Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 5 - Set. / Out.  of 2015

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 314 to 318



Pseudotumor inflamatório do quadril: uma complicação da artroplastia a ser reconhecida pelo radiologista

Autho(rs): Raquel de Melo Santos Vilas Boas1; Ivana Andrade Madeira1; Alexia Abuhid Lopes2; Edson Barreto Paiva3; André Soares Rodrigues3

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Texto em Português English Text

Descritores: Ressonância magnética; Pseudotumor inflamatório do quadril; Artroplastia do quadril.

Keywords: Magnetic resonance imaging; Inflammatory pseudotumor of the hip; Hip arthroplasty.

Resumo:
Complicações em partes moles pós-artroplastia do quadril são suscetíveis de ocorrer, seja quando da artroplastia total, seja quando se utiliza a técnica de recapeamento da cabeça femoral, opção que se tornou popular em casos de pacientes jovens. Tanto a literatura ortopédica quanto a radiológica têm chamado a atenção para massas "sintomáticas" que surgem em partes moles adjacentes a próteses, denominadas pseudotumores inflamatórios ou lesões associadas a vasculite linfocítica asséptica. Os pseudotumores estão associados a dor, instabilidade, neuropatia e afrouxamento prematuro dos componentes da prótese, geralmente levando a cirurgias de revisão precoces e difíceis. A ressonância magnética tem papel muito importante na avaliação das alterações em partes moles do quadril doloroso pós-artroplastia, que variam desde coleções fluidas periprotéticas precoces até necrose e dano tecidual mais extenso.

Abstract:
Soft tissue complications following hip arthroplasty may occur either in cases of total hip arthroplasty or in hip resurfacing, a technique that has become popular in cases involving young patients. Both orthopedic and radiological literatures are now calling attention to these symptomatic periprosthetic soft tissue masses called inflammatory pseudotumors or aseptic lymphocytic vasculites-associated lesions. Pseudotumors are associated with pain, instability, neuropathy, and premature loosening of prosthetic components, frequently requiring early and difficult reoperation. Magnetic resonance imaging plays a relevant role in the evaluation of soft tissue changes in the painful hip after arthroplasty, ranging from early periprosthetic fluid collections to necrosis and more extensive tissue damage.

INTRODUÇÃO

Complicações em partes moles pós-artroplastia do quadril são suscetíveis de ocorrer, seja quando da artroplastia total, seja quando se utiliza a técnica de recapeamento da cabeça femoral (resurfacing).

Tanto a literatura ortopédica quanto a radiológica têm chamado a atenção para "massas sintomáticas" que surgem em partes moles adjacentes a próteses, denominadas pseudotumores, reação adversa ao metal, lesões associadas a vasculite linfocítica asséptica, dentre outras.

O pseudotumor inflamatório acomete principalmente pacientes com próteses de superfície metal-metal, porém, já foram descritos em próteses metal-polietileno(1-3). Historicamente, as próteses metal-metal ficaram em segundo plano após o advento das próteses de polietileno, em decorrência de maiores taxas de complicações(4,5). Posteriormente, surgiu a necessidade de se criar próteses mais duradouras, principalmente para os pacientes jovens e mais ativos, tendo sido então desenvolvidas próteses metal-metal mais modernas, com a promessa de menores índices de morbidade pós-operatória(4-8).

O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão da literatura sobre o assunto, descrevendo os principais achados de ressonância magnética desta complicação relacionada à artroplastia do quadril, que precisa ser reconhecida pelo radiologista.


DISCUSSÃO

O pseudotumor inflamatório é de origem ainda desconhecida, mas parece estar relacionado a reação de hipersensibilidade ao metal e/ou efeito citotóxico decorrente das partículas de metal liberadas pela prótese, acometendo predominantemente os tecidos moles, com surgimento de massas císticas, sólidas ou mistas periprotéticas, podendo evoluir com necrose e dano estrutural mais extenso a longo prazo(4-6,9). Pode manifestar-se meses ou anos após o procedimento cirúrgico(3,4). A sua prevalência na literatura é bastante variável, com relatos de 14% a 36%(6).

