Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 5 - Set. / Out.  of 2015

EDITORIAL
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Page(s) V to VI



Tuberculose pulmonar em indígenas brasileiros: um retrato desse contexto com base na radiografia

Autho(rs): Marcos Duarte Guimarães

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Atualmente, a população indígena brasileira é estimada em pouco mais de 817 mil índios espalhados por todas as regiões do País, segundo o censo demográfico de 2010(1). É o que sobrou dos 5 milhões que viviam em nossas florestas quando da chegada dos europeus. Eles são encontrados em maior número nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde estão localizadas mais de 90% das terras demarcadas e de 60% da sua população, distribuídos principalmente pelos estados de Roraima, Amazonas e Mato Grosso do Sul(1).

Infelizmente, não existem dados confiáveis sobre as verdadeiras condições de saúde dos nossos índios. Os dados disponíveis por alguns órgãos como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e organizações não governamentais, demonstram elevadas taxas de morbidade e mortalidade nos povos indígenas, frequentemente superiores às encontradas na população brasileira(2,3). Esta realidade é decorrente de aspectos imunológicos intrínsecos, hábitos de vida, desnutrição e elevadas taxas de doenças infecciosas como infecções gastrintestinais, respiratórias, tuberculose (TB), doenças sexualmente transmissíveis e malária(2).

A ocorrência da TB está intimamente relacionada a um baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), caracterizado por uma condição social e econômica desfavorável, baixo nível de escolaridade e precariedade de habitação e saúde(3). Infelizmente, uma triste realidade presente em boa parte dos índios brasileiros. Dados disponíveis indicam que nos indígenas a taxa de incidência de TB no ano de 2013 (95,6/100.000 pessoas) foi quase três vezes superior à taxa de incidência encontrada na população geral para o mesmo período (35,4/100.000 pessoas)(2,4). Não menos alarmantes são os dados da SESAI referentes à mortalidade. Eles indicam que as doenças respiratórias, sobretudo as infecciosas, foram responsáveis por 15,3% do total dos óbitos indígenas registrados nesse mesmo ano, cerca de duas vezes a taxa de mortalidade para estas doenças na população geral(2-4).

Esses indicadores poderiam ser melhorados pela implementação de ações de atenção básica à saúde indígena. Fortalecimento da cobertura sanitária, melhoria da acessibilidade aos centros de saúde, rastreamento dos casos infecciosos, supervisão terapêutica em regime ambulatorial e busca ativa pelos índios que abandonam o tratamento são medidas capazes de reduzir as graves consequências que esta enfermidade pode causar(1-4). É neste contexto que estudos como o desenvolvido por Lachi e Nakayama, publicado neste número da Radiologia Brasileira, podem trazer alguma contribuição para compreender aspectos peculiares da TB em populações indígenas, permitindo assim uma abordagem diagnóstica mais adequada e melhor manejo terapêutico(5). Neste estudo foram analisados os aspectos radiográficos do tórax de 81 índios tratados para TB em um hospital da cidade de Dourados, em Mato Grosso do Sul. Um dado interessante é que quase a totalidade (97,5%) dos exames realizados apresentou alguma alteração, como: consolidação, nódulo, acometimento pleural, escavação, achados de fibrose, linfonodomegalias, atelectasias e calcificações. Destes, cerca de 61,7% apresentaram pelo menos três áreas comprometidas pela doença, inferindo acentuada extensão e gravidade dos achados. Outro dado interessante é que quase 42% dos acometidos nesta população tinham idade inferior a 30 anos, diferente do que ocorre na população brasileira, em que a média de idade dos indivíduos acometidos se encontra entre 45 e 49 anos(3,5).

A radiografia de tórax é recomendada para pesquisa de TB em populações de risco como trabalhadores da área de saúde, prisioneiros, indivíduos que vivem em asilos, abrigos ou aldeias indígenas(6). Apresenta diversas vantagens por ser um exame simples, de fácil execução, de baixo custo, que expõe o paciente a baixas doses de radiação ionizante, capaz de detectar diversas alterações sugestivas de TB e universalmente disponível nos serviços de saúde, mesmo naqueles de menor complexidade(7). Em determinadas populações, como a de prisioneiros, é recomendada até mesmo como método inicial para pesquisa de TB, mesmo na ausência de sintomas respiratórios(8). Excepcionalmente, a tomografia computadorizada pode ser empregada, quando a baciloscopia e radiografia de tórax não forem capazes de confirmar o diagnóstico em sintomáticos respiratórios(6).

Por todos esses motivos convido o leitor a ler este artigo e perceber que, por meio da radiografia do tórax, é possível reconhecer os principais achados da TB pulmonar e contextualizar a sua gravidade na população indígena brasileira, que carece das mínimas condições de saúde para continuar sobrevivendo e mantendo as suas culturas e tradições.


REFERÊNCIAS

1. Brasil. Fundação Nacional do Índio. Ministério da Justiça. Programa plurianual 2012-2015. Programa de proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas. [acessado em 26 de agosto de 2015]. Disponível em: http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ouvidoria/pdf/acesso-a-informacao/Plano_plurianual-PPA_2012-2015.pdf

2. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas. [acessado em 28 de agosto de 2015]. Disponível em: http://sis.funasa.gov.br/portal/publicacoes/pub1025.pdf.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico. [acessado em 30 de agosto de 2015]. Disponível em http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/29/BE-2014-44--2----Tuberculose.pdf.

4. Orellana JDY, Gonçalves MJF, Basta PC. Características sociodemográficas e indicadores operacionais de controle da tuberculose entre indígenas e não indígenas de Rondônia, Amazônia Ocidental, Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2012;15:714-24.

5. Lachi T, Nakayama M. Aspectos radiológicos da tuberculose pulmonar em indígenas de Dourados, MS, Brasil. Radiol Bras. 2015;48:275-81.

6. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. III Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2009;35:1018-48.

7. Capone D, Jansen JM, Lopes AJ, et al. Diagnóstico por imagem da tuberculose pulmonar. Pulmão RJ. 2006;15:166-74.

8. American Thoracic Society, Centers for Disease Control and Prevention, Infectious Diseases Society of America. Controlling tuberculosis in the United States. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172:1169-227.










Doutor, Supervisor da Residência Médica em Diagnóstico por Imagem do Hospital Heliópolis, Docente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu do A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: marcosduarte500@gmail.com
 
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