Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 5 - Set. / Out.  of 2015

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 324 to 329



Estudo da anatomia cutânea com ultrassom de alta frequência (22 MHz) e sua correlação histológica

Autho(rs): Elisa de Oliveira Barcaui1; Antonio Carlos Pires Carvalho2; Juan Piñeiro-Maceira3; Carlos Baptista Barcaui4; Heleno Moraes5

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Texto em Português English Text

Descritores: Ultrassom; Dermatologia; Pele; Histologia.

Keywords: Ultrasonography; Dermatology; Skin; Histology.

Resumo:
O objetivo deste trabalho é familiarizar o radiologista com a estrutura histológica cutânea, o que torna possível uma melhor correlação dos achados ultrassonográficos da pele. Para o exame radiológico foi utilizado aparelho de ultrassom de alta frequência (22 MHz). O exame histológico foi realizado após fixação do material em formol, inclusão em parafina e coloração com hematoxilina-eosina. Os autores fazem uma revisão da literatura, demonstram a relação dos achados ultrassonográficos e histológicos do tecido cutâneo normal e discutem a técnica para o melhor aproveitamento do exame ultrassonográfico da pele. O ultrassom de alta frequência representa uma excelente ferramenta no diagnóstico das diferentes alterações cutâneas. Como o método é operador-dependente, é crucial o perfeito entendimento da pele normal e sua equivalência histológica/ultrassonográfica.

Abstract:
The present essay is aimed at getting the radiologist familiar with the basic histological skin structure, allowing for a better correlation with sonographic findings. A high-frequency (22 MHz) ultrasonography apparatus was utilized in the present study. The histological analysis was performed after the skin specimens fixation with formalin, inclusion in paraffin blocks and subsequent staining with hematoxylin-eosin. The authors present a literature review showing the relationship between sonographic and histological findings in normal cutaneous tissue, and discuss the technique for a better performance of the sonographic scan. High-frequency ultrasonography is an excellent tool for the diagnosis of different skin conditions. However, as this method is operator-dependent, it is crucial to understand the normal skin structure as well as the correlation between histological and sonographic findings.

INTRODUÇÃO

Uma série de trabalhos recentes publicados no Brasil tem ressaltado a importância da ultrassonografia para o diagnóstico e tratamento de diversas enfermidades(1-15).

O ultrassom é utilizado na dermatologia desde os anos 70 para avaliar o espessamento cutâneo(16). O desenvolvimento de aparelhos com frequência maior que 15 MHz tornou possível a identificação das diferentes camadas e estruturas da pele e anexos, ampliando consideravelmente seu uso nas condições dermatológicas. Os equipamentos de alta frequência têm baixa penetração e, consequentemente, excelente resolução para visualização de estruturas superficiais(17).

A pele apresenta características próprias de acordo com sua região anatômica, idade e raça. O conhecimento anatômico e morfológico é de fundamental importância para uma perfeita avaliação das estruturas vistas na ultrassonografia(18).

O objetivo deste trabalho é demonstrar a correlação entre os exames ultrassonográfico e histológico da pele normal, facilitando o entendimento e o diagnóstico de diferentes doenças dermatológicas.


A PELE

A pele é composta por duas camadas: epiderme e derme. Devido à proximidade e ao comportamento reacional do tecido subcutâneo nos diferentes processos patológicos, alguns autores o consideram como uma terceira camada(19).

Aproximadamente 95% da epiderme é composta por células denominadas queratinócitos, que sintetizam uma proteína denominada queratina. Os queratinócitos agrupam-se em quatro camadas, que sofrem constante diferenciação. Da base à superfície, temos: camada basal, espinhosa, granulosa e córnea. Melanócitos, células de Langerhans e de Merkel compõem os 5% restantes(18,20).

Fibroblastos, células dendríticas dérmicas, mastócitos e macrófagos constituem os principais componentes celulares da derme. Dentre os componentes extracelulares estão as fibras colágenas e elásticas e a substância fundamental amorfa. A derme é dividida em dois compartimentos: derme papilar e derme reticular. O tecido conjuntivo é o componente mais abundante desta região (70%) e é constituído de fibras colágenas. Na derme papilar, estas são mais delicadas e finas quando comparadas às da derme reticular, onde se apresentam como feixes mais grossos(19).

