Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2016

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 58 to 59



Síndrome encefálica reversível posterior em paciente com síndrome de Miller-Fisher pós-tratamento com imunoglobulina

Autho(rs): Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro1; Tiago Medina Salata2; Rafael Silveira Borges2; Edson Marchiori3

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Sr. Editor,

Mulher, 54 anos, apresentando oftalmoparesia, ataxia e arreflexia há uma semana. Negava febre, fraqueza muscular e não relatava comorbidades prévias. Ao exame físico estava orientada, normotensa, com reflexo cutaneoplantar em flexão bilateralmente, com preservação da sensibilidade superficial e profunda. Sorologias para vírus da imunodeficiência humana, vírus Epstein-Barr, citomegalovírus e HTLV-1, assim como VDRL, foram negativas. Considerando tais achados, a hipótese de síndrome de Miller-Fisher foi aventada, sendo realizada punção liquórica, que demonstrou hiperproteinorraquia, confirmando o diagnóstico.

Iniciado tratamento com imunoglobulina, a paciente evoluiu, entre 24-48 horas após a administração, com cefaleia intensa, seguida de crises convulsivas e posteriormente rebaixamento do nível de consciência, sem associação com picos hipertensivos. Ressonância magnética (RM) (Figuras 1A, 1B e 1C) demonstrou áreas hiperintensas em T2 e FLAIR esparsas na substância branca bilateral, predominantemente nas regiões parieto-occipitais, sem restrição à difusão e sem realce pelo gadolínio, configurando padrão de imagem sugestivo de síndrome encefálica reversível posterior (SERP). Após suspensão do tratamento e adoção de medidas de suporte, a paciente evoluiu satisfatoriamente, sem sequelas, com reversão dos achados da RM (Figura 1D).


Figura 1. A: Imagem axial, sequência FLAIR, demonstrando hiperintensidades na substância branca bilateral dos lobos occipitais, de aspecto simétrico (setas). B: Imagem axial, sequência funcional em difusão, não demonstrando alterações (setas). C: Imagem axial, sequência T1 pós-contraste, revelando ausência de áreas de realce pelo gadolínio (setas). D: Imagem axial, sequência FLAIR, obtida após quatro semanas, demonstrando resolução das alterações da substância branca dos lobos occipitais (setas).



A literatura radiológica brasileira vem, recentemente, ressaltando a importância dos exames de RM no aprimoramento do diagnóstico do sistema nervoso central(1-5).

A SERP é uma entidade clínica radiológica, de etiologia variada, que geralmente ocorre no contexto de hipertensão arterial grave. Contudo, em alguns casos, pode estar associada a terapia imunossupressora, sendo raramente descrita na literatura após uso de imunoglobulina(6-12). A fisiopatogênese caracteriza-se por lesão endotelial e disfunção nos mecanismos de autorregulação cerebral, levando a hipoperfusão e edema vasogênico(7-12). As manifestações clínicas apresentam início agudo/subagudo, caracterizadas por cefaleia, rebaixamento do nível de consciência, alterações visuais, convulsões e sinais neurológicos focais. Os sintomas são progressivos. A síndrome regride completamente se tratada adequadamente; sem tratamento, danos irreversíveis podem ocorrer(6-11).

Os achados na RM são bastante sugestivos, caracterizados por áreas hiperintensas em T2 e FLAIR acometendo a substância branca, comumente bilateral e simétrica, com predileção pela região parieto-occipital, havendo reversão dos achados caso seja efetuado tratamento adequado. Podem ainda ser afetados os lobos frontais, as cápsulas interna e externa, o cerebelo e o tronco encefálico(7-9). A difusão não demonstra anormalidades no estágio inicial, porém, havendo manejo inadequado, danos irreversíveis podem surgir, apresentando-se sob a forma de restrição à difusão e configurando edema citotóxico.

Estudos recentemente publicados demonstraram, por análise retrospectiva, utilizando imagens de RM e dados laboratoriais, a associação da SERP com níveis séricos de albumina. Evidenciouse que pacientes com redução significativa dos níveis séricos de albumina apresentam risco maior de desenvolver edema do tipo vasogênico(12). Isto se deve ao fato de que, em condições com dano endotelial causado por processos inflamatórios, a redução da pressão coloidosmótica, diretamente relacionada ao nível de albumina, pode facilitar o desenvolvimento de edema vasogênico. Dessa maneira, a administração de albumina sérica humana precocemente pode prevenir danos isquêmicos e reduzir sequelas(12).

Concluindo, a SERP, apesar de rara após a administração de imunoglobulina, deve ser considerada quando achados clínicos e de RM típicos são encontrados, não devendo ser esperados episódios hipertensivos para cogitar tal possibilidade diagnóstica.


REFERÊNCIAS

1. Bimbato EM, Carvalho AG, Reis F. Toxic and metabolic encephalopathies: iconographic essay. Radiol Bras. 2015;48:121-5.

2. Castro FD, Reis F, Guerra JGG. Intraventricular mass lesions at magnetic resonance imaging: iconographic essay - part 1. Radiol Bras. 2014;47:176-81.

3. Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342-9.

4. Alfenas R, Niemeyer B, Bahia PRV, et al. Parry-Romberg syndrome: findings in advanced magnetic resonance imaging sequences - case report. Radiol Bras. 2014;47:186-8.

5. Barbosa JHO, Santos AC, Salmon CEG. Susceptibility weighted imaging: differentiating between calcification and hemosiderin. Radiol Bras. 2015;48:93-100.

6. Stetefeld HR, Lehmann HC, Fink GR, et al. Posterior reversible encephalopathy syndrome and stroke after intravenous immunoglobulin treatment in Miller-Fisher syndrome/Bickerstaff brain stem encephalitis overlap syndrome. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2014;23:e423-5.

7. McKinney AM, Short J, Truwit CL, et al. Posterior reversible encephalopathy syndrome: incidence of atypical regions of involvement and imaging findings. AJR Am J Roentgenol. 2007;189:904-12.

8. Pereira PR, Pinho J, Rodrigues M, et al. Clinical, imagiological and etiological spectrum of posterior reversible encephalopathy syndrome. Arq Neuropsiquiatr. 2015;73:36-40.

9. Bartysnki WS, Boardman JF. Distinct imaging patterns and lesion distribution in posterior reversible encephalopathy syndrome. AJNR Am J Neuroradiol. 2007;28:1320-7.

10. Bartynski WS. Posterior reversible encephalopathy syndrome, part 1: fundamental imaging and clinical features. AJNR Am J Neuroradiol. 2008;29:1036-42.

11. Wada A, Yoshida R, Oda K, et al. Acute encephalopathy associated with intravenous immunoglobulin therapy. AJNR Am J Neuroradiol. 2005;26:2311-5.

12. Pirker A, Kramer L, Voller B, et al. Type of edema in posterior reversible encephalopathy syndrome depends on serum albumin levels: an MR imaging study in 28 patients. AJNR Am J Neuroradiol. 2011;32:527-31.










1. Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Hospital Casa de Portugal / 3D Diagnóstico por Imagem, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Bruno Niemeyer de Freitas Ribeiro
Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer – Serviço de Radiologia
Rua do Rezende, 156, Centro
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20231-092
E-mail: bruno.niemeyer@hotmail.com
 
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