EDITORIAIS
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Autho(rs): Rubens Chojniak |
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Incidentaloma é a denominação médica para tumores assintomáticos encontrados por acidente em exames de imagem. Esses achados são cada vez mais frequentes, à medida que se aumenta a utilização dos exames seccionais de imagem(1). É difícil estabelecer a ocorrência dos incidentalomas, mas sabe-se que podem ser identificados nódulos pulmonares em até 50% dos exames de tomografia computadorizada (TC) de tórax realizados em indivíduos tabagistas e em até 25% dos não tabagistas(2,3). Em colonografias por TC são identificados achados incidentais em até 70% dos pacientes e em TCs de abdome ocorrem achados renais e hepáticos em cerca de 15% dos indivíduos(3-5). São ainda identificados nódulos assintomáticos em até 67% das ultrassonografias da glândula tireoide(3).
Alterações identificadas incidentalmente em exames de imagem podem ser clinicamente relevantes, como aneurismas de aorta, e podem determinar intervenções que modificam a história natural da doença. Todavia, a maioria dos achados incidentais constitui uma forma de sobrediagnóstico. Sobrediagnóstico é o diagnóstico de uma doença que nunca causará sintomas ou a morte do paciente, e é hoje considerado um problema de saúde pública(3,6). São lesões de natureza benigna ou lesões malignas de baixa agressividade. Alguns cânceres não progridem, ou crescem de forma tão lenta que nunca produzirão sintomas nos pacientes, que morrem por outras causas(6). A incerteza e a ansiedade podem levar à adoção automática de medidas investigativas a fim de se estabelecer a natureza de qualquer lesão que possa, mesmo que remotamente, representar um câncer(7). Essas investigações, mesmo imbuídas da melhor das intenções, podem causar morbidade e até a morte em indivíduos portadores de lesões inofensivas(7). Um neurocirurgião pediátrico definiu um novo acrônimo para descrever os riscos relacionados a achados incidentais em imagem: VOMIT - victims of modern imaging technologies(8). Em carta ao editor publicada na revista Radiology, um radiologista, Dr. William J. Casarella, relatou sua experiência pessoal com incidentalomas, que se iniciou com uma colonoscopia virtual indicada em seu exame médico de rotina que nada revelou em seu intestino. Contudo, outros achados desencadearam exames adicionais, biópsia percutânea, videotoracoscopia, alguns dias de internação e semanas de recuperação. A experiência motivou o Dr. Casarella a chamar a atenção de seus pares para os potenciais riscos causados pelos achados incidentais(9). O manejo dos achados incidentais constitui um dilema clínico, mas é também influenciado por diversos outros fatores. Um desses fatores é a questão cultural, a crença popular de que "prevenir é sempre melhor que remediar". A adoção reflexa dessa premissa pode conduzir a situações de dano irremediável causado por investigações excessivas nos portadores de lesões indolentes(7,10). Outro fator de influência no manejo dos incidentalomas seria a prática de medicina defensiva. O medo de "perder" um câncer e ser legalmente responsabilizado pode influenciar as decisões, levando a um número maior de investigações. A sociedade parece estar mais atenta à falta do que ao excesso de cuidado e intervenção(7,10). Certamente os interesses econômicos de empresas de equipamentos, hospitais e médicos, além do modelo de remuneração de serviços de saúde, não podem ser subestimados como um peso nessa balança(10). O que então podemos fazer diante deste cenário? Uma vez que os incidentalomas são entidades eminentemente radiológicas, o parecer emitido pelo radiologista a respeito de um achado incidental é de fundamental importância nas decisões que se seguirão e pode interferir fortemente neste cenário. Devemos inicialmente, como sempre fizemos, conhecer essa entidade: a ocorrência desses achados, o espectro de diagnósticos possíveis, suas respectivas prevalências, aspectos radiológicos e comportamento biológico(10,11). Radiologistas mais experientes ou especialistas de áreas tendem a indicar um número menor