Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2015

ARTIGO DE REVISÃO
Print 

Page(s) 233 to 241



Artérias coronárias anômalas: o que o radiologista precisa saber

Autho(rs): Priscilla Ornellas Neves1; Joalbo Andrade2; Henry Monção3

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Descritores: Coronárias anômalas; Angiotomografia computadorizada coronariana; Angiografia coronária.

Keywords: Coronary anomaly; Coronary computed tomography angiography; Coronary angiography.

Resumo:
As anomalias coronarianas incluem diversos grupos de malformações, algumas assintomáticas e com curso benigno e outras relacionadas a sintomas, como precordialgia e morte súbita. Podem ser classificadas em: 1) anomalias de origem e de trajeto; 2) anomalias intrínsecas; 3) anomalias de terminação. A origem e o trajeto proximal das artérias coronárias anômalas são os principais fatores prognósticos, sendo o trajeto interarterial considerado maligno, pois está associado a maior risco de morte súbita. A angiotomografia computadorizada tem-se tornado o método de referência para esta avaliação, uma vez que detecta não apenas a anomalia na origem destas artérias, mas também seu trajeto e relação com as demais estruturas mediastinais, que são importantes para a conduta terapêutica. Desta forma, é fundamental que o radiologista saiba reconhecer e caracterizar estas anomalias.

Abstract:
Coronary anomalies comprise a diverse group of malformations, some of them asymptomatic with a benign course, and the others related to symptoms as chest pain and sudden death. Such anomalies may be classified as follows: 1) anomalies of origination and course; 2) anomalies of intrinsic coronary arterial anatomy; 3) anomalies of coronary termination. The origin and the proximal course of anomalous coronary arteries are the main prognostic factors, and interarterial course or a coronary artery is considered to be malignant due its association with increased risk of sudden death. Coronary computed tomography angiography has become the reference method for such an assessment as it detects not only anomalies in origination of these arteries, but also its course in relation to other mediastinal structures, which plays a relevant role in the definition of the therapeutic management. Finally, it is essential for radiologists to recognize and characterize such anomalies.

INTRODUÇÃO

Coronárias anômalas podem ser encontradas em 0,3% a 5,6% da população(1,2). Mesmo sendo menos frequentes em relação às doenças coronárias adquiridas, as alterações congênitas estão relacionadas a morbidade e mortalidade prematura em adultos jovens. Os relatos de morte súbita ocorrem, em sua maioria, durante ou pouco após atividade física extenuante(3). Estima-se que seja a segunda causa mais frequente de morte súbita de origem cardiovascular em atletas, ocorrendo entre 12,2% e 17,2% na Europa e nos Estados Unidos(4-7).

Neste artigo serão abordados sua classificação e seus principais tipos, os métodos diagnósticos e o tratamento, com ênfase no subgrupo com maior repercussão clínica: as anomalias de origem e de trajeto.


DISCUSSÃO

Anatomia normal


Na anatomia coronariana normal (Figura 1), a coronária direita origina-se do seio coronariano direito, e o tronco coronariano esquerdo origina-se do seio coronariano esquerdo. Este cruza posteriormente o tronco pulmonar, bifurcando-se em descendente anterior e circunflexa. Em cerca de 37% dos indivíduos há trifurcação do tronco coronariano esquerdo em descendente anterior, circunflexa e diagonalis, ou ramo intermédio, o qual irriga a parede lateral livre do ventrículo esquerdo(5).


Figura 1. Origem anatômica normal das artérias coronárias. Origem da artéria coronária direita (CD) no seio coronário direito, que irá percorrer o sulco atrioventricular direito e a origem do tronco coronário esquerdo (TCE) no seio coronário esquerdo, bifurcando-se em coronária descendente anterior (DA), que irá percorrer o sulco interventricular anterior e a coronária circunflexa (CX), que irá percorrer o sulco atrioventricular esquerdo. TP, tronco arterial pulmonar; VE, ventrículo esquerdo; AE, átrio esquerdo; AD, átrio direito; Ao Asc, aorta ascendente.



