ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Marcello H. Nogueira-Barbosa1; Everaldo Gregio-Junior2; Mario Muller Lorenzato3 |
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Descritores: Ultrassonografia; Tomografia computadorizada; Tendinopatia calcificada; Manguito rotador; Ombro. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A tendinopatia calcificada está associada com a deposição de hidroxiapatita em tendões, mas a origem desta doença de depósito microcristalina permanece obscura. Calcificações do manguito rotador ocorrem em aproximadamente 2,5% a 7,5% dos ombros de adultos saudáveis(1). As calcificações de tendões são mais comumente diagnosticadas por meio de radiografias, mas a ultrassonografia também é uma técnica confiável na detecção e localização de calcificações do manguito rotador(2,3). A ultrassonografia também é útil para identificar se a calcificação do tendão encontra-se no estado sólido ou pastoso(2,3). A tendinopatia calcificada é uma condição autolimitada e pode ocorrer a reabsorção espontânea dos depósitos calcificados(4). A tendinopatia calcificada sabidamente pode causar reabsorção focal do osso cortical adjacente e pode haver migração intraóssea de material cálcico(5-9), mas encontramos pouca informação disponível na literatura sobre a possível utilidade da ultrassonografia para detectar estas alterações ósseas associadas a tendinopatia calcificada(10,11). O objetivo deste estudo é descrever os achados da ultrassonografia no envolvimento ósseo secundário a tendinopatia calcificada do manguito rotador. MATERIAIS E MÉTODOS Estudo retrospectivo de uma série de casos aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da instituição. O consentimento informado foi dispensado, em razão da natureza retrospectiva do estudo. Foi realizada pesquisa no banco de dados do sistema informatizado da radiologia em um período de quatro anos, procurando os termos "tendinopatia", "tendinite", "calcificada", "hidroxiapatita" e "cristais" nos relatórios de ultrassonografia, para identificar casos de tendinopatia calcificada. A ultrassonografia foi realizada como parte da investigação de rotina de dor no ombro em pacientes em nosso hospital universitário. Exames ultrassonográficos foram realizados com equipamento HD 11 (Philips Medical Systems; Bothell, WA, EUA), utilizando transdutor de 3-12 MHz, ou com equipamento Logiq-E (GE Medical Systems; Jiangsu, China) usando transdutor de 5-13 MHz. No protocolo de documentação de imagens da instituição são adquiridas de rotina imagens dos tendões subescapular, supraespinal e infraespinal nos eixos longitudinal e transversal destes tendões, respectivamente. O tendão da cabeça longa do bíceps é documentado de rotina nos eixos longitudinal e transversal nas regiões do intervalo rotador e do sulco intertubercular. Quando alguma anormalidade focal de algum tendão é identificada, ela é documentada em pelo menos dois planos ortogonais. Cortes ultrassonográficos da articulação acromioclavicular, da articulação glenoumeral, da incisura espinoglenóidea, da fossa supraescapular e da fossa infraescapular também são documentados de rotina. Dois radiologistas musculoesqueléticos fizeram, em consenso, a revisão dos achados de imagem dos casos com tendinite calcificada. Cada um dos radiologistas tinha mais de 10 anos de experiência em ultrassonografia musculoesquelética no momento da avaliação. A erosão óssea foi definida como uma ruptura na superfície do osso cortical identificada em imagens de pelo menos dois planos ortogonais. Cistos subcorticais foram identificados quando uma anormalidade focal hipoecoica bem definida de contornos arredondados estava presente no osso subcortical. Os casos foram incluídos na análise do envolvimento ósseo secundário apenas quando a tomografia computadorizada (TC) estava disponível para servir como referência. O intervalo médio de tempo entre a realização da ultrassonografia e a TC nesta casuística foi, aproximadamente, 2,6 dias, variando de 1 a 10 dias. RESULTADOS A busca pelos relatórios no sistema de banco de dados do hospital foi realizada de forma retrospectiva e identificou 2.547 pacientes submetidos a ultrassonografia do ombro. A busca nos relatórios oficiais de ultrassonografia detectou 141/2.547 casos (cerca de 5,5%) diagnosticados com tendinopatia calcificada do manguito rotador. Todos os pacientes avaliados e com