Os sintomas são inespecíficos e nem sempre estão presentes, podendo ocorrer dor, instabilidade, massa palpável e estar associados ao comprometimento das estruturas neurovasculares adjacentes(7). Existem relatos de níveis aumentados de cromo e cobalto no sangue, urina e no fluido articular, entretanto, não são definidores do diagnóstico e não ocorrem em todos os casos(4,7,9-11).

Os principais fatores de risco relatados na literatura são: sexo feminino, jovens (pela maior sobrecarga na prótese em decorrência de maior atividade), mal-posicionamento da prótese e diâmetro reduzido do componente femoral(4,5,9,10).

Os principais diagnósticos diferenciais a serem considerados são infecção e neoplasia. A pesquisa de proteína C reativa e velocidade de hemossedimentação séricos auxiliam na exclusão de infecção(9). A ausência de células neoplásicas nos achados histológicos exclui neoplasia.

Os achados histológicos incluem necrose e infiltração linfocítica perivascular densa no tecido viável circunjacente. A presença de partículas metálicas é geralmente escassa, mas essas partículas podem ser encontradas no interior de macrófagos(4,6,8,9).

Avaliação diagnóstica

Uma série de trabalhos recentes publicados no Brasil tem ressaltado a importância dos métodos de imagem na avaliação do sistema musculoesquelético(12-24).

A radiografia simples permanece o método de escolha na avaliação do alinhamento e integridade dos componentes da prótese, bem como das complicações mais conhecidas, que incluem osteólise, fraturas, ossificação heterotópica e soltura da prótese(4-7).

A ultrassonografia auxilia na avaliação de coleções líquidas e massas, entretanto, tem limitação em lesões maiores ou localizadas em planos profundos(4,5,7,8).

A tomografia computadorizada é capaz de detectar grandes coleções, porém, é mais utilizada em conjunto com a radiografia simples para avaliação de complicações ósseas (osteólise) e posicionamento da prótese. As suas principais limitações são o baixo contraste entre os tecidos moles, o que dificulta a identificação de pequenas coleções periprotéticas, e os artefatos, que podem ser minimizados com o uso de equipamentos com multidetectores(4,5,7).

A ressonância magnética se tornou um importante aliado no diagnóstico das complicações em partes moles, sobretudo do pseudotumor, com o uso de sequências que minimizam os artefatos de suscetibilidade magnética em aparelhos de 1,5 tesla. O aspecto do pseudotumor na ressonância magnética é geralmente de uma coleção, podendo, entretanto, aparecer como uma massa sólida em partes moles periprotéticas(4-7,9). A intensidade de sinal da coleção é variável na ponderação T1, tendo a maioria sinal semelhante ao conteúdo da bexiga, o que sugere um transudato(9), podendo ter ainda sinal mais alto que o do músculo, o que é mais específico, sugerindo um exsudato complexo(9). Também apresenta intensidade de sinal variável nas ponderações T2 e DP, geralmente hiperintensa em relação ao músculo, podendo ser homogênea ou heterogênea (Figuras 1 e 2). O conteúdo hipointenso nestas ponderações pode estar relacionado a necrose ou depósito de metal(4-6,9), sendo tais ponderações, juntamente com a ponderação STIR, melhores para detectar debris (Figura 2) e nível líquido-líquido, e para avaliar a cápsula, que geralmente é hipointensa e pode ser fina ou espessa, lisa ou irregular (Figuras 2 e 3). A massa sólida é geralmente hipointensa nas ponderações T1 e T2. O contraste intravenoso não é necessário para o diagnóstico, mas quando usado, pode haver impregnação periférica, somente da cápsula da lesão (Figuras 3 e 4)(5,6,9).


Figura 1. A: Corte axial ponderado em T1 mostrando coleção anterior contígua com a articulação (seta), com conteúdo hiperintenso em comparação com a bexiga. B: Corte axial ponderado em STIR mostrando coleção heterogênea com focos de hipossinal em seu interior (seta).