A artéria coronária direita segue pelo sulco atrioventricular direito. Seu primeiro ramo, em 50% dos indivíduos, é o ramo do cone, que supre a via de saída do ventrículo direito, e o segundo, o ramo do nó sinoatrial, o qual irriga o nó sinoatrial e o átrio direito. Este ramo, em 38% dos casos, origina-se da coronária esquerda, e em 3%, de ambas as artérias. Observam-se ainda ramos para a parede livre do ventrículo direito, sendo o localizado na junção dos terços médio e distal da coronária direita denominado ramo marginal obtuso(5).

Em cerca de 85% dos indivíduos a coronária direita cruza a crus cordis e dá origem ao ramo descendente posterior (dominância direita); em 7% a 8% a circunflexa origina ramos para a parede posterior do ventrículo direito (dominância esquerda) e em 7% a 8% dos casos o septo interventricular posterior é irrigado por ramos da coronária direita e circunflexa (codominância)(4,5).

A artéria descendente anterior segue no sulco interventricular e emite ramos diagonais para a parede anterolateral do ventrículo esquerdo.

A artéria circunflexa cursa no sulco atrioventricular esquerdo e varia de tamanho e extensão, dependendo da dominância coronária. Origina ramos marginais, em número de um a três, que suprem a parede livre do ventrículo esquerdo.

Classificação das anomalias coronarianas

A denominação anatômica de uma artéria coronária é dada de acordo com seu território de irrigação(1). A artéria coronária direita é o vaso que irriga a parede livre do ventrículo direito. A artéria descendente anterior supre a parede anterior e o septo interventricular e a artéria circunflexa supre a parede livre do ventrículo esquerdo.

As anomalias coronarianas podem ser divididas, conforme a classificação proposta por Angelini et al.(3), em: 1) anomalias de origem e de trajeto; 2) anomalias intrínsecas; 3) anomalias de terminação (Tabela 1). Outra classificação utilizada divide as anomalias coronarianas em hemodinamicamente significativas e não hemodinamicamente significativas. As classificadas como hemodinamicamente significativas incluem: 1) as anomalias de origem com trajeto interarterial; 2) com origem anômala na artéria pulmonar; 3) as atresias; 4) as fístulas congênitas(8).




A origem e o trajeto proximal das artérias coronárias anômalas são os principais fatores prognósticos. As Figuras de 2 a 4 demonstram as principais anomalias na origem e no trajeto das artérias coronárias e a Figura 5 demonstra em uma imagem de tomografia computadorizada torácica sagital oblíqua os quatro trajetos proximais que uma coronária com origem anômala pode assumir, descritos a seguir.


Figura 2. Origem anômala da artéria coronária esquerda. 2A: Origem anômala da circunflexa (CX) a partir do seio coronário direito (SCD), com trajeto retroaórtico (trajeto benigno). 2B: Origem anômala da descendente anterior (DA) a partir do SCD, com trajeto interarterial (trajeto maligno). 2C: Origem anômala da DA a partir do SCD, com trajeto anterior ao tronco arterial pulmonar (TP) (trajeto benigno). 2D: Origem anômala da DA a partir da coronária direita (CD), com trajeto transeptal (trajeto benigno). 2E: Origem anômala do tronco coronário esquerdo (TCE) a partir do SCD, com trajeto retroaórtico (trajeto benigno). 2F: Origem anômala do TCE a partir do SCD, com trajeto interarterial (trajeto maligno). 2G: Origem anômala do TCE a partir do TP, denominada ALCAPA (anomalous left coronary artery from the pulmonar artery). CD, coronária direita; VE, ventrículo esquerdo; AE, átrio esquerdo; AD, átrio direito; Ao Asc, aorta ascendente.


Figura 3. Origem anômala da artéria coronária direita. 3A: Origem anômala da artéria coronária direita (CD) a partir do seio coronário esquerdo (SCE), com trajeto retroaórtico (trajeto benigno). 3B: Origem anômala da CD a partir do SCE, com trajeto interarterial (trajeto maligno). 3C: Origem anômala da CD a partir do tronco arterial pulmonar. DA, descendente anterior; CX, circunflexa; VE, ventrículo esquerdo; AE, átrio esquerdo; AD, átrio direito; Ao Asc, aorta ascendente.


