Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2015

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 391 to 395



Pneumonia por aspiração na infância: ensaio iconográfico

Autho(rs): Gabriel Antonio de Oliveira1; Laís Bastos Pessanha2; Luiz Felipe Alves Guerra2; Diego Lima Nava Martins2; Ronaldo Garcia Rondina2; Jamine Ronacher Passos Silva3

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Texto em Português English Text

Descritores: Pneumonia; Aspiração; Infância.

Keywords: Pneumonia; Aspiration; Childhood.

Resumo:
A maioria das pneumonias por aspiração na infância é específica deste grupo etário. Para diagnosticá-las é essencial a correlação clinicorradiológica. O objetivo deste ensaio é mostrar imagens típicas das causas mais frequentes.

Abstract:
In most cases of aspiration pneumonia in children, the disease is specific to this age group. Clinical and radiological correlation is essential for the diagnosis. The present pictorial essay is aimed at showing typical images of the most common etiologies.

INTRODUÇÃO

A literatura radiológica brasileira vem recentemente se preocupando muito com a importância dos exames de imagem no aprimoramento do diagnóstico em pediatria(1-11). Pneumonias aspirativas decorrem da passagem de conteúdo da orofaringe, do esôfago ou do estômago para o trato respiratório inferior(12). O comprometimento pulmonar resultante depende da natureza e da quantidade do material aspirado(12). No grupo pediátrico as aspirações mais frequentes decorrem de incoordenação da deglutição, malformações congênitas e refluxo gastroesofágico; pneumonias lipoides são mais raras e sempre iatrogênicas(13-17). Radiografias do tórax, eventualmente complementadas por tomografias e seriografias esofagogastroduodenais (SEGD) quase sempre são suficientes para o diagnóstico(13,18).


DISCUSSÃO

A função de conduzir alimentos da boca ao estômago envolve a integração de vários músculos inervados pelos IX, X, XI e XII pares cranianos(12,19). Por imaturidade, lesões do sistema nervoso central ou por ação de drogas esse mecanismo pode ser perturbado, desviando parte do alimento para as vias aéreas (Figuras 1, 2 e 3). Nestas situações, os achados radiológicos são semelhantes aos observados em adultos(13).


Figura 1. Recém-nascido com encefalopatia por anoxia perinatal apresentando sintomas respiratórios. A: Radiografia do tórax em anteroposterior mostrando opacidade no terço superior do pulmão direito, limitada pela cissura horizontal, caracterizando comprometimento do lobo superior direito. B: Deglutograma demonstrando passagem de contraste para a nasofaringe (setas), caracterizando incoordenação motora.


Figura 2. Menino de três meses de idade com sequelas neurológicas de toxoplasmose congênita. Aspiração inadvertida de contraste para a árvore brônquica durante SEGD, decorrente de deglutição incoordenada. Radiografia de tórax mostrando opacidades paracardíacas, traduzindo broncopneumonia aspirativa.


Figura 3. Menino de 18 meses de idade, previamente hígido, afebril, apresentou vômitos na recuperação de anestesia para sutura de ferida palpebral, evoluindo para insuficiência respiratória que requereu assistência ventilatória. Radiografia de tórax, incidência anteroposterior, demonstrando opacidades no lobo superior direito e no segmento superior do lobo inferior esquerdo, localizações usuais em aspirações que ocorrem em decúbito dorsal.



Qualquer estase resultante da redução da luz esofágica pode resultar em aspiração(18-20). Isto usualmente não ocorre nas acalasias e estenoses adquiridas, pois as crianças costumam se adaptar a tais condições. Atresias esofágicas usualmente são detectadas e corrigidas cirurgicamente antes que provoquem aspiração significativa(18,19). Dentre as compressões por vasos anômalos, a provocada pelo duplo arco aórtico é a que mais frequentemente causa sintomas(13,21) (Figura 4). O diagnóstico da fístula esofagotraqueal, dita "em H", pode ser tardio, pois sua demonstração no exame contrastado nem sempre é fácil(13,18) (Figura 5).


Figura 4. Menino de sete meses de idade com pneumonias repetidas. Radiografia de tórax, incidência anteroposterior, com contraste esofágico. Observa-se opacidade no lobo superior direito, compatível com pneumonia. Redução concêntrica da luz do terço proximal do esôfago, com dilatação a montante. Estes aspectos são fortemente sugestivos de compressão extrínseca por duplo arco aórtico. Houve desaparecimento do quadro respiratório e da compressão esofágica após correção cirúrgica.


Figura 5. Menino de seis anos de idade com pneumonias repetidas. A: Radiografia de tórax em incidência anteroposterior mostrando tênues opacidades difusas em ambos os pulmões, confluentes no lobo médio; o desvio caudal da cissura horizontal (setas) caracteriza componente atelectásico. B: Esofagografia demonstrando fistula "em H" para a traqueia (seta). C: Tomografia computadorizada de alta resolução, corte axial ao nível da fístula, caracterizada pelo ponto escuro (seta) entre o esôfago (com ar) e a traqueia. Opacidades centrolobulares, algumas ramificadas, indicando comprometimento das pequenas vias aéreas.



