Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2016

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 49 to 52



Angiotomografia multidetectores do tronco celíaco e sistema arterial hepático: anatomia normal e suas principais variantes

Autho(rs): Severino Aires Araujo Neto1; Carlos Fernando de Mello Júnior2; Henrique Almeida Franca3; Cláudia Martina Araújo Duarte3; Rafael Farias Borges3; Ana Guardiana Ximenes de Magalhães3

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Texto em Português English Text

Descritores: Anatomia; Tronco celíaco; Artéria hepática; Tomografia computadorizada multidetectores.

Keywords: Anatomy; Celiac trunk; Hepatic artery; Multidetector computed tomography.

Resumo:
Embora a angiografia digital permaneça como padrão ouro no estudo do tronco celíaco e sistema arterial hepático, o exame por tomografia multidetectores associada às ferramentas informáticas de reconstrução de imagens digitais tem representado uma alternativa útil, principalmente por serem métodos não invasivos. O conhecimento detalhado tanto da anatomia normal quanto das variações anatômicas ajuda na interpretação de exames radiológicos e na adequação do planejamento cirúrgico para cada paciente. Este texto ilustra uma série de variações anatômicas do tronco celíaco e sistema arterial hepático, por meio de imagens tomográficas com reconstruções digitais, correlacionando as prevalências populacionais e implicações cirúrgicas.

Abstract:
Although digital angiography remains as the gold standard for imaging the celiac arterial trunk and hepatic arteries, multidetector computed tomography in association with digital images processing by software resources represents a useful tool particularly attractive for its non invasiveness. Knowledge of normal anatomy as well as of its variations is helpful in images interpretation and to address surgical planning on a case-by-case basis. The present essay illustrates several types of anatomical variations of celiac trunk, hepatic artery and its main branches, by means of digitally reconstructed computed tomography images, correlating their prevalence in the population with surgical implications.

INTRODUÇÃO

Os avanços em técnicas cirúrgicas como videolaparoscopias no abdome superior, transplante hepático e gastrectomias, além de exames invasivos e não invasivos nessa região, requerem do profissional de saúde um conhecimento amplo da anatomia do tronco arterial celíaco (TAC), sistema arterial hepático (SAH) e suas principais variações(1-4).

A angiografia é o padrão ouro para a visualização do TAC e seus ramos(1). Contudo, com o advento da angiotomografia computadorizada multidetectores (angio-TC multidetectores) e programas de reconstrução de imagens modernos, este método de imagem torna-se mais uma opção para o estudo detalhado dessas artérias e tem como importante vantagem o aspecto não invasivo(5). A angio-TC multidetectores permite a visualização de artérias de pequeno calibre e comprimento por meio das técnicas de projeção de intensidade máxima (MIP) e tridimensionais volume rendering (VTR).

O objetivo deste ensaio é descrever a anatomia normal e as variações comumente encontradas do TAC e SAH.

As imagens utilizadas neste trabalho foram retiradas do arquivo pessoal dos autores, obtidas em um equipamento de tomografia multidetectores de 64 canais, modelo Brilliance (Philips Medical System; Best, Holanda).

O protocolo do exame, com pequenas variações esporádicas, consistia em cortes axiais de 1 mm, com pitch de 0,8. O contraste injetado foi o Ultravist (Bayer), na concentração de 769 mg/mL, injetado por via intravenosa por meio de bomba injetora, em fluxo de 5 mL/s, com tempo de retardo em bolus tracking. O field-of-view utilizado foi 250 mm, padrão. A espessura de reconstrução das imagens foi 2 mm. A workstation utilizada foi a Extended Brilliance Work Space com o software Philips Brilliance para tomografia (Philips Medical Systems; Best, Holanda).

Para definir o padrão arterial, foram feitas análises no plano axial, técnicas de reconstruções no plano coronal e sagital em reconstruções multiplanares (MPR), assim como reconstruções tridimensionais em MIP e VTR. Foram demonstrados o padrão normal e as principais variações do TAC e SAH.


O TRONCO ARTERIAL CELÍACO E O SISTEMA ARTERIAL HEPÁTICO: ANATOMIA NORMAL E SUAS VARIAÇÕES

Variações do TAC não são infrequentes(1). Song et al. estudaram 5.002 casos de TAC e relataram que as variações deste ocorreram em 10,9% dos casos(5). Contudo, quando consideradas variações concomitantes do TAC e SAH, essas variações são reportadas em mais do que 55% dos pacientes(3).