Figura 4. Tronco coronariano único. 4A: Tronco coronário único (TCU) com origem a partir do seio coronário direito (SCD). 4B: Tronco coronário único (TCU) com origem a partir do seio coronário esquerdo (SCE). CD, coronária direita; TCE, tronco coronário esquerdo; DA, descendente anterior; CX, circunflexa; TP, tronco arterial pulmonar; VE, ventrículo esquerdo; AE, átrio esquerdo; AD, átrio direito; Ao Asc, aorta ascendente.


Figura 5. Angiotomografia computadorizada torácica (triplo descarte) com reconstrução em corte sagital oblíquo demonstrando os quatro trajetos proximais (pré-pulmonar, interarterial, retroaórtico e transeptal) que uma coronária com origem anômala pode assumir. AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; VD, ventrículo direito; TP, tronco da artéria pulmonar.



Interarterial

Trajeto entre a aorta e o tronco arterial pulmonar. É comumente descrito como "trajeto maligno", em razão do maior risco de morte súbita(8,9). É o tipo de anomalia hemodinamicamente significativa de maior frequência(8).

Em autópsias realizadas em atletas com morte súbita por anomalia coronariana, 80% tinham trajeto interarterial(6).

Várias causas são sugeridas para explicar a maior incidência de morte súbita neste tipo de anomalia. Alguns autores argumentam que o vaso com este trajeto estaria propício a obstrução durante o exercício, por compressão pela aorta e a artéria pulmonar, sendo esta hipótese rejeitada por alguns(8). Outros fatores comumente associados são: 1) ângulo agudo da sua origem; 2) óstio estenosado/ "em fenda"; 3) segmento intramural na aorta(1,8).

Retroaórtico

Trajeto entre a região posterior da aorta (seio não coronário) e o septo interatrial. Nenhuma estrutura vascular é encontrada nesta região. Não está associado a repercussão hemodinâmica, mas tem importância em casos de cirurgia cardíaca valvar. Geralmente está relacionado a anomalias de origem do tronco coronariano esquerdo e da circunflexa(8).

Pré-pulmonar

Trajeto anterior à via de saída do ventrículo direito e ao tronco arterial pulmonar, mais comumente relacionado a anomalia do tronco coronariano esquerdo. Pode estar associada a angina, mas geralmente sem repercussão hemodinâmica. Comum na tetralogia de Fallot(8).

Transeptal

Trajeto intramural no septo interventricular, considerado "benigno", deve ser diferenciado do trajeto interarterial, o qual não é circundado pelo miocárdio, tem localização mais cranial, acima da valva pulmonar, e pode ter um orifício estenosado "em fenda"(8). As artérias coronárias anômalas mais frequentemente encontradas com trajeto transeptal são o tronco coronariano esquerdo e a descendente anterior(8).

Conforme classificação proposta por Angelini et al.(3)(Tabela 1), destacamos a seguir os principais tipos de anomalias de origem e de trajeto.

Ausência do tronco coronariano esquerdo

Origens separadas das artérias descendente anterior e circunflexa são pouco frequentes (0,4%)(4). Podem causar dificuldade de cateterização durante angiografia, mas permitem o desenvolvimento de circulação colateral em caso de obstrução proximal em um destes vasos(2). Está associada a maior incidência de ponte miocárdica e dominância esquerda(4) (Figura 6).


Figura 6. Ausência do tronco coronariano esquerdo. Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com reconstrução em projeção de intensidade máxima (MIP) mostrando a origem das artérias descendente anterior (DA) e circunflexa (CX) diretamente do seio coronariano esquerdo. Ao Asc, aorta ascendente; CD, coronária direita; AE, átrio esquerdo; TP, tronco da artéria pulmonar.



