Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 48 nº 3 - Maio / Jun.  of 2015

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 181 to 191



Tuberculose abdominal: uma revisão radiológica com ênfase em achados de tomografia computadorizada e ressonância magnética

Autho(rs): Eduardo Lima da Rocha1; Bruno Cheregati Pedrassa1; Renata Lilian Bormann1; Marcelo Longo Kierszenbaum1; Lucas Rios Torres2; Giuseppe D'Ippolito3

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Texto em Português English Text

Descritores: Tuberculose; Abdome; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética.

Keywords: Tuberculosis; Abdomen; Computed tomography; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
A tuberculose é uma doença que vem crescendo, principalmente em consequência da infecção por HIV e do uso de drogas imunossupressoras. O abdome é o foco extrapulmonar mais comum de tuberculose. Pode ser confundida com diversas condições, como doença intestinal inflamatória, neoplasias e outras doenças infecciosas. O retardo no diagnóstico pode resultar em um aumento significativo da morbidade, sendo essencial o seu reconhecimento precoce para o tratamento adequado. Neste estudo avaliamos, por meio de tomografia computadorizada e ressonância magnética, casos com diagnóstico confirmado de tuberculose abdominal, demonstrando o acometimento de diversos órgãos e sistemas, e apresentações que podem levar o radiologista a um dilema diagnóstico. Uma breve revisão da literatura foi realizada enfocando os achados já descritos e a sua prevalência.

Abstract:
Tuberculosis is a disease whose incidence has increased principally as a consequence of HIV infection and use of immunosuppressive drugs. The abdomen is the most common site of extrapulmonary tuberculosis. It may be confused with several different conditions such as inflammatory bowel disease, cancer and other infectious diseases. Delay in the diagnosis may result in significantly increased morbidity, and therefore an early recognition of the condition is essential for proper treatment. In the present essay, cases with confirmed diagnosis of abdominal tuberculosis were assessed by means of computed tomography and magnetic resonance imaging, demonstrating the involvement of different organs and systems, and presentations which frequently lead radiologists to a diagnostic dilemma. A brief literature review was focused on imaging findings and their respective prevalence.

INTRODUÇÃO

A tuberculose é responsável por cerca de 1,7 milhão de mortes anualmente em todo o mundo e o número de novos casos (mais de 9 milhões) é o maior de toda a história(1). A tuberculose está reconhecidamente associada a pobreza, privação e imunodeficiência(2).

Os pulmões são os principais órgãos acometidos e o comprometimento abdominal ocorre em cerca de 11-12% dos pacientes com tuberculose extrapulmonar(3-5). No Brasil, segundo dados recentes do Datasus (www.datasus.gov.br), a taxa de incidência de tuberculose, incluindo todas as suas formas, no ano de 2010, foi 37,57 para 100.000 habitantes, enquanto a forma extrapulmonar teve taxa de incidência de 5,28. Em 2010, ocorreram no Brasil 71.658 novos casos de tuberculose, considerando-se todas as formas, e 10.071 de tuberculose extrapulmonar.

A forma abdominal pode envolver diversas estruturas como o trato gastrintestinal, trato geniturinário, órgãos sólidos (fígado, baço, pâncreas), vesícula biliar, aorta e seus ramos, peritônio e linfonodos, ocorrendo frequentemente acometimento concomitante destes órgãos(6,7).

A doença pode mimetizar várias outras condições como linfoma, doença de Crohn, amebíase, adenocarcinoma, dentre outras. Os achados de imagem não são patognomônicos, mas podem ser altamente sugestivos quando considerados em conjunto com apresentação clínica, estado imunológico e origem demográfica do paciente(7).

A tuberculose abdominal pode acometer praticamente qualquer órgão intracavitário e cursa com sintomas bastante inespecíficos. Em uma série de 49 pacientes com tuberculose abdominal, Sinan et al.(8) estratificaram de forma detalhada os principais sintomas e achados de imagem. Febre (75%), dor abdominal (65%) e perda de peso (36%) tiveram maior prevalência que os demais sinais e sintomas. A peritonite (38%) foi o principal achado tomográfico, seguida de doença linfonodal (23%), comprometimento do trato gastrintestinal (19%) e órgãos sólidos (10%). A forma difusa de comprometimento linfonodal foi a mais comum (48%). No trato gastrintestinal, o íleo terminal e a região ileocecal foram os mais comprometidos (50%). Fígado e baço apresentaram maior acometimento dentre os órgãos sólidos (70%).