de exames adicionais para a investigação de achados incidentais(12-14). Consistência também é uma forma de aumentar a confiança da comunidade médica nos pareceres radiológicos. As taxas de recomendação para exames adicionais variam muito entre as instituições e também entre os radiologistas atuando numa mesma instituição(12-15). A adoção de diretrizes de investigação aproxima os padrões de atuação, oferecendo maior segurança na decisão por não investigar um achado incidental(12). Vários autores e sociedades médicas têm iniciativas de padronização para o manejo de incidentalomas. Podemos citar as diretrizes da Fleischner Society para nódulos pulmonares assintomáticos detectados em exames de TC(16), e a iniciativa do Colégio Americano de Radiologia (ACR), que organizou um comitê para achados incidentais e publicou diretrizes de manejo para a maioria dos achados incidentais abdominais. O ACR recomenda ainda que esses fluxogramas estejam facilmente acessíveis aos radiologistas durante a elaboração de seus laudos(17). E, por último, podemos desafiar a cultura de que prevenir é sempre melhor que remediar toda vez que estivermos diante de uma situação em que o risco de perder um câncer for menor que aquele causado ao investigar lesões benignas e indolentes comuns. Podemos, portanto, emitir opiniões que incluam o conceito de risco/benefício, evitando causar dano a quem tem saúde. REFERÊNCIAS 1. Brenner DJ, Hricak H. Radiology exposure from medical imaging: time to regulate? JAMA. 2010;304:208-9. 2. Wiener RS, Schwartz LM, Woloshin S, et al. Population-based risk for complications after transthoracic needle lung biopsy of a pulmonary nodule: an analysis of discharge records. Ann Intern Med. 2011;155:137-44. 3. Welch HG, Schwartz LM, Woloshin S. We stumble onto incidentalomas that might be cancer. In: Welch HG, Schwartz LM, Woloshin S, editors. Overdiagnosed: making people sick in the pursuit of health. Boston: Beacon Press; 2011. p. 90-101. 4. Lieberman DA. Clinical practice. Screening for colorectal cancer. N Engl J Med. 2009;361:1179-87. 5. Orme NM, Fletcher JG, Siddiki HA, et al. Incidental findings in imaging research: evaluating incidence, benefit, and burden. Arch Intern Med. 2010;170:1525-32. 6. Esserman LJ, Thompson IM Jr, Reid B. Overdiagnosis and overtreatment in cancer: an opportunity for improvement. JAMA. 2013;310:797-8. 7. Heath I. Role of fear in overdiagnosis and overtreatment - an essay by Iona Heath. BMJ. 2014;349:g6123. 8. Hayward R. VOMIT (victims of modern imaging technology) - an acronym for our times. BMJ. 2003;326:1273. 9. Casarella WJ. A patient's viewpoint on a current controversy. Radiology. 2002;224:927. 10. Moynihan R, Doust J, Henry D. Preventing overdiagnosis: how to stop harming the healthy. BMJ. 2012;344:e3502. 11. Brown SD. Professional norms regarding how radiologists handle incidental findings. J Am Coll Radiol. 2013;10:253-7. 12. Johnson PT, Horton KM, Megibow AJ, et al. Common incidental findings on MDCT: survey of radiologist recommendations for patient management. J Am Coll Radiol. 2011;8:762-7. 13. Sistrom CL, Dreyer KJ, Dang PP, et al. Recommendations for additional imaging in radiology reports: multifactorial analysis of 5.9 million examinations. Radiology. 2009;253:453-61. 14. Ip IK, Mortele KJ, Prevedello LM, et al. Focal cystic pancreatic lesions: assessing variation in radiologists' management recommendations. Radiology. 2011;259: 136-41. 15. Eisenberg RL, Bankier AA, Boiselle PM. Compliance with Fleischner Society guidelines for management of small lung nodules: a survey of 834 radiologists. Radiology. 2010;255:218-24. 16. MacMahon H, Austin JH, Gamsu G, et al. Guidelines for management of small pulmonary nodules detected on CT scans: a statement from the Fleischner Society. Radiology. 2005;237:395-400. 17. Berland LL, Silverman SG, Gore RM, et al. Managing incidental findings on abdominal CT: white paper of the ACR incidental findings committee. J Am Coll Radiol. 2010;7:754-73. Diretor do Departamento de Imagem do A.C.Camargo Cancer Center, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: chojniak@accamargo.org.br |