Localização anômala do óstio coronariano na raiz aórtica

Origem alta

É definida como uma origem da coronária direita ou do tronco coronariano esquerdo mais do que 1 cm acima da junção sinotubular(8). Usualmente não apresenta repercussão clínica, entretanto, é importante sua identificação em préoperatório de cirurgia da aorta ascendente e pode causar dificuldade de cateterização durante angiografia. Ocorre com maior frequência na coronária direita, podendo estar relacionada a valva aórtica bicúspide(8) (Figura 7).


Figura 7. Origem alta da coronária direita. Fig 7A: Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP demonstrando origem alta da coronária direita (CD) no arco aórtico (Arco Ao). Fig 7B: Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP mostrando o seio coronariano direito (SCD) sem artéria coronária originandose a partir dele. TP, tronco da artéria pulmonar; SCE, seio coronariano esquerdo; TCE, tronco coronariano esquerdo.



Óstio coronariano fora do seio coronariano aórtico

Origem anômala da artéria coronária a partir do tronco arterial pulmonar

A origem da artéria coronária a partir da artéria pulmonar constitui uma das anomalias mais graves, com manifestações clínicas geralmente nas primeiras semanas de vida, ocorrendo óbito de cerca de 90% das crianças no primeiro ano se não houver tratamento(2,4,8). Está entre os diagnósticos diferenciais para uma acentuada cardiomegalia no período neonatal(8).

A forma mais comum é o tronco coronariano esquerdo originando-se da artéria pulmonar e a coronária direita da aorta, denominada síndrome de Bland-White-Garland(2). Esta anomalia leva à isquemia miocárdica devido ao fenômeno de roubo por redirecionamento do fluxo do sistema de alta pressão da coronária direita para o sistema de baixa pressão pulmonar por intermédio de colaterais coronária direita-coronária esquerda(4,8). Há relatos de apresentação tardia desta síndrome em adultos, provavelmente por desenvolvimento de colaterais a partir da coronária direita(4).

Óstio coronariano em seio coronariano impróprio

Coronária direita com origem no seio coronário esquerdo

Coronária direita originando-se no seio coronário esquerdo ou ramo de algum dos vasos que aí se originam é encontrada em 0,03% a 0,17% dos indivíduos que se submetem a angiografia(2). O trajeto proximal mais comum da coronária direita nestes casos é o interarterial, sendo associado a morte súbita em cerca de 30% destes pacientes(2) (Figura 8).


Figura 8. Origem anômala da coronária direita no seio coronário esquerdo, com trajeto interarterial. Fig 8A: Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP mostrando origem anômala da coronária direita (CD) no seio coronariano esquerdo (SCE), com trajeto interarterial entre o tronco da artéria pulmonar (TP) e a aorta ascendente (Ao Asc) (trajeto maligno). Fig 8B: Mesmo paciente da Fig 8A, imagem em corte coronal com MIP da CD mostrando uma artéria calibrosa, com importante significado anatômico e funcional. Fig 8C: Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP mostrando outro paciente com origem anômala da CD no SCE e trajeto interarterial entre o TP, anteriormente, e a aorta ascendente, posteriormente (trajeto maligno). Fig 8D: Mesmo paciente da Fig 8C, imagem em corte coronal com MIP da CD mostrando uma artéria hipoplásica, sem significado anatômico e funcional. CX, circunflexa.



Tronco coronário esquerdo com origem no seio coronário direito

Tronco coronário esquerdo com origem no seio coronário direito ou ramo de uma artéria coronária única ocorre em 0,09% a 0,11% dos indivíduos em angiografia(2). Trajeto proximal interarterial ocorre em 75% destes pacientes(2)(Figura 9).


Figura 9. Origem anômala do tronco coronário esquerdo no seio coronário direito. Fig 9A: Trajeto benigno. Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP mostrando origem anômala do tronco coronário esquerdo (TCE) no seio coronariano direito (SCD), com trajeto retroaórtico entre a aorta ascendente (Ao Asc), anteriormente, e o átrio esquerdo (AE), posteriormente. Fig 9B: Trajeto maligno. Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP mostrando origem anômala do TCE no SCD, com trajeto interarterial entre o TP, anteriormente, e a aorta ascendente (Ao Asc), posteriormente. CD, coronária direita; RC, ramo conal; AE, átrio esquerdo; TP, tronco da artéria pulmonar.



