aterosclerose coronariana(7).

Apesar da grande aplicabilidade do ECC, é importante ressaltar que, em algumas situações, lesões obstrutivas podem não conter cálcio e lesões calcificadas podem não ser obstrutivas(32). Esse processo é explicado pelo fenômeno de Glavov(23), que consiste na patência do volume normal do vaso, apesar de presente um processo aterosclerótico, o que se denomina remodelamento positivo. A avaliação do ECC (Figura 4) se adiciona de forma complementar às informações de estratificação de risco clínico, podendo alterar e acrescentar condutas clínicas, principalmente aos pacientes considerados como de risco intermediário pelos escores de Framingham(33,34) e pelo percentil do Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis(35).


Figura 4. Avaliação do escore de cálcio coronariano. Tronco da coronária esquerda, verde (A). Terço proximal da coronária descendente anterior, amarelo (B). Coronária direita, vermelho e coronária circunflexa, azul claro (C).



Angiotomografia computadorizada de coronárias

Além da avaliação do cálcio coronário, a TCC pode ser usada como um método não invasivo de angiografia coronariana, o que se denomina angiotomografia computadorizada de coronárias (ACC), que tem alta sensibilidade e especificidade para detecção de estenose coronariana. Sua indicação se faz principalmente para pacientes com risco intermediário de DAC e testes de isquemia duvidosos ou em pacientes com baixa probabilidade clínica de DAC, mas com teste de isquemia positivo(8). A ACC é realizada por meio de tomografia computadorizada por múltiplos detectores, preferencialmente 64 canais ou mais, em apenas uma apneia. O volume de contraste utilizado de rotina é entre 70 e 100 mL, que é considerado baixo, e portanto reduz problemas associados à nefrotoxicidade. A ACC é capaz de visualizar o volume do vaso e a sua parede, o que permite a avaliação não invasiva da presença e do tamanho de placas não calcificadas(7) (Figura 5). Na avaliação da reestenose intra-stent em geral, a acurácia diagnóstica da TCC é aceita como suficiente para uso clínico em um método não invasivo, dependendo do modelo utilizado(36,37) (Figura 6). O método ainda pode ser utilizado para avaliação da patência de enxertos cirúrgicos ou para diferenciação entre a cardiomiopatia isquêmica versus não isquêmica(8) (Figuras 7 e 8).


Figura 5. Avaliação da parede do vaso e composição das placas de ateroma com redução luminal por placa calcificada (A,B) e não calcificada (C,D).


Figura 6. Avaliação de hiperplasia neointimal com reestenose intra-stent. Eixo transveral (A) e eixo longitudinal (B).


Figura 7. Avaliação do enxerto da mamária interna esquerda para a coronária descendente anterior (DA). Observar o trajeto do enxerto no mediastino (A) e a anastomose do enxerto pérvio (asteriscos duplos) com a descendente anterior nativa (asterisco simples) (B).


Figura 8. Avaliação do enxerto de safena para a coronária direita. Observar o enxerto pérvio (asteriscos duplos) e a anastomose com a coronária direita (asterisco simples) (A). Reconstrução em 3D (B).



Contraindicações e limitações

A principal limitação da ACC ocorre na presença de calcificação densa nas artérias coronárias ou de uma malha de stent muito metálica. Em ambas as situações não será possível avaliar o grau de obstrução luminal. Outra limitação inclui a necessidade de uma frequência cardíaca baixa (< 70 bpm), o que exige o uso de betabloqueadores nos pacientes durante o exame. O emprego de nitrato sublingual, quando indicado, pode ser visto como um limitante, pois gera uma tendência de a ACC superestimar o grau de estenose coronariana(38,39), resultando, frequentemente, na necessidade de confirmação por um teste funcional miocárdico. A utilização de radiação também é considerada uma limitação do método(7), mas com o avanço tecnológico recente houve um decréscimo em sua dose. Além disso, os contrastes utilizados nos exames de ACC são à base de iodo e, diferentemente do gadolínio utilizado na RMC, possuem nefrotoxicidade. Entretanto, a nefrotoxicidade é usualmente autolimitada e as reações alérgicas graves ao iodo são raras. Medidas de prevenção da nefrotoxicidade podem ser adotadas, como uma boa hidratação do paciente antes do exame e o uso de acetilcisteína no dia anterior e após o exame, embora os estudos que avaliam essas medidas preventivas ainda sejam controversos(8).

Perspectivas futuras

A RMC, assim como a TCC, são métodos de diagnóstico por imagem que estão em constante desenvolvimento tecnológico.

Desenvolvimento tecnológico da RMC

A principal perspectiva futura em relação à RMC diz respeito ao aperfeiçoamento constante nas aquisições de imagens, o que permite compreensão mais detalhada da anatomia, da função e perfusão miocárdica, da caracterização tecidual e viabilidade cardíaca, além de se tornar uma importante ferramenta para o clínico e cardiologista(40). Isto, sem dúvida, irá reduzir o tempo de exame e manterá ou aprimorará o potencial diagnóstico do método.

