Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 49 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2016

CARTA AO EDITOR
Print 

Page(s) 62 to 63



Metaplasia óssea endometrial: aspecto ultrassonográfico, radiológico e histopatológico

Autho(rs): Luiz Felipe Alves Guerra; Laís Bastos Pessanha; Gabriel Antonio de Oliveira; Adriana Maria Fonseca de Melo; Flavia Silva Braga; Rodrigo Stênio Moll de Souza

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Sr. Editor,

Paciente feminina, 31 anos, abortamento espontâneo com curetagem uterina há oito anos, em investigação para infertilidade secundária, aumento do fluxo menstrual e dor pélvica.

Ultrassonografia (US) endovaginal (Figuras 1A e 1B) mostrou imagem endometrial hiperecogênica, em formato de placa, com sombra acústica posterior, medindo 2,7 × 2,6 cm, de aspecto inespecífico. Foi realizada radiografia pélvica (Figura 1C), que identificou foco de calcificação em sítio endometrial.


Figura 1. A,B: Ultrassonografia transvaginal demonstrando imagem hiperecogênica, com sombra acústica posterior no endométrio, compatível com calcificação. C: Radiografia da bacia, em incidência oblíqua, mostrando imagem com densidade cálcica, correspondendo à encontrada na ultrassonografia, fortalecendo a hipótese aventada.



Com base nos achados de imagem e na história clínica, o diagnóstico presuntivo foi metaplasia óssea endometrial, confirmada com estudo histopatológico, que revelou placa de tecido ósseo trabecular, circundada por tecido fibroso e endométrio proliferativo (Figura 2). Não havia cartilagem, medula óssea, inflamação crônica ou tecido trofoblástico.


Figura 2. Fotomicrografia em pequeno e médio aumentos mostrando trabéculas ósseas de permeio ao tecido endometrial. Notar glândulas endometriais no canto inferior direito. Coloração hematoxilina-eosina.



Metaplasia óssea endometrial é a presença de tecido semelhante a osso dentro da cavidade uterina. Entidade rara, acomete apenas 0,15% das pacientes encaminhadas para clínicas de histeroscopia(1,2). Sua patogênese permanece controversa. Os dois mecanismos mais aceitos envolvem ou a presença de endometrite crônica, com células mesenquimais indiferenciadas, induzindo a transformação do estroma endometrial em osteoblastos, ou a presença de abortamento, com ossificação distrófica do tecido ovular residual(3). Reforçando essas hipóteses, cabe ressaltar que mais de 80% dos casos ocorrem após gestações que evoluíram com abortamento, principalmente se seguidas de infecção(4). Os sintomas incluem dor pélvica e alterações no fluxo menstrual, no entanto, a principal consequência da presença de tecido ósseo na cavidade uterina é a infertilidade(5). A associação entre metaplasia óssea e infertilidade ocorre porque o tecido ósseo age semelhantemente a um dispositivo intrauterino (DIU)(6,7).

O principal achado da metaplasia óssea endometrial no exame ultrassonográfico é a presença de placa endometrial fortemente ecogênica com sombra acústica posterior, assumindo como principal diagnóstico diferencial a presença de DIU. Outros diagnósticos possíveis são: corpos estranhos, síndrome de Asherman, fibrose submucosa calcificada e tumor mülleriano(2,5,6). No entanto, a suspeita de ossificação endometrial metaplásica deve ser considerada pelo ultrassonografista quando placas endometriais fortemente ecogênicas forem detectadas em pacientes com relatos de abortamentos e endometrite crônica.

No caso aqui relatado a correlação da US endovaginal com radiografia pélvica permitiu o diagnóstico de calcificação endometrial. O antecedente de abortamento com curetagem corroborou a hipótese de a calcificação corresponder a metaplasia óssea induzida por endometrite crônica, que posteriormente foi confirmada por estudo histopatológico dos fragmentos ósseos retirados por histeroscopia.

A US endovaginal é o melhor método de imagem para esta condição, uma vez que a histerossalpingografia e a ressonância magnética podem não demonstrar os achados. Diante do caso, o examinador deve descrever a localização e as dimensões da placa ecogênica, afastar a presença de DIU e reforçar a história de abortamentos com endometrite crônica, corroborando a hipótese de ossificação endometrial metaplásica. Tais informações são importantes para o histeroscopista que fará a ressecção da placa óssea, com posterior análise histopatológica.

O tratamento da metaplasia óssea endometrial deve ser realizado mediante retirada histeroscópica dos fragmentos ósseos, que serão submetidos à avaliação histopatológica, ou como segunda linha pela curetagem uterina(8). No presente caso, a primeira opção foi realizada, restaurando-se a fertilidade e reduzindo o fluxo menstrual da paciente.


REFERÊNCIAS

1. Parente RCM, Freitas V, Moura Neto RS, et al. Metaplasia óssea endometrial: quadro clínico e seguimento após tratamento. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32:33-8.

2. Shalev J, Meizner I, Bar-Hava I, et al. Predictive value of transvaginal sonography performed before routine diagnostic hysteroscopy for evaluation of infertility. Fertil Steril. 2000;73:412-7.

3. Shroff CP, Kudterkar NG, Badhwar VR. Endometrial ossification - report of three cases with literature review. Indian J Pathol Microbiol. 1985;28:71-4.

4. Pinto AP, Guedes GB, Tuon FFB. Metaplasia óssea do endométrio: relato de caso. J Bras Patol Med Lab. 2005;41:287-9.

5. Umashankar T, Patted S, Handigund R. Endometrial osseous metaplasia: clinicopathological study of a case and literature review. J Hum Reprod Sci. 2010;3:102-4.

6. Basu M, Mammen C, Owen E. Bony fragments in the uterus: an association with secondary subfertility. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;22:402–6.

7. Onderoglu LS, Yarali H, Gultekin M, et al. Endometrial osseous metaplasia; an evolving cause of secondary infertility. Fertil Steril. 2008;90:2013.e9–11.

8. Cayuela E, Perez-Medina T, Vilanova J, et al. True osseous metaplasia of the endometrium: the bone is not from a fetus. Fertil Steril. 2009;91:1293.e1–4.










Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Luiz Felipe Alves Guerra
Avenida Marechal Campos, 1468, Maruípe
Vitória, ES, Brasil, 29043-900
E-mail: l.felipeguerra@hotmail.com
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554