Descendente anterior ou circunflexa com origem no seio coronário direito

A artéria circunflexa é a que mais comumente apresenta origem anômala, ocorrendo em 0,32% a 0,67% da população. Seu trajeto proximal mais comum é o retroaórtico, não sendo associado a morte súbita(2) (Figura 10).


Figura 10. Origem anômala da circunflexa no seio coronário direito, com trajeto benigno. Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial com MIP mostrando origem anômala da circunflexa (CX) no seio coronariano direito (SCD), com trajeto retroaórtico entre a aorta ascendente (Ao Asc), anteriormente, e o átrio esquerdo (AE), posteriormente. A coronária direita (CD) e a descendente anterior (DA) têm origens normais nos seios coronarianos direito e esquerdo, respectivamente.



A artéria descendente anterior com origem anômala raramente ocorre em indivíduos com anatomia cardíaca normal. Geralmente está associada à tetralogia de Fallot, transposições complexas e dupla via de saída do ventrículo direito(2).

Artéria coronária única

Uma única artéria origina-se de um único óstio da raiz aórtica. Anomalia extremamente rara (0,0024% a 0,044%), pode seguir padrão de um tronco principal bifurcando-se em coronária direita e tronco coronariano esquerdo, uma artéria coronária originando-se como ramo de uma outra com origem normal ou não seguir a distribuição habitual da anatomia coronariana(2) (Figura 11).


Figura 11. Tronco coronariano único. Fig 11A: Angiotomografia computadorizada coronariana em corte axial obliquo com MIP mostrando tronco coronariano único (asterisco) curto e com placa ateromatosa calcificada, tendo origem no seio coronário direito (SCD) e originando a coronária direita (CD) e o tronco coronário esquerdo (TCE), que bifurca formando a descendente anterior (DA) e a circunflexa (CX), ambas com trajeto anterior ao tronco arterial pulmonar (TP). Fig 11B: Angiografia coronariana invasiva (cateterismo) identificando a mesma divisão anatômica mostrada no estudo da angiotomografia computadorizada coronariana.



Estes pacientes têm alto risco de morte súbita se o tronco principal possuir trajeto interarterial. Além disso, uma obstrução proximal no tronco principal pode ser devastador, pela impossibilidade de desenvolvimento de circulação colateral.

Anomalias de terminação das artérias coronárias

Fístula congênita

A coronária normal termina em um leito capilar do miocárdio. Se a coronária termina em uma câmara cardíaca ou em uma estrutura vascular de baixa pressão, como um vaso pulmonar, pode resultar em fenômeno de roubo, levando a uma inadequada perfusão miocárdica(8) (Figura 12).


Figura 12. Fístula coronariana. Angiotomografia computadorizada coronariana em cortes axial (Fig 12A), coronal oblíquo (Fig 12B), axial com MIP (Fig 12C) e com renderização volumétrica (Fig 12D) demonstrando fistula coronariana (* Fis) tortuosa, comunicando a descendente anterior (DA) e o tronco da artéria pulmonar (TP).



Terminação em uma câmara ou vaso de baixa pressão pode ocasionar aumento do calibre e tortuosidade da artéria. Em 60% dos casos termina em câmara direita(8).

Sintomas das anomalias coronarianas

A maioria dos pacientes é assintomática, sendo os sintomas e sinais mais frequentes dor torácica atípica, dispneia, síncope ou pré-síncope relacionadas ao exercício, arritmia e disfunção do ventrículo esquerdo(1,6).

Pacientes diagnosticados com anomalias coronarianas na fase adulta, maiores de 30 anos, têm menor risco de morte súbita, o que muitas vezes é levado em consideração na decisão terapêutica(10).

As artérias coronárias com trajeto anômalo não são mais suscetíveis a doença obstrutiva aterosclerótica em relação aos segmentos normais(5).

O risco de morte súbita em atletas com origem anômala da artéria coronária é 79 vezes maior do que em indivíduos não atletas(10).