O objetivo deste trabalho é revisar e ilustrar as principais formas de apresentação da tuberculose abdominal, por meio de imagens obtidas em exames de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM).


PERITÔNIO

A tuberculose peritoneal é a forma mais comum de tuberculose abdominal(7,8) e inclui a cavidade peritoneal, o mesentério e o omento(7). Acredita-se que sua origem seja hematogênica, mas pode ser secundária a rotura linfonodal, disseminação gastrintestinal ou envolvimento tubário(9). Mais provavelmente, é o resultado da rotura de linfonodos mesentéricos comprometidos por disseminação hematogênica de um foco primário distante (usualmente pulmonar). Outras vias de disseminação aceitas são a extensão direta e a linfática. Raramente resulta de infecção do trato geniturinário(10).

Apesar de certa dificuldade em diferenciar as suas diversas formas de apresentação (e com considerável sobreposição entre os padrões observados), a tuberculose peritoneal é classicamente dividida, em função dos seus aspectos macroscópicos, em três tipos: seca, molhada e fibrótica(7,9,11-13). O tipo molhado (Figura 1) manifesta-se notadamente por ascite livre ou loculada, podendo ou não estar associado a espessamento peritoneal liso e difuso; no tipo seco predominam o espessamento peritoneal e mesentérico com nódulos caseosos, linfonodomegalias e adesões fibrosas; por sua vez, o tipo fibrótico (Figura 2) caracteriza-se por acentuado espessamento omental e um emaranhado de alças intestinais, dando aspecto clínico de uma massa, ocasionalmente com ascite loculada e que pode se assemelhar a carcinomatose peritoneal(7,14).


Figura 1. Peritonite "molhada" em paciente do sexo feminino, 27 anos de idade. RM ponderada em T2 no plano axial (A) demonstra ascite volumosa com múltiplos septos finos. RM ponderada em T1 após injeção intravenosa de gadolínio (B) mostra espessamento difuso liso e regular do peritônio (setas).


Figura 2. Peritonite fibrótica. RM ponderada em T2 com supressão de gordura mostra espessamento omental (seta estreita) e peritoneal difuso (seta larga) associado a conglomerado de alças intestinais ocupando a escavação pélvica (cabeça de seta).



A ascite livre ou loculada pode estar presente em 30-100% dos casos e a densidade tomográfica é variável (20-45 UH), dependendo da fase da doença. Apenas 3% dos pacientes apresentam o tipo seco da peritonite por tuberculose. A presença de nível lipo-hídrico, em associação com linfonodos necróticos, é altamente específica para ascite tuberculosa(6).

O omento pode estar alterado em até 80% dos casos, notadamente com três padrões de apresentação: densificação difusa, aspecto nodular e conformação "em bolo". O primeiro é o mais comum (Figura 2), enquanto o padrão "em bolo", caracterizado por espessamento e densificação da gordura omental, configurando uma massa e semelhante ao omental cake, é o menos frequente, ocorrendo em menos de 20% dos casos, sendo mais característico da carcinomatose peritoneal, em que ocorre em até 40% dos casos(6,14).

A doença mesentérica é uma anormalidade comum já nos estádios iniciais da tuberculose peritoneal, podendo ser demonstrada em até 98% dos casos pela TC(14). Varia de um envolvimento leve (estrias lineares, ingurgitamento vascular, aparência "estrelada", densificação gordurosa) a um mais extenso (infiltração difusa dos folhetos mesentéricos). Abscessos mesentéricos resultam provavelmente de extensão de processo caseoso de grandes massas linfonodais(13). Estrias espessas com ingurgitamento vascular compõem o aspecto mais comum (65%), seguido pelo padrão nodular (29%)(14).