No largo espectro da doença do refluxo gastroesofágico sobressaem manifestações respiratórias(18-21). Mais do que evidenciar a presença de refluxo - de diagnóstico essencialmente clínico -, a importância da SEGD reside em demonstrar a anatomia, normal ou patológica(19-21). Na ausência de alterações anatômicas, o refluxo é dito primário, resultando de imaturidade, usualmente transitória, da zona de alta pressão do esôfago distal(19,20) (Figura 6). Quando refluxos são secundários a obstruções parciais ou totais - usualmente estenose hipertrófica do piloro ou malformações na segunda porção do arco duodenal (Figura 7) -, estão indicadas intervenções cirúrgicas(13,19,20).


Figura 6. Menina de um ano e oito meses de idade, com febre e tosse. A: Radiografia de tórax em anteroposterior revelando opacidades difusas, bilaterais, mal definidas, coalescentes no lobo médio, que condicionam apagamento parcial da silhueta cardíaca. B: Tomografia computadorizada, corte axial, identificando consolidações bilaterais, predominantemente centrais, com broncogramas aéreos. C: SEGD demonstrando refluxo. Não tendo havido melhora clínica e radiológica com antibióticos, foi indicada biópsia pulmonar, que mostrou granulomas de corpo estranho e fibras vegetais, presumivelmente provenientes do refluxo gastroesofágico. Após tratamento adequado, houve cura clínica e radiológica.


Figura 7. Recém-nascido com síndrome de Down e sintomas respiratórios. A: Radiografia de tórax em anteroposterior mostrando pulmão esquerdo com volume e transparência reduzidos. O apagamento da borda cardíaca esquerda indica atelectasia do lobo superior. B: SEGD. O trânsito do delgado mostra obstrução parcial ao nível da segunda porção duodenal, com aspecto sugestivo de diafragma duodenal (windsock sign). C: Refluxo gastroesofágico secundário.



As pneumonias lipoides não estão relacionadas a anomalias anatômicas ou funcionais(13,15). A aspiração se dá pelo uso de óleo mineral no tratamento de constipação intestinal (Figura 8) ou, como coadjuvante, na suboclusão por Ascaris lumbricoides(4). O óleo inibe o reflexo da tosse e o movimento ciliar, possibilitando uma progressão silenciosa até os alvéolos. Estas pneumonias têm evolução arrastada, pela dificuldade de remoção do óleo dos pulmões(14,15).


Figura 8. Radiografia de tórax, incidência anteroposterior, num menino de três anos de idade em tratamento de constipação com óleo mineral, com diagnóstico de broncopneumonia refratária a antibióticos. Opacidades em ambos os pulmões, coalescentes, com distribuição dita em "asas de borboleta". No contexto clínico, este aspecto permite o diagnóstico de pneumonia lipoide, dispensando biópsia.



ACHADOS DE IMAGEM

Pneumonias aspirativas são processos alveolares(12,20,21). A literatura relata serem os segmentos posteriores dos lobos superiores e os superiores dos lobos inferiores os mais comprometidos(12,13,18). Isto acontece quando as aspirações ocorrem em decúbito dorsal, como na maioria dos refluxos gastroesofágicos e vômitos(12,13). Em outras situações, como a fístula traqueoesofágica e na incoordenação motora, outros segmentos pulmonares podem ser comprometidos(19,20,21) (Figuras 2 e 5). Quase sempre radiografias de tórax e SEGD bastam para confirmar a suspeita clínica; eventualmente, a tomografia computadorizada de alta resolução é útil(13). Aspirações podem resultar em atelectasias ou pneumonias, estas com ou sem componente atelectásico(13). A ausência de febre sugere atelectasia pura(22) (Figuras 3 e 9).


Figura 9. Menino com seis anos de idade, tido como "asmático", apresentou dispneia e dor torácica súbita. A: Radiografia de tórax em incidência anteroposterior mostrando hemitórax esquerdo com transparência e tamanho reduzidos, herniação do pulmão direito e desvio do mediastino para a esquerda, caracterizando atelectasia do pulmão esquerdo. B: SEGD demonstrando refluxo. Com o tratamento antirrefluxo, após quatro dias houve desaparecimento dos sintomas e normalização na radiografia de tórax. C: Radiografia de tórax em incidência anteroposterior normal, após tratamento da doença do refluxo gastroesofágico.



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1. Médico Radiologista do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória, ES, Brasil
2. Médicos Residentes de Radiologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil
3. Médica Residente de Neonatologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Laís Bastos Pessanha
Departamento de Clínica Médica/CCS/UFES
Avenida Marechal Campos, 1468, Nazareth
Vitória, ES, Brasil, 29043-900
E-mail: laispessanha@hotmail.com

Recebido para publicação em 5/2/2014.
Aceito, após revisão, em 3/9/2014.

Trabalho realizado no Setor de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.
 
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