Métodos diagnósticos

Os exames de imagem são imprescindíveis para o diagnóstico das anomalias coronarianas congênitas, já que é praticamente impossível de se determinar o diagnóstico por meio de anamnese, exame físico e eletrocardiograma ou, até mesmo, com testes funcionais.

A ecocardiografia transtorácica apresenta limitações para esta caracterização, especialmente quando realizada em adultos e sem um estudo orientado(1,11). Brothers et al.(12) sugerem a ecocardiografia transtorácica como método de rastreamento em crianças e adultos jovens parentes de primeiro grau de indivíduos com morte súbita relacionada a anomalia coronariana. A ecocardiografia transesofágica pode ser útil na caracterização da origem e curso proximal das artérias coronárias(9), entretanto, os estudos trazem relatos de poucos casos, além de ser um método semi-invasivo e incapaz de demonstrar todo o trajeto destes vasos(13,14).

A angiografia já foi considerada o método de referência(8,9), mas a identificação do trajeto proximal pode ser difícil e possui menor acurácia quando comparado à angiotomografia computadorizada coronariana (acurácia de 55% demonstrada em estudo de Schmitt et al.)(11,15,16).

Atualmente, a demonstração da anatomia coronária por angiotomografia computadorizada ou ressonância magnética são os métodos considerados padrão ouro(6,11,17).

Conforme critérios de adequação para utilização da angiotomografia computadorizada cardíaca conduzida pela American College of Cardiology Foundation(18), este método foi considerado "apropriado" (escore 9/9) para investigação de pacientes com suspeita de anomalia coronariana e tem-se tornado o método de referência(8).

A angiotomografia computadorizada detecta não apenas a anomalia na origem destes vasos, mas também seu trajeto e relação com as demais estruturas mediastinais, permitindo reformatações multiplanares e volumétricas, as quais têm importância fundamental no prognóstico e avaliação para conduta terapêutica(1,4).

É importante destacar que para a caracterização de anomalias coronarianas deve ser realizado protocolo específico de angiotomografia computadorizada sincronizada com o eletrocardiograma, pois caso não haja sincronização com o batimento cardíaco os artefatos de pulsação podem gerar imagens que simulam origem anômala da coronária direita no seio coronariano esquerdo com trajeto interarterial(16).

A desvantagem da tomografia computadorizada em relação à ressonância magnética é a utilização de radiação ionizante. Novas técnicas têm permitido redução da dose de radiação, inclusive menores que a radiação empregada nos exames de angiografia coronária digital, mantendo, ainda, sua excelente resolução espacial(4).

A ressonância magnética também é bom método não invasivo capaz de demonstrar a origem e o trajeto das artérias coronárias, entretanto, possui resolução espacial significativamente inferior comparada aos novos tomógrafos multidetectores, além de seu maior tempo de aquisição(19). A ressonância magnética de 3.0 T tem relação sinal-ruído cerca de duas vezes maior em relação à de 1.5 T, permitindo técnicas com aumento da resolução espacial e encurtamento do tempo de aquisição(20,21).

Métodos diagnósticos funcionais, como cintilografia miocárdica ou ressonância magnética com estresse e ultrassonografia intravascular, podem ser utilizados para avaliação de possível isquemia e/ou fibrose miocárdica associada, auxiliando na decisão terapêutica(1,6).

Tratamento

Há três formas de tratamento: 1) observação/tratamento medicamentoso; 2) angioplastia com colocação de endoprótese; 3) tratamento cirúrgico(1).

O tratamento cirúrgico é geralmente o procedimento de escolha das anomalias coronarianas de origem e de trajeto. Porém, o impacto desta conduta na sobrevida de pacientes adultos ainda é incerto(10).

As anomalias de origem da coronária esquerda têm indicação cirúrgica recomendada por grande número de autores(1,7,10-12). Nas anomalias de origem coronariana direita, o tratamento é mais controverso e costuma ser menos agressivo, dependente de achados clínicos, com estudos demonstrando evolução favorável de alguns pacientes sem tratamento cirúrgico(11).