Desenvolvimento tecnológico da TCC

A principal perspectiva da TCC envolve redução da dose de radiação que incide sobre o paciente, redução do tempo de realização do exame e, consequentemente, do tempo de apneia, redução do volume de contraste necessário para realização de imagens não invasivas das artérias coronárias e diminuição da dose de radiação. Outra perspectiva envolve a análise da perfusão miocárdica por meio dos tomógrafos de dupla fonte de raios X(41-43). A alta resolução, tanto espacial como temporal desse método, possibilita a aquisição de imagens com grande detalhamento anatômico, permitindo a avaliação da relação espacial entre estruturas adjacentes de forma não invasiva(26).

Anatomia versus isquemia / fluxo de reserva coronário

A análise da anatomia coronariana para predizer o estado fisiológico miocárdico sempre foi muito evidente nas quatro décadas passadas. Porém, atualmente, acredita-se que a análise anatômica isoladamente não é capaz de predizer o comportamento fisiológico de um único paciente, pois dessa forma não se considera a variabilidade biológica. Parâmetros anatômicos, como a porcentagem de estenose no diâmetro coronariano, não são uma ferramenta muito útil para compreensão do comportamento fisiológico em geral. A tendência, futuramente, é a adoção de parâmetros que possam predizer o estado fisiológico de maneira mais precisa e menos invasiva possível.

Esses parâmetros fisiológicos podem ser avaliados por exames de imagem não invasivos como a PET/TC ou por exames invasivos como a cineangiocoronariografia, e recentemente, de forma não invasiva, pela ACC. A PET/TC, em virtude da sua alta resolução espacial, é capaz de quantificar a perfusão miocárdica no repouso e no estresse e determinar o fluxo de reserva coronário. A cineangiocoronariografia permite determinar o fluxo fracionado de reserva, que é determinado pelo quociente entre a pressão distal a uma estenose e a pressão proximal. Ambos os parâmetros fisiológicos permitem predizer o grau de isquemia provocado pela DAC de maneira mais precisa, pois são melhores na avaliação de doenças coronarianas difusas, multissegmentares e com remodelamentos heterogêneos. Quando comparados entre si, o fluxo de reserva coronário é preciso em predizer isquemia e melhor na avaliação de doenças difusas, sendo uma tendência futura a análise desse parâmetro pela PET/TC. A mais importante aplicação clínica da PET/TC na perfusão miocárdica é a seleção de pacientes com aterosclerose, que terão maior benefício em realizar a revascularização miocárdica(44). O que também se tem estudado é o cálculo do fluxo fracionado de reserva por meio da ACC; embora ainda em fase de aperfeiçoamento, ele seria, teoricamente, ideal para o manejo dos pacientes com DAC, pois em um único exame permitiria a avaliação anatômica de uma determinada estenose e sua repercussão funcional, demonstrando se de fato ela estaria causando algum prejuízo ao miocárdio. Entretanto, dados de validação clínica e custo-efetividade ainda são limitados(45,46).

Outra abordagem em estudo é a perfusão miocárdica de estresse pela TC aliada à técnica da ACC. Esta técnica avalia a perfusão miocárdica sob estresse e a anatomia coronariana, fornecendo dados sobre uma possível isquemia e estenose coronariana, avaliando, assim, tanto a anatomia como a fisiologia miocárdica. Desde 1970 tenta-se aperfeiçoar esta técnica, mas só recentemente, com a evolução tecnológica da TCC, foi possível a avaliação miocárdica sob estresse. Estudos preliminares demonstraram uma melhora na precisão do diagnóstico quando utilizadas as duas técnicas em conjunto, em comparação com a ACC isoladamente. Entretanto, esta técnica ainda carece de mais estudos para se estabelecer protocolos de aquisição de imagem, dose do contraste e da radiação(47-50).


CONCLUSÃO

A RMC e a TCC estão validadas como ferramentas de alta sensibilidade e especificidade, com poucas contraindicações e mínimos riscos de efeitos adversos e devem ser utilizadas para auxílio do médico assistente no manejo de seus pacientes.


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1. Médicos Internos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil
2. Médico Residente de Ressonância Magnética e Radiologia de Urgência do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), Niterói, RJ, Brasil
3. Professor Adjunto e Vice-Chefe do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Marcelo Souto Nacif
Rua Barão de Cocais, 324, Bosque Imperial
São José dos Campos, SP, Brasil, 12242-042
E-mail: msnacif@gmail.com / www.msnacif.med.br

Recebido para publicação em 19/6/2014.
Aceito, após revisão, em 6/10/2014.

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. Apoio financeiro: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
 
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