Figura 2. A: Corte coronal ponderado em T1 mostrando coleção predominantemente hiperintensa (seta) em relação ao conteúdo vesical. B: Corte coronal ponderado em STIR mostrando coleção predominantemente hiperintensa com cápsula fina, lisa e hipointensa, em contiguidade com a prótese (asterisco). C,D: Cortes axiais ponderados em T1 e DP mostrando coleção anterior (setas finas). Comparar a intensidade de sinal da coleção nas diferentes sequências em relação à bexiga (asteriscos). Existe pequena coleção no aspecto posterior da articulação coxofemoral, com intensidade de sinal semelhante à coleção anterior, que não pode deixar de ser relatada (setas grossas).


Figura 3. A,B: Cortes sagitais mostrando coleção posterior heterogênea, predominantemente hiperintensa, com cápsula hipointensa espessa e irregular, estendendo-se ao compartimento glúteo. Notar a contiguidade com a articulação (setas). Nos cortes sagitais ponderados em T1, pré-contraste (C) e pós-contraste (D), observar coleção posterior isointensa ao músculo com impregnação periférica pelo contraste.


Figura 4. A: Corte coronal ponderado em T1 demonstrando coleção na região lateral da coxa isointensa à musculatura (setas). B: Corte coronal ponderado em STIR mostrando coleção hiperintensa associada a edema na musculatura da coxa (setas). C: Corte sagital STIR identificando coleção hiperintensa com cápsula hipointensa na região anterolateral da coxa. D,E: Cortes axiais ponderados em T1 antes e após injeção de contraste venoso demonstrando coleção isointensa à musculatura, com impregnação da cápsula (seta fina) e da musculatura (seta grossa) pelo contraste, esta última inferindo a presença de edema muscular/miosite.



A localização é muito característica, sempre adjacente à prótese e à articulação (Figuras 1, 2 e 3), geralmente relacionada ao trajeto cirúrgico, sendo importante tentar buscar a contiguidade com a articulação, algumas vezes de difícil identificação(Figura 2)(9).

O pseudotumor pode se estender aos compartimentos adjacentes - glúteo, adutor, quadricipital, peritrocantérico, anterior (próximo ao iliopsoas), posterior (isquiotibiais) e subcutâneo - através da fáscia profunda(6,9).

A presença de alterações miotendíneas associadas deve ser relatada para auxiliar o ortopedista em uma possível reabordagem cirúrgica, e inclui avulsões tendíneas, edema muscular, decorrente de miosite inicial (Figura 4), e atrofia muscular, decorrente da cirurgia e do desuso(4,6,8,9).

Pode haver ainda linfadenopatia regional por efeito tóxico direto dos íons metálicos(6). O envolvimento das estruturas neurovasculares adjacentes também deve ser cuidadosamente avaliado, pois pode acarretar neuropatia, estase e/ou trombose(4,6,8).


CONCLUSÃO

A ressonância magnética é considerada o principal método na avaliação das partes moles pós-artroplastia do quadril, a despeito dos artefatos metálicos, minimizados com o uso de técnicas de "alta banda", cada vez mais apuradas no quesito qualidade versus sinal-ruído.

O reconhecimento do pseudotumor inflamatório pelo radiologista torna-se fundamental, diante do número crescente de procedimentos cirúrgicos e das complicações pósoperatórias advindas.


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1. Membros Titulares do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médicas Radiologistas da Clínica Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médica Radiologista Especialista em Imagem do Sistema Músculoesquelético da Clínica Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil
3. Membros Titulares da Sociedade Brasileira de Quadril e da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, Cirurgiões de Quadril do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Alexia Abuhid Lopes
Rua Antônio de Albuquerque, 1185/601, Funcionários
Belo Horizonte, MG, Brasil, 30112-011
E-mail: lopesbr@terra.com.br

Recebido para publicação em 18/10/2013.
Aceito, após revisão, em 16/7/2014.

Trabalho realizado na Clínica Axial Medicina Diagnóstica, Belo Horizonte, MG, Brasil.
 
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