Segundo recomendações da American College of Cardiology and American Heart Association (ACC/AHA), publicadas em 2008, a revascularização cirúrgica está indicada (classe I) para: 1) anomalia de origem do tronco coronariano esquerdo com trajeto interarterial; 2) anomalia de origem da coronária direita com trajeto interarterial associada a evidência de isquemia miocárdica; 3) evidência de isquemia miocárdica no território da coronária anômala sem outro fator causal evidente(6).

Ainda, segundo recomendações da ACC/AHA, a revascularização cirúrgica poderia ser benéfica (classe IIa) em: 1) casos de estenose significativa demonstrada por ultrassonografia intravascular; 2) hipoplasia vascular; 3) compressão coronariana ou sinais de estenose coronariana, mesmo sem comprovação de isquemia associada(6).

A revascularização cirúrgica com ponte vascular/enxerto é uma técnica amplamente utilizada, podendo ser realizada a ligadura do vaso nativo devido à possibilidade de desenvolvimento de fluxo competitivo neste vaso, com consequente fechamento da ponte vascular/enxerto em alguns casos(22). Outras técnicas descritas incluem: 1) unroofing, ou fenestração do segmento coronariano intramural, considerada técnica simples, segura e com resultados reprodutíveis(23); 2) reimplantação da artéria ectópica no seio coronariano correto (tecnicamente difícil)(1,7,10). Estas podem apresentar resultados melhores em longo prazo, sendo utilizadas em crianças e alguns adultos(22). É também descrita a translocação da artéria pulmonar, para evitar a compressão interarterial(23).

A utilização de endopróteses tem sido descrita principalmente para tratamento de anomalias de origem da coronária direita com estenose do segmento intramural proximal(1).

O tratamento medicamentoso com beta-bloqueadores é controverso e provavelmente tão efetivo quanto o afastamento de atividades físicas extenuantes(1).


CONCLUSÃO

A angiotomografia computadorizada coronária tem-se tornado o método de referência para a avaliação de anomalias coronarianas, sendo fundamental que o radiologista conheça suas variações e importância clínica.


REFERÊNCIAS

1. Angelini P. Coronary artery anomalies: an entity in search of an identity. Circulation. 2007;115:1296-305.

2. Kim SY, Seo JB, Do KH, et al. Coronary artery anomalies: classification and ECG-gated multi-detector row CT findings with angiographic correlation. Radiographics. 2006;26:317-34.

3. Angelini P, Velasco JA, Flamm S. Coronary anomalies: incidence, pathophysiology, and clinical relevance. Circulation. 2002;105:2449-54.

4. Pursnani A, Jacobs JE, Saremi F, et al. Coronary CTA assessment of coronary anomalies. J Cardiovasc Comput Tomogr. 2012;6:48-59.

5. Rabelo DR, Barros MVL, Nunes MCP, et al. Angiotomografia coronariana multislice na avaliação da origem anômala das artérias coronarianas. Arq Bras Cardiol. 2012;98:266-72.

6. Warnes CA, Williams RG, Bashore TM, et al. ACC/AHA 2008 guidelines for the management of adults with congenital heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Develop Guidelines on the Management of Adults With Congenital Heart Disease). J Am Coll Cardiol. 2008;52:e143-263.

7. Nguyen AL, Haas F, Evens J, et al. Sudden cardiac death after repair of anomalous origin of left coronary artery from right sinus of Valsalva with an interarterial course: case report and review of the literature. Neth Heart J. 2012;20:463-71.

8. Shriki JE, Shinbane JS, Rashid MA, et al. Identifying, characterizing and classifying congenital anomalies of the coronary arteries. Radiographics. 2012;32:453-68.

9. Hejmadi A, Sahn DJ. What is the most effective method of detecting anomalous coronary origin in symptomatic patients? J Am Coll Cardiol. 2003;42:155-7.

10. Krasuski RA, Magyar D, Hart S, et al. Long-term outcome and impact of surgery on adults with coronary arteries originating from the opposite coronary cusp. Circulation. 2011;123:154-62.

