Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2015

CARTA AO EDITOR
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Page(s) 267 to 268



Demência por doença de Creutzfeldt-Jakob

Autho(rs): Fabiano Reis; Ana Laura Gatti Palma; Ricardo Schwingel; Hélio Henrique Jorge Torres; Mariana Mari Oshima; Luciano Souza Queiroz; Fábio Rogério

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Texto em Português English Text

Sr. Editor,

Mulher, 72 anos de idade, com demência rapidamente progressiva, mudança de comportamento e distúrbio de marcha há sete meses, sinais extrapiramidais e mioclonia difusa. Eletroencefalograma demonstrou atividade periódica com ondas de fase aguda de grande amplitude, difusamente distribuídas no córtex. Líquido cefalorraquiano normal. Foi realizada ressonância magnética (RM) (Figura 1).


Figura 1. A: Imagem axial de ressonância magnética do crânio demonstrando focos de hipersinal na sequência ponderada em difusão nas cabeças dos núcleos caudados, putâmens, tálamos e giros occipitotemporais mediais. B: O baixo sinal no mapa de ADC na mesma região confirma a restrição à difusão.



A associação dos achados clínicos, radiológicos, eletroencefalográficos ou liquóricos (presença da proteína 14-3-3, em indivíduo doente há menos de dois anos – ausente neste caso), permite o diagnóstico de doença de Creutzfeldt-Jakob provável. O diferencial se faz com outras doenças associadas a demências: a) doença de Alzheimer, que não apresenta essas alterações encontradas nas ponderações em difusão; b) demência vascular, com múltiplos infartos, mas com anormalidades na difusão apenas nos infartos recentes, e sem envolvimento cortical difuso; c) outras encefalopatias, que apresentam alterações na difusão restritas ao córtex, como MELAS (mitochondrial myopathy, encephalopathy, lactic acidosis and stroke-like episodes, doença genética metabólica que ocorre em pacientes mais jovens), encefalopatia hipertensiva venosa e encefalite crônica pelo vírus herpes simplex.

A mais frequente das raras doenças priônicas, a doença de Creutzfeldt-Jakob é uma encefalopatia espongiforme subaguda que se apresenta com demência rapidamente progressiva. Associam-se mioclonias, sinais piramidais, extrapiramidais e cerebelares. Nos seis primeiros meses há sintomas psiquiátricos e, tardiamente, imobilidade progressiva, cegueira cortical, disfagia e mutismo. A morte geralmente ocorre após um ano, pois ainda não há terapia que evite desfecho fatal(1). É subdividida nas formas esporádica (85% dos casos), familiar, iatrogênica e numa variante menos comum recentemente descrita, relacionada a epidemia de encefalopatia espongiforme bovina(2).

O líquido cefalorraquiano pode apresentar a proteína 14-3-3, presente também em outras encefalopatias agudas. O eletroencefalograma pode mostrar atividade periódica composta de ondas de alta frequência trifásicas sobre atividade de fundo atenuada.

À RM ocorre sinal hiperintenso em T2 e FLAIR, nos núcleos da base, putâmen e, tardiamente, no córtex cerebral(1,3). Essas alterações sugerem doença de Creutzfeldt-Jakob, mais do que qualquer outro transtorno demencial(4).

Exames com técnicas convencionais, no entanto, podem ser normais nos estágios iniciais. A sequência de difusão pode favorecer o diagnóstico precoce, demonstrando focos anormais hiperintensos antes do surgimento de alterações eletroencefalográficas, e deve ser incluída na avaliação diante da suspeita de doença de Creutzfeldt-Jakob(1,4,5). Há restrição à difusão, provavelmente associada ao edema citotóxico secundário à degeneração espongiforme e ao acúmulo de vacúolos citoplasmáticos anormais. Atrofia global é observada na progressão da doença, sendo, em geral, a única alteração evidenciada na tomografia computadorizada(1,4,6).

A análise histopatológica (Figura 2A) mostrou alterações espongiformes de intensidade variável no neurópilo, mais acentuadas no núcleo caudado, putâmen e na região CA1 do hipocampo, moderadas no córtex frontal e temporal e leves no córtex parietal e occipital. A imuno-histoquímica mostrou gliose (Figura 2B). Estes resultados são compatíveis com o diagnóstico definitivo de doença de Creutzfeldt-Jakob. A distribuição das lesões, a ausência de casos semelhantes na família e de fonte infecciosa conhecida são compatíveis com a forma esporádica da doença(4,7). Este diagnóstico é relevante para o controle de transmissão e para exclusão de causas tratáveis de demência(1,8).


Figura 2. A: Corte no núcleo caudado demonstrando abundantes pequenos vacúolos oticamente vazios na substância cinzenta. A arquitetura característica do núcleo caudado é evidenciada por tratos paralelos de substância branca através da substância cinzenta (hematoxilina-eosina, 100×). B: Imuno-histoquímica para GFAP demonstrando astrócitos reativos, achado compatível com encefalopatia espongiforme (400×).



REFERÊNCIAS

1. Macfarlane RG, Wroe SJ, Collinge J, et al. Neuroimaging findings in human prion disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2007;78:664-70.

2. Venneti S. Prion diseases. Clin Lab Med. 2010;30:293-309.

3. Meissner B, Kallenberg K, Sanchez-Juan P, et al. MRI lesion profiles in sporadic Creutzfeldt-Jakob disease. Neurology. 2009;72:1994-2001.

4. Ukisu R, Kushihashi T, Tanaka E, et al. Diffusion-weighted MR imaging of early-stage Creutzfeldt-Jakob disease: typical and atypical manifestations. Radiographics. 2006;26 Suppl 1:S191-204.

5. Shiga Y, Miyazawa K, Sato S, et al. Diffusion-weighted MRI abnormalities as an early diagnostic marker for Creutzfeldt-Jakob disease. Neurology. 2004;63:443-9.

6. Manners DN, Parchi P, Tonon C, et al. Pathologic correlates of diffusion MRI changes in Creutzfeldt-Jakob disease. Neurology. 2009;72:1425-31.

7. Head MW. Human prion diseases: molecular, cellular and population biology. Neuropathology. 2013;33:221-36.

8. Vitali P, Maccagnano E, Caverzasi E, et al. Diffusion-weighted MRI hyperintensity patterns differentiate CJD from other rapid dementias. Neurology. 2011;76:1711-9.










Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Fabiano Reis
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Radiologia
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz. Caixa Postal: 6111
Campinas, SP, Brasil, 13083-887
E-mail: fabianoreis2@gmail.com
 
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