O diagnóstico da tuberculose peritoneal continua desafiador em razão da variedade de apresentações clínicas, resultados laboratoriais inespecíficos e sobreposição de achados de imagem com outras doenças, especialmente com a carcinomatose peritoneal, cujo tratamento e prognóstico divergem completamente. Dessa forma, os achados tomográficos mais comumente encontrados na tuberculose peritoneal são: a) ascite (entre 70% e 90% dos casos); b) espessamento peritoneal notadamente liso e com expressivo realce após injeção intravenosa do meio de contraste; c) densificação dos planos adiposos da raiz do mesentério, o que pode ocorrer em até 70% dos casos; d) linfonodomegalia com áreas de necrose central ou calcificação(6,14,15).

Por outro lado, na carcinomatose peritoneal observam-se mais frequentemente: a) espessamento multinodular e irregular do peritônio; b) linfonodomegalia homogênea e retroperitoneal; c) omental cake, como já citado(6,15).

O sinal tomográfico mais útil para diferenciar a tuberculose peritoneal da carcinomatose peritoneal é o aspecto do espessamento peritoneal, que na primeira é liso e regular e na segunda é, frequentemente, nodular e irregular(6).

A peritonite não tuberculosa (por exemplo: peritonite bacteriana), o pseudomixoma peritoneal e o mesotelioma compõem o espectro dos principais diagnósticos diferenciais da tuberculose peritoneal(9,11,12,15).


LINFONODOS

O acometimento linfonodal está usualmente associado à tuberculose gastrintestinal e menos comumente à forma peritoneal e de órgãos sólidos, porém, pode ser o único sinal de doença, especialmente na região periportal(16). As cadeias linfonodais mais comumente envolvidas (mesentérica, celíaca, porta hepatis e peripancreática) podem ser explicadas pela drenagem linfática da região ileocecal, jejuno, íleo e cólon direito após ingestão de material contaminado(16).

O padrão da doença linfonodal é variável, sendo mais frequentemente observado aumento volumétrico (40-60%) com centro hipoatenuante e periferia hiperatenuante após injeção intravenosa do meio de contraste na TC, o que é característico, mas não patognomônico, de necrose caseosa (Figura 3)(9). Linfoma, metástase, infecção piogênica e doença de Whipple são os principais diagnósticos diferenciais(11,16). Outros padrões de acometimento linfonodal são o aumento numérico, porém não volumétrico, grandes conglomerados e aglomerados localizados de linfonodos (Figura 4)(16).


Figura 3. Doença linfonodal tuberculosa em paciente do sexo masculino com 54 anos de idade. Múltiplos linfonodos aumentados na raiz mesentérica e periaórticos. Linfonodo aumentado, com centro necrótico (seta em A). Notam-se também calcificações linfonodais grosseiras (seta em B).


Figura 4. Doença linfonodal tuberculosa em paciente do sexo masculino com 55 anos de idade. Múltiplas linfonodomegalias (setas) com centro necrótico em cadeias periaórtica, pericaval e interaortocaval. Notam-se ainda grandes abscessos tuberculosos em ambos os músculos psoas (P) e pequena ascite (asterisco).


TRATO GASTRINTESTINAL

A forma intestinal não é infrequente na tuberculose abdominal(16). Existem alguns mecanismos que podem promover o envolvimento do intestino pela doença: ingestão de material contaminado na tuberculose pulmonar ativa, reativação de um foco intestinal quiescente resultante de disseminação hematogênica na infância, disseminação hematogênica na forma ativa da tuberculose ou extensão direta a partir de outros órgãos(17).

A tuberculose pode envolver qualquer segmento do trato gastrintestinal, porém existe preponderância pela válvula ileocecal, íleo terminal e ceco(7,12,16,18), o que ocorre em até 90% dos casos de tuberculose intestinal (Figura 5A)(9,12,16).


Figura 5. A: Tuberculose de ceco e cólon ascendente. Notam-se acentuado espessamento parietal irregular, redução luminal e densificação dos planos gordurosos adjacentes no nível do ceco, segmento mais frequentemente acometido por tuberculose, junto à região da válvula ileocecal e cólon ascendente. B: Tuberculose de reto em um outro paciente. Os cortes tomográficos demonstram espessamento focal irregular, redução luminal e densificação dos planos gordurosos adjacentes no nível do reto, segmento dificilmente acometido por tuberculose. Esta lesão se assemelha a envolvimento neoplásico.