11. Chandra N, Bastiaenen R, Papadakis M, et al. Sudden cardiac death in young athletes: practical challenges and diagnostic dilemmas. J Am Coll Cardiol. 2013;61:1027-40.

12. Brothers JA, Stephens P, Gaynor JW, et al. Anomalous aortic origin of a coronary artery with an interarterial course: should family screening be routine? J Am Coll Cardiol. 2008;51:2062-4.

13. Fernandes F, Alam M, Smith S, et al. The role of transesophageal echocardiography in identifying anomalous coronary arteries. Circulation. 1993;88:2532-40.

14. Kasprzak JD, Kratochwil D, Peruga JZ, et al. Coronary anomalies diagnosed with transesophageal echocardiography: complementary clinical value in adults. Int J Card Imaging. 1998;14:89-95.

15. Bunce NH, Lorenz CH, Keegan J, et al. Coronary artery anomalies: assessment with free-breathing three-dimensional coronary MR angiography. Radiology. 2003;227:201-8.

16. Katoh M, Wildberger JE, Günther RW, et al. Malignant right coronary artery anomaly simulated by motion artifacts on MDCT. AJR Am J Roentgenol. 2005;185:1007-10.

17. Schmitt R, Froehner S, Brun J, et al. Congenital anomalies of the coronary arteries: imaging with contrast-enhanced, multidetector computed tomography. Eur Radiol. 2005;15:1110-21.

18. Taylor AJ, Cerqueira M, Hodgson JB, et al. ACCF/SCCT/ACR/ AHA/ASE/ASNC/NASCI/SCAI/SCMR 2010 Appropriate use criteria for cardiac computed tomography. A report of the American College of Cardiology Foundation Appropriate Use Criteria Task Force, the Society of Cardiovascular Computed Tomography, the American College of Radiology, the American Heart Association, the American Society of Echocardiography, the American Society of Nuclear Cardiology, the North American Society for Cardiovascular Imaging, the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. J Am Coll Cardiol. 2010;56:1864-94.

19. Datta J, White CS, Gilkeson RC, et al. Anomalous coronary arteries in adults: depiction at multi-detector row CT angiography. Radiology. 2005;235:812-8.

20. Sommer T, Hackenbroch M, Hofer U, et al. Coronary MR angiography at 3.0 T versus that at 1.5T: initial results in patients suspected of having coronary artery disease. Radiology. 2005;234:718-25.

21. Gharib AM, Ho VB, Rosing DR, et al. Coronary artery anomalies and variants: technical feasibility of assessment with coronary MR angiography at 3 T. Radiology. 2008;247:220-7.

22. Hillis LD, Smith PK, Anderson JL, et al. 2011 ACCF/AHA Guideline for coronary artery bypass graft surgery; a report of the American College of Cardiology Foudation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2011;124:e652-735.

23. Davies JE, Burkhart HM, Dearani JA, et al. Surgical management of anomalous aortic origin of a coronary artery. Ann Thorac Surg. 2009;88:844-7.










1. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Membro da Society of Cardiovascular Computed Tomography, Médica Radiologista do Hospital Santa Luzia e do Hospital Coração do Brasil (Rede D'Or São Luiz), Brasília, DF, Brasil
2. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Membro da Society of Cardiovascular Computed Tomography, Médico Radiologista do Hospital Santa Luzia, do Hospital do Coração do Brasil (Rede D'Or São Luiz) e dos Grupos de Imagem Radiológica LifeScan e Padrão Imagens, Brasília, DF, Brasil
3. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médico Radiologista do Hospital Santa Luzia e do Hospital do Coração do Brasil (Rede D'Or São Luiz), Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Priscilla Ornellas Neves
CDI - Hospital Santa Luzia
SHLS, 716, conjunto E, subsolo, Asa Sul
Brasília, DF, Brasil, 70390-902
E-mail: prineves@yahoo.com

Recebido para publicação em 20/1/2014.
Aceito, após revisão, em 17/4/204.

Trabalho realizado no Hospital Santa Luzia e no Hospital do Coração do Brasil (Rede D'Or São Luiz), Brasília, DF, Brasil.
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554