O tronco celíaco normal (89,1% dos casos(5)) é descrito como a trifurcação dando origem a artéria gástrica esquerda, artéria esplênica e artéria hepática comum(3,5) (Figura 1). A artéria gástrica esquerda, normalmente, é o primeiro ramo do TAC e corre cranialmente para a curvatura menor do estômago, onde sofrerá anastomose com a artéria gástrica direita; a artéria esplênica é o ramo de maior calibre do tronco e corre tortuosamente em direção ao baço; a artéria hepática comum corre para a direita, onde se divide em artéria gastroduodenal inferiormente e artéria hepática própria superiormente(2,4).


Figura 1. Tomografia computadorizada contrastada em corte axial mostrando um TAC normal. O TAC representa o trinômio arterial composto pela artéria gástrica esquerda, artéria hepática comum e artéria esplênica, indicadas pelas setas.



As variações mais comuns do TAC são: o tronco hepatoesplênico, representando cerca de 3% dos casos, em que a artéria hepática comum e a artéria esplênica saem de um mesmo tronco e a artéria gástrica esquerda localiza-se acima desse tronco, na aorta, ou em outra artéria do abdome superior (Figuras 2 e 3)(6); o tronco esplenogástrico (4%), em que a artéria gástrica esquerda origina-se da artéria esplênica, formando um tronco comum (Figura 4); o tronco hepatogástrico (1%), tendo a artéria gástrica esquerda e a artéria hepática comum origens no mesmo tronco (Figura 5). A ausência de TAC é raramente descrita na literatura (0,1%)(5).


Figura 2. Tomografia computadorizada com reconstrução em VTR em corte coronal demonstrando um tronco hepatoesplênico. A seta mostra a artéria gástrica esquerda emergindo da aorta, acima do tronco hepatoesplênico.


Figura 3. Tomografia computadorizada contrastada em corte axial mostrando um caso de tronco hepatoesplênico com relocalização da artéria gástrica esquerda; neste caso ela emerge da artéria hepática esquerda.


Figura 4. Tomografia computadorizada com contraste em corte axial mostrando um tronco esplenogástrico (composto pela artéria esplênica e artéria gástrica esquerda – seta). A artéria hepática comum é ramo da aorta neste caso.


Figura 5. Tomografia computadorizada contrastada em corte sagital. A: A figura mostra um caso de tronco hepatogástrico. As setas apontam para as artérias componentes desse tronco (artéria hepática comum e artéria gástrica esquerda). B: A figura mostra que a artéria esplênica, neste caso, emerge de um tronco comum com a artéria mesentérica superior.



Em relação ao SAH, este é descrito como normal quando a artéria hepática comum dá origem à artéria hepática própria, após emergência da artéria gastroduodenal; a artéria hepática própria, por sua vez, divide-se nas artérias hepáticas direita e esquerda dentro do ligamento hepatoduodenal a poucos centímetros da superfície hepática.

Segundo os estudos de Koops et al., as frequências em que ocorre o padrão normal do SAH, de acordo com a classificação de Hiatt (Tabela 1), pertencem ao intervalo de 59-79,1% (tipo I) (Figura 6). Entre as variações mais descritas, as frequências encontradas foram: 3-17%, relocalização da artéria hepática esquerda (tipo II); 7-18%, relocalização da artéria hepática direita (tipo III) (Figura 7); e 1,5-5%, artéria hepática comum originando-se da artéria mesentérica superior (tipo V). Além disso, é possível encontrar, segundo Hiatt, variações não classificadas com uma frequência de 1-4,1%(7).




Figura 6. Tomografia computadorizada contrastada em corte axial. A imagem apresenta um caso de padrão normal do SAH, com a artéria hepática própria vinda da artéria hepática comum, após a emergência da artéria gastroduodenal, e artérias hepáticas direita e esquerda surgindo a partir da artéria hepática própria (tipo I de Hiatt).


Figura 7. A imagem apresenta um caso de relocalização da artéria hepática direita, de maneira que ela emerge da artéria mesentérica superior (tipo III de Hiatt). Tomografia computadorizada contrastada em corte axial (A) e com reconstrução em VTR (B) mostrando a relocalização da artéria hepática direita.