Os principais achados de imagem na tuberculose intestinal são espessamento parietal simétrico ou assimétrico, compressão extrínseca por linfonodomegalias, que por sua vez podem configurar massas heterogêneas quando associadas a alças aderentes, e espessamento mesentérico(16).

A apresentação clínica da tuberculose de reto é mais rara e diferente da observada nos segmentos proximais. Hematoquezia (88%) e constipação (37%) são os sintomas mais comuns. O estreitamento luminal é usualmente significativo, de extensão variável, com áreas de ulceração profunda e mais comumente localizado cerca de 10 cm da borda anal (Figura 5B). Fibrose proeminente, associada a inflamação retal, pode aumentar o espaço pré-sacral(19). Estudo publicado por Nagi et al.(18) revelou incidência de envolvimento colorretal isolado de 10,8% numa série de 684 pacientes acometidos por tuberculose gastrintestinal, ao longo de dez anos, apesar de grandes séries publicadas anteriormente revelarem incidência entre 3% e 9%, sendo escassos os casos de envolvimento retal isolado(18).

Perfurações (Figura 6) e fístulas são as complicações gastrintestinais mais frequentes da tuberculose, com incidência de 7,6%, sendo os locais mais comuns o intestino delgado, seguido do cólon(20), além das complicações vasculares, intussuscepção e obstrução do intestino delgado(7).


Figura 6. Paciente do sexo feminino, 25 anos de idade, apresentando perfuração intestinal secundária a tuberculose intestinal e produzindo volumosa coleção intracavitária (seta).



O diagnóstico diferencial da tuberculose intestinal varia com o grau e padrão de acometimento e inclui doença de Crohn, linfoma, amebíase e adenocarcinoma. O comprometimento pulmonar na radiografia de tórax pode auxiliar no raciocínio diagnóstico, apesar de estar ausente em até 50-60% dos casos(7,16).


FÍGADO E VIAS BILIARES

A tuberculose hepática isolada é rara e está usualmente associada ao acometimento concomitante de outros órgãos(21). Por outro lado, a prevalência de acometimento hepático em autópsias de pacientes com tuberculose disseminada é de 80-100%(16,21).

As manifestações podem ser divididas em dois tipos: miliar e macronodular. A primeira (Figura 7) está associada à via de disseminação hematogênica e, por isso, ao acometimento difuso do fígado(4,21). Ocorre aumento hepático difuso e, apesar da elevação das enzimas hepáticas, dilatação biliar pode não ser evidente devido à predominância de acometimento de ductos de pequeno calibre(21). Está mais comumente relacionada à tuberculose pulmonar também do tipo miliar(4,21).


Figura 7. Tuberculose hepática miliar. Imagem de RM no plano axial, ponderada em T1 com supressão de gordura e após injeção intravenosa de gadolínio, identifica múltiplos e pequenos nódulos hipovasculares, não detectáveis em exame de controle após instituída terapia pertinente.



A forma macronodular (Figura 8) é mais rara, está menos frequentemente associada à forma pulmonar e está relacionada a disseminação pela veia porta(4,21). Calcificações podem surgir na fase crônica(7,9,16). Na TC observam-se lesões com diâmetro entre 1 e 3 cm ou massa única em fígado difusamente aumentado. Na RM as lesões têm baixo sinal e mínimo realce periférico, com aspecto em "favo de mel" na forma miliar, nas sequências ponderadas em T1 (Figura 7). Nas sequências ponderadas em T2 as lesões são hipointensas, com halo menos hipointenso em relação ao parênquima hepático circundante(12).


Figura 8. Tuberculose hepática macronodular. TC de abdome com meio de contraste intravenoso demonstra presença de nódulos hipovasculares nos lobos esquerdo (A) e direito (B).



O diagnóstico diferencial da forma micronodular inclui metástases, infecção fúngica, sarcoidose e linfoma(12); o da forma macronodular é feito principalmente com abscesso e metástase(12,16,21).