achados com acometimento ósseo pela ultrassonografia eram sintomáticos. Sinais de tendinopatia calcificada, com envolvimento ósseo adjacente, foram identificados pela ultrassonografia em 7/141 casos (cerca de 5% dos pacientes), sendo quatro homens e três mulheres, com idades variando entre 42 e 58 anos, com idade média de 50,9 anos. A TC confirmou as anormalidades ósseas em todos estes casos. Três casos que apresentavam achados de envolvimento intraósseo secundário a tendinopatia calcificada na ultrassonografia foram excluídos, em razão de a TC não estar disponível para comparação. Os tendões com calcificação associada a anormalidades ósseas foram o supraespinal (4/7 casos) e o infraespinal (3/7 casos). O achado mais comum da ultrassonografia em nossa série foi a presença de um foco hiperecogênico intratendíneo alongado com erosão óssea adjacente (Figuras 1, 2 e 3). Sombra acústica não foi encontrada em nenhum dos casos de tendinopatia calcificada com envolvimento ósseo. A TC confirmou erosão da cortical adjacente às calcificações do manguito rotador em todos os casos. Cistos ósseos subcorticais foram identificados usando a TC em dois casos e migração intraóssea da calcificação foi confirmada pela TC em três dos nossos casos. Figura 1. Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade. A: Ultrassonografia no eixo longo do tendão infraespinal mostra calcificação intratendínea (setas) associada a erosão óssea focal e migração intraóssea da calcificação (cabeças de setas). B,C: Corte seccional axial e reconstrução coronal oblíqua de TC, respectivamente, confirmam a calcificação do tendão infraespinal na região de transição para o tendão supraespinal (setas) e erosão do osso cortical adjacente (cabeças de setas). Figura 2. Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade. A: Imagem de ultrassonografia no eixo longo dos tendões do manguito rotador apresenta calcificação (setas) na transição do supraespinal e infraespinal. Migração intraóssea é apontada pelas cabeças de setas. B: Reconstrução coronal de TC confirma os achados. A seta aponta a calcificação e a cabeça de seta mostra a lesão óssea subcortical cística na inserção do manguito rotador. Figura 3. Paciente do sexo feminino, 50 anos de idade. A: Imagem de ultrassonografia do ombro no eixo longo do tendão infraespinal identifica calcificações focais amorfas hiperecoicas (setas), com migração intraóssea (cabeças de setas) no tendão infraespinal. B: Corte axial de TC mostra que as calcificações (setas) estão na inserção do tendão infraespinal com extensão para o tubérculo maior do úmero. A erosão óssea e migração intraóssea (cabeça de seta) são também confirmadas pela tomografia. DISCUSSÃO A migração de depósitos de cristais de cálcio intraósseos associados a tendinopatia calcificada é bem conhecida na literatura(5-9). Nossos resultados sugerem que a ultrassonografia pode demonstrar envolvimento ósseo secundário a tendinopatia calcificada e identificamos quais foram os achados mais comuns nesta situação usando este exame de imagem. Neste estudo, a apresentação típica pela ultrassonografia da tendinopatia calcificada com envolvimento ósseo foi a presença de foco hiperecogênico sem sombra acústica na inserção do tendão adjacente a uma erosão óssea cortical. Em todos os nossos casos as calcificações tendíneas associadas com erosão óssea não apresentavam sombra acústica. A ausência de atenuação acústica pode ser considerada uma indicação de que os depósitos calcificados têm consistência líquida ou pastosa(3). Portanto, nossos resultados preliminares reforçam a hipótese de que a migração de calcificações do tendão para o osso ocorre na fase de reabsorção da doença. Envolvimento da medula óssea, erosão cortical e edema de partes moles podem ser secundários a tendinopatia calcificada e imitar doenças mais agressivas, como neoplasia ou infecção(6). A ressonância magnética e a TC são consideradas os melhores métodos para mostrar o envolvimento da medula óssea na tendinopatia calcificada(6). O envolvimento do osso e a migração intraóssea da calcificação podem ocorrer na doença de deposição de hidroxiapatita mesmo em outras regiões anatômicas, como, por exemplo, no disco intervertebral(12). Em nossa investigação, a presença de erosão óssea cortical adjacente à calcificação foi o achado mais importante e consistente na ultrassonografia e foi confirmado em todos os