O tipo III de Hiatt, normalmente, é o mais prevalente e possui grande importância para os procedimentos hepáticos, pois, ao sair da artéria mesentérica superior, a artéria hepáticas direita localiza-se posteriormente à veia porta, o que pode confundir o cirurgião, já que, no padrão normal (tipo I) essa artéria se situa anteriormente à veia porta dentro do ligamento hepatoduodenal. Assim, umas das motivações para entender as variações é evitar iatrogenias(8).

No tipo II de Hiatt - relocalização da artéria hepática esquerda -, procedimentos como gastrectomias devem ser feitos com cautela, tendo em vista que na maioria desses casos a artéria hepática esquerda emerge da artéria gástrica esquerda; assim, com a secção da artéria gástrica esquerda, pode haver uma possível isquemia de todo o lobo hepático esquerdo funcional.

Entender o padrão de variação das artérias hepáticas torna-se imprescindível para o desenvolvimento do transplante hepático(9).

Com o advento de cirurgias laparoscópicas e a diminuição da visão do campo cirúrgico, torna-se necessário entender o padrão de variação do abdome superior(10). Os padrões arteriais são importantes no planejamento de todo procedimento cirúrgico e radiológico no abdome superior(5).

Tendo em vista a importância dessas variações, sugere-se que os radiologistas possam verificar o padrão arterial e informá-lo nos laudos de cirurgias ou exames invasivos do abdome superior.


CONCLUSÃO

Como a vascularização de grande parte do sistema gastrintestinal é feita a partir de ramos do TAC e SAH, o conhecimento das variações anatômicas e da frequência com que ocorrem estas variações são de grande importância no planejamento de cirurgias no abdome superior, evitando erros em procedimentos e iatrogenias médicas.


REFERÊNCIAS

1. Iezzi R, Cotroneo AR, Giancristofaro D, et al. Multidetector-row CT angiographic imaging of the celiac trunk: anatomy and normal variants. Surg Radiol Anat. 2008;30:303-10.

2. Özbülbül NI. CT angiography of the celiac trunk: anatomy, variants and pathologic findings. Diagn Interv Radiol. 2011;17:150-7.

3. Ugurel MS, Battal B, Bozlar U, et al. Anatomical variations of hepatic arterial system, coeliac trunk and renal arteries: an analysis with multidetector CT angiography. Br J Radiol. 2010;83:661-7.

4. Wang MJ, Cheng Z, Wang R, et al. Unusual course of the common hepatic artery originating from the celiac trunk. Surg Radiol Anat. 2010;32:883-5.

5. Song SY, Chung JW, Yin YH, et al. Celiac axis and common hepatic artery variations in 5002 patients: systematic analysis with spiral CT and DSA. Radiology. 2010;255:278-88.

6. Prakash, Rajini T, Mokhasi V, et al. Coeliac trunk and its branches: anatomical variations and clinical implications. Singap Med J. 2012;53:329-31.

7. Koops A, Wojciechowski B, Broering DC, et al. Anatomic variations of the hepatic arteries in 604 selective celiac and superior mesenteric angiographies. Surg Radiol Anat. 2004;26:239-44.

8. Hiatt J, Gabbay J, Busuttil R. Surgical anatomy of the hepatic arteries in 1000 cases. Ann Surg. 1994;220:50-2.

9. Todo S, Makowaka L, Tzakis AG, et al. Hepatic artery in liver transplatation. Transplant Proc. 1987;19(1 Pt 3):2406-11.

10. Scott-Conner CE, Hall TJ. Variant arterial anatomy in laparoscopic cholecystectomy. Am J Surg. 1992;163:590-2.










1. Doutor, Professor Adjunto II de Radiologia Médica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil
2. Doutor, Professor Adjunto IV de Radiologia Médica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil
3. Graduandos em Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Severino Aires Araujo Neto
Avenida Sapé, 1780, ap. 2201, Bairro Manaíra
João Pessoa, PB, Brasil, 58038-382
E-mail: severinoaires@hotmail.com

Recebido para publicação em 12/05/2014
Aceito, após revisão, em 06/11/2014

Trabalho realizado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil.
 
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