O comprometimento da árvore biliar pela tuberculose é ainda mais raro e sua incidência anual é estimada em 0,1%(22). Pode ser um acometimento primário, com estenose de pequenos ductos, ou secundário a compressão por granulomas hepáticos, muitas vezes dificultando a diferenciação com colangite esclerosante primária e colangiocarcinoma(21).

A vesícula biliar é muito raramente envolvida. Espessamento mural, septos irregulares e linfadenopatia podem ser encontrados. Não existe uma apresentação típica, podendo ser bastante variável(23). O diagnóstico é normalmente feito pela histopatologia(7).


BAÇO

A tuberculose esplênica está habitualmente associada à forma disseminada da tuberculose miliar e, apesar de reportada em até 80-100% das autópsias de pacientes com tuberculose disseminada, é bem menos frequentemente identificada por métodos de imagem(24). Entretanto, numa série recente foi relatada taxa de envolvimento esplênico diagnosticado por métodos de imagem (ultrassonografia, TC ou RM) de 45,8% em casos de tuberculose disseminada(24).

Assim como no fígado, existem dois tipos de apresentação da tuberculose do baço: a miliar e a macronodular. A primeira (Figura 9A), mais comum, manifesta-se usualmente apenas como esplenomegalia moderada, porém diminutas lesões hipodensas podem ser observadas na TC. A forma macronodular (Figura 9B) é extremamente rara e é vista como nódulos múltiplos ou solitários, redondos ou ovalados, e de aspecto variável, tanto na TC como na RM, o que pode refletir diferentes estádios da doença. Nas sequências ponderadas em T1 após infusão de meio de contraste nota-se realce periférico ou, menos comumente, realce gradual e progressivo(24).


Figura 9. A: Tuberculose esplênica miliar. TC com meio de contraste intravenoso mostra diminutos nódulos hipoatenuantes distribuídos aleatoriamente no baço. B: Tuberculose esplênica macronodular. TC com meio de contraste intravenoso revela nódulo único e periférico no baço.



O diagnóstico diferencial de múltiplas lesões esplênicas focais inclui linfoma, sarcoma de Kaposi, metástases, sarcoidose, angiomatose bacilar, abscessos fúngicos piogênicos, histoplasmose e infecções disseminadas por Mycobaterium avium-intracellulare e Pneumocystis carinii(9,16,24).


PÂNCREAS

Apesar de o comprometimento pancreático pela tuberculose ser raramente identificado em exames de imagem, foi relatada, em pelo menos uma série na literatura, uma prevalência de 8,3% de envolvimento pancreático em 384 pacientes com diagnóstico de tuberculose abdominal. As alterações descritas incluem aumento das dimensões do pâncreas (Figura 10), coleções hipodensas ou massas complexas intrapancreáticas, além de linfadenopatia peripancreática(25).


Figura 10. Tuberculose pancreática. TC identifica leve aumento das dimensões do órgão e perda dos contornos lobulados habitualmente vistos no pâncreas.



SUPRARRENAIS

As glândulas suprarrenais não são um sítio raro de acometimento pela tuberculose(26), sendo esta a principal causa de insuficiência suprarrenal (doença de Addison)(26).

A tuberculose suprarrenal manifesta-se por aumento das dimensões (Figura 11A), necrose central e calcificações (Figura 11B) unilaterais ou bilaterais(11,12,26). O aumento das glândulas suprarrenais também é visto em pacientes com tuberculose renal(11). Atrofia e calcificações podem ser observadas em pacientes previamente tratados(11,26).


Figura 11. Tuberculose adrenal. A: TC mostra hiperplasia de ambas as adrenais. B: Em outro paciente, a adrenal direita encontra-se calcificada, exemplificando a fase crônica da doença. (Imagem gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Valdair Muglia – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).



No diagnóstico diferencial radiológico incluem-se metástase, linfoma, neoplasia primária, blastomicose(27) e hemorragia(26).