Entre a epiderme e a derme encontra-se a zona da membrana basal, uma rede de macromoléculas que liga os queratinócitos da camada basal com as fibras colágenas da derme papilar(20).

O tecido subcutâneo é composto por adipócitos que apresentam citoplasma globoso, não vacuolado. Os lóbulos de gordura são separados por septos fibrosos onde passam pequenos vasos(21) (Figura 1A).


Figura 1. Anatomia da pele não glabra. A: Histologia cutânea normal. B: Ultrassom de alta frequência (USAF), visão transversa. Epiderme (e), derme (d) e tecido subcutâneo (sc) com presença dos septos fibrosos (seta).



A ecogenicidade de cada camada depende do seu principal componente: queratina (epiderme), colágeno (derme) e lóbulos de gordura (subcutâneo). Na imagem ultrassonográfica, a epiderme apresenta-se como uma linha hiperecoica, a derme como uma banda hiperecoica menos brilhosa e o subcutâneo como uma camada hipoecoica com a presença dos septos fibrosos hiperecoicos no seu interior(16) (Figura 1B).

A ecogenicidade e a espessura da derme são variáveis, conforme a idade do paciente (Figura 2). Em neonatos, ela apresenta-se levemente hipoecoica. Em indivíduos com idade avançada ou dano actínico intenso, entre a epiderme e a derme observa-se área hipoecoica chamada de banda subepidérmica de baixa ecogenicidade, que representa provável manifestação ultrassonográfica de elastose e edema na derme papilar (Figura 3). Alguns autores propõem que a medida desta banda poderia quantificar o dano actínico(22).


Figura 2. USAF, visão transversa, região anterior do antebraço direito em pacientes consanguíneos com o mesmo fototipo. A: 3 meses de idade - epiderme delgada e derme com 1,45 mm de espessura. B: 25 anos de idade - derme medindo 1,22 mm. C: 55 anos de idade - espessamento epidérmico e derme com 1,03 mm.


Figura 3. A: Histologia. Epiderme (e), banda subepidérmica de baixa ecogenicidade correspondendo a elastose presente no tecido conjuntivo (asterisco). B: visão transversa.



AVALIAÇÕES TOPOGRÁFICAS

Pele glabra - região palmo-plantar


Histologicamente, nas regiões palmo-plantares é encontrada uma camada epidérmica adicional, entre a granulosa e a córnea, denominada estrato lúcido. As células desta camada são nucleadas e denominadas células de transição(18) (Figura 4A).


Figura 4. Pele glabra. A: Histologia. Camada córnea mais espessada e presença de estrato lúcido (asterisco). B: USAF, visão transversa. Epiderme com aparência bilaminar (seta), hiperecoica.



Ao ultrassom de alta frequência (USAF), a epiderme desta área anatômica apresenta-se como estrutura hiperecoica bilaminar(23), que pode ser resultante do contraste entre a epiderme propriamente dita e o estrato córneo muito espesso e compacto. As outras camadas cutâneas se assemelham à pele não glabra (Figura 4B).

Couro cabeludo e haste pilosa

O folículo piloso é um micro-órgão anexo da pele responsável pela produção de pelos e permanece em constante estado de autorregeneração. Por isso, apresenta um comportamento cíclico. Períodos de alta atividade mitótica e diferenciação celular (fase anágena) são interrompidos por uma fase de remodelação (catágena), seguidos por um período de quiescência (fase telógena) para, em seguida, iniciar novamente seu crescimento (Figura 5A).


Figura 5. Couro cabeludo. A: Histologia, corte longitudinal. B: USAF visão longitudinal. Epiderme (e), derme (d), bandas oblíquas hipoecoicas que correspondem aos folículos pilosos (setas).



Ao USAF, as camadas cutâneas do couro cabeludo são similares à pele de outros sítios anatômicos: linha hiperecoica (epiderme), banda hiperecoica (derme) e banda hipoecoica (subcutâneo). Mais profundamente, se observa uma banda hipoecoica correspondendo à gálea e, a seguir, a calota óssea demonstrada por uma linha intensamente hiperecoica. Estruturas hipoecoicas longitudinais que correspondem ao folículo piloso são observadas no estudo do couro cabeludo. Dependendo da fase do ciclo do pelo, estas estruturas são observadas em diferentes camadas cutâneas: na fase telógena, o bulbo localiza-se na derme, enquanto na fase anágena, no subcutâneo(24) (Figura 5B).