casos incluídos pela investigação posterior com TC. A migração intraóssea de calcificações foi inequivocamente demonstrada com imagens de TC em 3/7 casos. Em nosso estudo, a ultrassonografia foi seguida pela investigação complementar da TC em não mais do que 10 dias. Depósitos cálcicos da tendinopatia calcificada podem ser reabsorvidos rapidamente e de forma espontânea(13). Alterações císticas subcorticais podem ser identificadas de forma geral na área de inserção do manguito rotador, especialmente na região anterior do supraespinal e do subescapular(14,15). Por outro lado, alterações císticas também podem estar associadas à migração intraóssea na tendinopatia calcificada do manguito rotador, e calcificações focais podem ser observadas dentro do cisto(9,16). Cistos subcorticais foram identificados pela ultrassonografia em dois dos nossos casos, mostrando estreita relação espacial com as calcificações e com a erosão óssea. Os cistos subcorticais foram confirmados nestes dois casos pelas imagens de TC. A ultrassonografia é um método de imagem eficaz na avaliação de anormalidades do manguito rotador e de outras anormalidades do ombro(17), mas há pouca informação disponível sobre o seu uso na detecção do comprometimento ósseo na tendinopatia calcificada(10,11). A literatura enfatiza o uso da ultrassonografia em reumatologia para a investigação das artrites(18-20). Mais recentemente, a ultrassonografia foi utilizada para o estudo de doenças de depósito microcristalinas. Ela tem utilidade para identificar o envolvimento por cristais na artrite da gota(21-23) e no estudo do envolvimento de tendões pela gota(24,25). A avaliação da entesopatia em pacientes com fibromialgia também pode ser realizada por ultrassonografia(26). Os resultados do nosso estudo são importantes para alertar a necessidade de incluir doença de deposição de hidroxiapatita no diagnóstico diferencial de outras entesopatias. A principal limitação do nosso estudo é sua natureza retrospectiva. Houve o viés de seleção dos pacientes submetidos à TC. Apenas os casos suspeitos de envolvimento ósseo na ultrassonografia foram reavaliados pela TC. A TC, obviamente, não é rotineiramente realizada para investigação adicional de tendinopatia calcificada do manguito rotador. Portanto, o desempenho diagnóstico da ultrassonografia não pôde ser estimado neste nosso trabalho. Além disso, em função do número restrito de pacientes nesta série de casos, somente foi possível realizar uma análise descritiva dos achados. Estudo com casuística maior e prospectivo precisa ser realizado para melhor avaliação da sensibilidade, da especificidade e da eficácia da ultrassonografia na identificação do envolvimento ósseo secundário a tendinopatia calcificada. A morfologia dos depósitos cálcicos nas imagens de ultrassonografia apresenta boa correlação com os sintomas clínicos na tendinopatia calcificada(27). No estudo de Chiou et al., as calcificações sem sombra acústica, aquelas das fases de repouso e reabsortiva, foram as que se correlacionaram com sintomas clínicos mais significativos(27). Nossos resultados preliminares sugerem que a migração da calcificação e o envolvimento ósseo podem ser consistentemente identificados por meio da ultrassonografia e reforçam que o envolvimento ósseo ocorre na fase de reabsorção de tendinopatia calcificada. O radiologista precisa identificar os achados do envolvimento ósseo secundário a tendinopatia calcificada, pela ultrassonografia, em vista do potencial de associação com o quadro doloroso, aspecto reforçado pela nossa série de casos, e também deve reconhecer que eventuais erosões ósseas podem ocorrer na entese como parte da evolução da doença. Agradecimento Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo suporte financeiro. REFERÊNCIAS 1. Speed CA, Hazleman BL. Calcific tendinitis of the shoulder. 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Médico Radiologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) e da Radiologia Especializada Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Marcello H. Nogueira-Barbosa Divisão de Radiologia / CCIFM, FMRP-USP Avenida Bandeirantes, 3900, Monte Alegre Ribeirão Preto, SP, Brasil, 14048-900 E-mail: marcello@fmrp.usp.br Recebido para publicação em 9/8/2014. Aceito, após revisão, em 18/3/2015. Trabalho realizado na Divisão de Radiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil. |