RINS

Apesar de a tuberculose renal usualmente ser resultado de disseminação hematogênica com origem nos pulmões, menos de 50% dos pacientes apresentam evidências radiológicas de tuberculose pulmonar e apenas 10% têm doença ativa(28). A tuberculose renal é usualmente uma sequela de uma infecção pulmonar primária que pode ter ocorrido há vários anos. O bacilo fica alojado na junção corticomedular, forma granulomas na papila que permanecem estáveis por longos períodos, e quando reativados, promovem a disseminação medular, causando papilite(28).

Edema tecidual localizado e vasoconstrição, causados pela inflamação em atividade, resultam em uma hipoperfusão local identificável na TC e na RM(26). A deformidade calicinal é o achado inicial(28). Nódulos parenquimatosos múltiplos ou solitários (Figura 12) sem envolvimento do trato urinário são uma manifestação rara e que pode mimetizar neoplasias(26).


Figura 12. Tuberculoma em rim esquerdo. TC mostra nódulo hipovascular e parcialmente calcificado (A). Na RM, o nódulo tem sinal intermediário nas sequências ponderadas em T1 (B) e baixo nas sequências ponderadas em T2 (C).



O aspecto mais característico observado em métodos de imagem é a caliectasia (Figuras 13 e 14)(11,26).


Figura 13. Tuberculose renal à direita. Radiografia simples demonstra calcificações moteadas (seta em A). Na urografia excretora observam-se deformidade do sistema pielocalicinal, redução da espessura do parênquima renal e imagens cavitadas preenchidas pelo meio de contraste contíguas ao infundíbulo renal (setas em B).


Figura 14. Tuberculose renal esquerda evoluindo com caliectasia. Imagens tomográficas no plano axial (A) e reconstrução no plano coronal (B) demonstram caliectasia em grupo calicinal médio na fase excretora (setas em A e B).


A evolução da doença pode resultar em necrose papilar extensa, cavidades e posteriormente cicatrizes corticais, estreitamentos pieloinfundibulares e hidronefrose. Num último estádio, observaremos perda da função e calcificações(28). As calcificações podem ter vários padrões, tais como amorfo, granular, lobar e difuso (autonefrectomia)(28).


URETERES

Dilatação e espessamento irregular do urotélio (Figura 15) são os primeiros sinais de tuberculose ureteral. A dilatação é decorrente primariamente da obstrução na junção ureterovesical, secundária a cistite e ureterite tuberculosa. Na doença avançada podem ser observados estenoses, encurtamentos, defeitos de enchimento e calcificações ureterais (Figura 16)(12).


Figura 15. Tuberculose ureteral. Presença de espessamento irregular do urotélio na pelve renal (seta em A) e no ureter proximal (seta em B).


Figura 16. Tuberculose ureteral bilateral e envolvimento vesical. Na urografia excretora notam-se estenoses ureterais distais irregulares, associadas a bexiga de capacidade reduzida e contornos trabeculados.



BEXIGA

A cistite tuberculosa inicialmente produz ulceração mucosa e edema. A extensão da doença para a camada muscular leva à fibrose e, consequentemente, a espessamento mural e redução da contratilidade. Por isso, a principal manifestação da cistite tuberculosa é uma bexiga espessada e de capacidade reduzida (Figuras 16 e 17). Pode haver refluxo ureteral. Calcificações vesicais são raras e devem ser diferenciadas de outras condições como esquistossomose, cistite actínica, por ciclofosfamida, carcinoma e corpos estranhos(28).


Figura 17. Tuberculose vesical. TC identifica espessamento difuso e assimétrico da parede vesical (setas).



ÓRGÃOS GENITAIS FEMININOS

A infecção tuberculosa do sistema reprodutor feminino pode originar desordens menstruais, complicações gestacionais, tuberculose neonatal, efeitos colaterais das drogas antituberculose na gestação, aumento da resistência às drogas e infertilidade(29). Chavhan et al. publicaram um estudo que mostrou incidência de 7,5% de tuberculose genital em 492 pacientes em investigação para infertilidade e submetidas a histerossalpingografia(30).