A pele do couro cabeludo da região frontal é mais fina que a da occipital e a densidade de folículos pilosos é variável(24) (Figura 6).


Figura 6. USAF, visão longitudinal, couro cabeludo. Paciente do sexo masculino, calvo, 41 anos de idade. Variação da espessura dérmica e do número de folículos pilosos. A: Região frontal. B: Região occipital. Derme (asteriscos), folículo piloso (losangos).



A fase anágena do folículo piloso origina a haste de pelo terminal, composta por cutícula, córtex e medula(20) (Figura 7A). O USAF, visão longitudinal, permite diferenciar uma estrutura hiperecoica trilaminar que corresponde, provavelmente, ao arranjo das camadas de queratina (Figura 7B).


Figura 7. Haste pilosa. A: Histologia. Estrutura córtex-cutícula-medula. B: Visão longitudinal, trilaminar.



Unidade ungueal

A unidade ungueal possui cinco componentes: matriz, lâmina ungueal, cutícula, leito ungueal e dobras ungueais (proximal, lateral e distal)(19,20) (Figura 8A).


Figura 8. Unidade ungueal normal, corte longitudinal. A: Corte histológico. B: USAF. Placa ventral (seta sentido para baixo), placa dorsal (seta sentido para cima), matriz ungueal (asterisco), leito ungueal (círculo cheio).



Ao USAF, a lâmina ungueal é subdividida em placas dorsal e ventral, gerando um aspecto bilaminar, hiperecoico, separadas por estreita linha hipoecoica. Abaixo da lâmina ungueal situa-se o leito ungueal, hipoecoico. A matriz, ecogênica, pode ser vista na parte proximal do leito ungueal. Abaixo do leito ungueal encontra-se uma linha hiperecoica que corresponde ao osso da falange distal(18,25) (Figura 8B).


DISCUSSÃO

O primeiro passo para a interpretação dos achados ultrassonográficos é o reconhecimento das diferentes estruturas cutâneas. Em um mesmo indivíduo, é possível observar padrões ultrassonográficos distintos, dependendo do sítio anatômico estudado.

Aparelhos com frequência maior que 15 MHz permitem o estudo da pele e seus anexos, pois possibilitam distinguir as camadas e estruturas cutâneas. Contudo, equipamentos com frequência acima de 20 MHz são os que apresentam melhor resolução para o estudo de estruturas superficiais.

Na análise ultrassonográfica cutânea, preconiza-se a utilização de grossa camada de gel, entre a pele e o transdutor, para melhor obtenção de um ponto focal. Um coxim gelatinoso pode ser empregado para estudo da unidade ungueal. É relevante o uso de transdutor delicado que se adapte ao contorno cutâneo dos diferentes segmentos corporais, como face e falange distal. O contato do transdutor com a pele deve ser o mais suave possível, para evitar compressão das estruturas anatômicas que, neste tecido, são superficiais e delgadas.

A tricotomia da região pilosa a ser estudada deve ser feita, preferencialmente, com gilete e não com tesoura, permitindo melhor contato entre o transdutor e a pele. Como diferentes doenças do couro cabeludo cursam com alteração da haste pilosa, esta também pode ser avaliada ao USAF.

Para o estudo de lesões dermatológicas que apresentem crostas ou queratinização acentuada, recomenda-se a remoção destas, uma vez que provocam atenuação do feixe sonoro, diminuindo a acurácia do exame.

Uma avaliação dermatológica adequada utilizando o USAF inclui discriminar a exata região a ser estudada, diferenciar as camadas cutâneas, sua espessura e vascularização, e possíveis achados patológicos associados.


CONCLUSÃO

O advento do USAF permitiu o estudo mais minucioso da pele e seus anexos, possibilitando o diagnóstico e o direcionamento da conduta nas doenças dermatológicas, o que origina a necessidade de um conhecimento mais aprofundado do aspecto ultrassonográfico da pele normal.


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1. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Medicina (Radiologia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Professor Associado do Departamento de Radiologia, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Medicina (Radiologia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Professor Colaborador de Dermatologia e Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Professor Adjunto de Dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
5. Professor Adjunto de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Elisa de Oliveira Barcaui
Rua Farme de Amoedo, 106, Ipanema
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22420-020
E-mail: ebarcaui@gmail.com

Recebido para publicação em 6/4/2014.
Aceito, após revisão, em 3/9/2014.

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 
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