Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2015

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 264 to 265



Dactilose espontânea (ainhum)

Autho(rs): Ronaldo Garcia Rondina; Ricardo Andrade Fernandes de Mello; Gabriel Antônio de Oliveira; Laís Bastos Pessanha; Luiz Felipe Alves Guerra; Diego Lima Nava Martins

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Texto em Português English Text

Sr. Editor,

Paciente do sexo feminino, 76 anos de idade, branca, com reabsorção óssea nos quintos pododáctilos. Há três anos apresentou intensa dor e edema local. Radiografia convencional (Figura 1) mostrou estreitamento e osteólise das quintas falanges médias e distais, mais acentuados à esquerda, associados a redução focal e concêntrica da espessura das partes moles nas raízes destes dedos. Devido à intensa dor local, a paciente foi submetida a amputação cirúrgica dos quintos dedos dos pés, havendo desaparecimento dos sintomas.


Figura 1. Radiografia dos pés em anteroposterior dois anos após o início dos sintomas. Além do estreitamento e osteólise das quintas falanges médias e distais, sobretudo à esquerda, observam-se alterações degenerativas incidentais na articulação metatarsofalângica do hálux direito.



Várias condições espontaneamente dolorosas nos membros superiores e inferiores, especialmente em suas extremidades, têm sido observadas e relatadas no Brasil(1-5).

Dactilose espontânea (DE), também conhecida como "ainhum", é uma rara doença que ocorre principalmente em indivíduos afrodescendentes do sexo masculino (2:1) com idade entre 30 e 50 anos(6). O termo "ainhum", de origem angolana, significa "serrar". O primeiro relato de caso de DE no Brasil foi de um quilombola na Bahia, tendo sido descrito por Silva Lima em 1867(7). A prevalência de DE varia de 0,015% a 2% da população em alguns países africanos. Sua prevalência no Brasil ainda não foi estudada.

A literatura relata poucos casos de DE em brancos(8). No Brasil, país de população miscigenada, é possível uma incidência maior desta doença em pessoas de pele clara, mas com alguma ascendência africana, nem sempre evidente no fenótipo.

A principal característica da DE é a formação de um anel fibroso constritivo envolvendo a base de um ou mais pododáctilos, condicionando eversão e absorção das estruturas distais, podendo evoluir para amputação espontânea(9). Recentemente, um caso de DE em quirodáctilos foi relatado(9).

As alterações radiográficas são características e podem ser divididas em quatro fases. A primeira é caracterizada pela formação de um sulco profundo com início ao longo do aspecto medial da porção distal da falange proximal, às vezes dando um aspecto de "ampulheta". A segunda fase evolui com aumento do volume distal à banda constritiva, secundário ao linfedema. A terceira fase é caracterizada por absorção óssea progressiva e a quarta, por amputação espontânea, que ocorre em média com quatro a seis anos de evolução(9).

O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras condições que podem levar à formação de anéis fibrosos constritivos, como poroceratose de Mibelli, protoporfiria eritropoiética, esclerodermia, psoríase, plica neuropática, hanseníase, sífilis, doença de Raynaud, diabetes mellitus e siringomielia. Há ainda o pseudoainhum factício, causado por torniquetes(9).

Não há tratamento bem estabelecido para a DE. Excisão do sulco seguida por z-plastia pode aliviar a dor e evitar autoamputação nos estágios iniciais(6). Amputação cirúrgica pode ser recomendada para alívio dos sintomas(10).

A DE é uma doença rara e seu diagnóstico é dificultado pela sua baixa prevalência e apresentação clínica variável. A avaliação radiológica permite o diagnóstico precoce, podendo prevenir a autoamputação.


REFERÊNCIAS

1. Machado BB, Lima CMAO, Junqueira FP, et al. Magnetic resonance imaging in intersection syndrome of the forearm: iconographic essay. Radiol Bras. 2013;46:117-21.

2. Silveira RB, Lopes FAR, Reis ALB, et al. Dysplasia epiphysealis hemimelica (Trevor-Fairbank disease): case report. Radiol Bras. 2013;46:59-60.

3. Alves MPT, Fonseca COP, Granjeiro JM, et al. Carpal tunnel syndrome: comparative study between sonographic and surgical measurements of the median nerve in moderate and severe cases of disease. Radiol Bras. 2013;46:23-9.

4. Bayerl JS, Oliveira ARN, Peçanha PM, et al. Osteomyelitis of the wrist in a patient with disseminated paracoccidioidomycosis: a rare presentation. Radiol Bras. 2012;45:238-40.

5. Arend CF. Tenosynovitis and synovitis of the first extensor compartment of the wrist: what sonographers should know. Radiol Bras. 2012;45:219-24.

6. Tyring SK, Lupi O, Hengge UR. Tropical dermatology. 1st ed. Georgetown: Landes Bioscience; 2001.

7. Silva Lima JF. Ainhum. Molestia ainda não descripta, peculiar à raça ethiopica e affectando os dedos mínimos dos pés. Gaz Med Bahia. 1867;2:146-72.

8. Bertoli CL, Stassi J, Rifkin MD. Ainhum - an unusual presentation involving the second toe in a white male. Skeletal Radiol. 1984;11:133-5.

9. de Araujo DB, Lima SM, Giorgi RD, et al. Ainhum (dactylolysis spontanea): a case with hands and feet involvement. J Clin Rheumatol. 2013;19:277-9.

10. Olivieri I, Piccirillo A, Scarano E, et al. Dactylolysis spontanea or ainhum involving the big toe. J Rheumatol. 2005;32:2437-9.










Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Ronaldo Garcia Rondina
Rua Júlio Cesar de Oliveira Serrano, 135, ap. 302, Bl. 03, Mata da Praia
Vitória, ES, Brasil, 29065-720
E-mail: r.rondina@gmail.com
 
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