A maioria das mulheres com tuberculose genital apresenta infertilidade decorrente de envolvimento tubário (Figura 18A), que ocorre em até 94% destas pacientes. Normalmente é bilateral e causa estreitamentos multifocais e calcificações(12). Abscesso tubo-ovariano que se estende pelo peritônio e compartimento extraperitoneal também é sugestivo de tuberculose(12).


Figura 18. A: Tuberculose tubária. RM mostra espessamento parietal difuso com hipercaptação do meio de contraste e dilatação de ambas as tubas uterinas na sequência ponderada em T1 com supressão de gordura após infusão intravenosa do meio de contraste. B: Tuberculose uterina. Na imagem de RM ponderada em T2 no plano axial observa-se espessamento difuso do endométrio e zona juncional (setas), além de conteúdo endometrial heterogêneo.



A tuberculose endometrial ocorre em até 50% das pacientes com tuberculose tubária(26). A endometrite tuberculosa pode mimetizar adesões uterinas importantes e carcinoma de endométrio (Figura 18B)(11).


ÓRGÃOS GENITAIS MASCULINOS

A tuberculose pode afetar todo o trato genital masculino, com lesões na próstata, vesículas seminais, ductos deferentes, epidídimo, pênis e testículos. A tuberculose genital ocorre por disseminação hematogênica para a próstata e epidídimos ou pelo sistema urinário para a próstata com difusão canalicular para as vesículas seminais, ductos deferentes e epidídimos. Pode vir acompanhada de lesões renais ou se apresentar isoladamente(31).

Os epidídimos são afetados em 10-55% dos homens com tuberculose urogenital(31). Normalmente se inicia na cauda e pode se propagar pelo restante do ducto, posteriormente(26). Os achados na ultrassonografia incluem edema e ecotextura heterogênea do segmento envolvido. Aumento das dimensões e baixo sinal nas sequências ponderadas em T2 são achados relatados na RM e sugerem inflamação crônica e fibrose(11,26).

As vesículas seminais e ductos deferentes podem apresentar espessamento parietal, retrações ou calcificações parietais ou intraluminais nas imagens seccionais(26).

A prostatite tuberculosa caracteriza-se por ecogenicidade reduzida e aumento da vascularização na ultrassonografia com Doppler, de forma semelhante ao câncer de próstata(12). Em pacientes com abscesso prostático (Figura 19), os exames de TC e RM revelam lesão cística com realce periférico. Calcificações distróficas e inespecíficas podem ser observadas na fase crônica(26).


Figura 19. Tuberculose prostática. Lesão nodular hipoatenuante com realce periférico compatível com abscesso.



OUTROS

Abscesso do músculo iliopsoas (Figura 20) era reconhecidamente uma complicação da tuberculose vertebral até a implementação de modernos esquemas quimioterápicos(32). Pode ser classificado em primário (30%) ou secundário (70%), dependendo da presença de uma doença subjacente como, por exemplo, a tuberculose. Em países em desenvolvimento, a tuberculose vertebral (doença de Pott) é considerada a causa mais comum de abscesso do músculo psoas. Apesar disso, existem poucos relatos de abscesso do músculo psoas como uma apresentação primária de tuberculose(33). A presença de calcificação no abscesso é virtualmente patognomônica de tuberculose(12).


Figura 20. Abscesso no músculo iliopsoas esquerdo. Na TC observa-se volumosa coleção líquida com realce anelar e cápsula espessa (setas).



CONCLUSÃO

A tuberculose possui um amplo espectro de apresentações clínicas e de imagem, podendo envolver os mais diversos órgãos abdominais de diferentes maneiras. O diagnóstico requer um alto grau de suspeição e, apesar de muitas vezes ser definido apenas por meio de biópsia e cultura de espécimes, é importante que o radiologista reconheça os achados de imagem, permitindo assim estabelecer a estratégia mais eficaz para a confirmação diagnóstica e instituição de tratamento adequado o mais breve possível.


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1. Médicos Radiologistas do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
2. Pós-graduando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
3. Livre-docente, Professor do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Giuseppe D'Ippolito
Departamento de Diagnóstico por Imagem - EPM-Unifesp
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil, 04024-012
E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br

Recebido para publicação em 16/5/2013.
Aceito, após revisão, em 25/4/2014.

Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
 
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