RELATO DE CASO
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Autho(rs): Paula de Castro Menezes Candido1; Andrea de Freitas Werner2; Izabela Machado Flores Pereira3; Breno Assunção Matos3; Rudolf Moreira Pfeilsticker4; Raul Silva Filho4 |
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Descritores: Peritonite esclerosante encapsulante; Diálise peritoneal; Fibrose peritoneal; Obstrução intestinal; Tomografia computadorizada; Insuficiência renal crônica. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Peritonite esclerosante encapsulante é causa rara de obstrução intestinal e caracteriza-se por espessa membrana fibrótica envolvendo parcial ou totalmente o intestino delgado(1). Foi descrita como doença associada a diálise peritoneal em 1978, sendo complicação rara, temida por sua gravidade(2). Achados radiológicos associados a sintomas clínicos permitem o diagnóstico não invasivo, sendo a tomografia computadorizada (TC) a modalidade mais sensível e específica na demonstração de achados característicos(3,4). RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 43 anos, transplantada renal em 2002 com perda do enxerto no pós-operatório imediato, quando foi iniciada diálise peritoneal. Em 2011 foi internada apresentando dor e distensão abdominal, redução da eficiência do processo dialítico e efluente dialítico ocasionalmente sanguinolento. Radiografia de abdome mostrou calcificações lineares discretas em áreas de alças intestinais (Figura 1). A TC de abdome revelou calcificações lineares grosseiras correspondendo a espessamento e calcificações das paredes intestinais e do peritônio associadas a alças intestinais distendidas com conteúdo líquido e aéreo localizadas na região central do abdome (Figuras 2, 3 e 4). Em 2012 a paciente retornou com quadro de vômitos, dor e distensão abdominal, sendo submetida a tratamento cirúrgico, evoluindo com fístulas, instabilidade hemodinâmica e óbito, com diagnóstico de peritonite esclerosante encapsulante presumido pelo quadro clássico clínico e radiológico. Figura 1. Radiografia de abdome em anteroposterior mostrando estruturas radiopacas alongadas na região das alças intestinais (seta) e distensão gasosa de alças de intestino delgado em região central. Figura 2. Corte axial de TC de abdome demonstrando espessamento e calcificação das paredes intestinais e do peritônio (seta). Figura 3. Corte coronal de TC de abdome apresentando calcificações grosseiras nas paredes intestinais e no peritônio (seta) e alças intestinais distendidas com conteúdo líquido e aéreo localizadas na região central do abdome (cabeça de seta). Figura 4. Corte sagital de TC de abdome mostrando espessamento e calcificação das paredes intestinais e do peritônio (seta). Presença de calcificações lineares e grosseiras. DISCUSSÃO A peritonite esclerosante encapsulante, descrita por Owtschinnikow em 1907, é classificada em idiopática ou secundária. A forma secundária tem sido relatada principalmente em associação com diálise peritoneal contínua(1). A diálise peritoneal é uma modalidade terapêutica para insuficiência renal que possui várias vantagens. Entretanto, sua eficácia em longo prazo é limitada por complicações, desde a mais comum, a peritonite bacteriana, até a mais grave, a peritonite esclerosante encapsulante, cuja incidência varia de 0,9% a 7,3%(5). Os principais fatores de risco potenciais para o desenvolvimento de peritonite esclerosante encapsulante são a duração da diálise peritoneal e episódios repetidos de peritonite(3,5,6). Apesar do declínio de sua incidência nas duas últimas décadas, principalmente pela utilização de soluções mais biocompatíveis, a sobrevivência associada à peritonite esclerosante encapsulante permanece extremamente baixa(4). O sistema de classificação proposto por Kawanishi et al., com base em achados clínicos e patológicos, divide a peritonite esclerosante encapsulante em quatro fases: pré-peritonite esclerosante encapsulante, inflamatória, progressiva e fibrótica. Inicialmente, os sintomas são inespecíficos (febre, ascite, perda ponderal, anorexia e alteração do hábito intestinal), indicando processo inflamatório inicial. Com a progressão da doença, sinais e sintomas de íleo surgirão(4). Caso a peritonite esclerosante encapsulante desenvolva-se ainda em diálise peritoneal, sinais como hemorragia de efluentes, episódios recorrentes de peritonite e problemas com a ultrafiltração podem ocorrer. O surgimento de episódios frequentes de obstrução intestinal anunciam o aparecimento da fase fibrótica(4). Embora seja complicação rara, a obstrução intestinal decorrente da peritonite esclerosante encapsulante deve ser considerada em qualquer paciente em diálise peritoneal de longa data, com dor abdominal recorrente(3). A mortalidade associada à peritonite esclerosante encapsulante varia entre 43,5% e 78% e depende da existência de complicações(2), sendo as mais comuns obstrução parcial ou total do intestino delgado, necrose do intestino delgado e fístula enterocutânea, as quais necessitam de intervenção cirúrgica e possuem alta mortalidade(3). O diagnóstico tem sido baseado nos critérios recomendados pelo Comitê da Sociedade Internacional de Diálise Peritoneal em 2005, cujos elementos-chave são a presença de sintomas de obstrução ileal com ou sem reação inflamatória sistêmica, associados a achados característicos na investigação radiológica(7). Achados radiológicos associados aos sintomas clínicos constituem método não invasivo para confirmar essa condição(4). Entre as técnicas disponíveis, a TC é a modalidade mais sensível e específica para demonstrar achados característicos(3,4), os quais incluem espessamento peritoneal (100%), calcificações (70%), realce peritoneal (50%), alças de intestino delgado congregadas no centro do abdome (60%) e coleções líquidas loculadas (90%)(3-5). Apesar de a TC ser uma ferramenta valiosa no diagnóstico, verificou-se não ser muito útil como rastreamento. Outros métodos de imagem também podem auxiliar no diagnóstico, como a radiografia de abdome apresentando achados semelhantes aos da nossa paciente(2,5), o estudo contrastado baritado revelando alças distendidas com peristalse reduzida e desordenada(2,5) e o ultrassom identificando ascite loculada(1,2) e uma membrana pré-visceral característica, uniformemente ecogênica, anterior às alças intestinais(5). O papel da ressonância magnética ainda está sendo avaliado, porém, dados preliminares sugerem resultados semelhantes aos da TC(8). No plano terapêutico, as condutas são dependentes do estágio da doença(2). Vários tratamentos têm sido propostos, incluindo opções farmacológicas e cirúrgicas, sendo esta última necessária em casos de obstrução intestinal(1-8). A recorrência dos sintomas ocorre em até 25% dos pacientes, normalmente dentro de 12 a 24 meses(4). REFERÊNCIAS 1. Xu P, Chen LH, Li YM. Idiopathic sclerosing encapsulating peritonitis (or abdominal cocoon): a report of 5 cases. World J Gastroenterol. 2007;13:3649-51. 2. Machado DJB, Romão Jr JE, Sabbaga E, et al. Peritonite esclerosante e encapsulante secundária à diálise peritoneal ambulatorial contínua. J Bras Nefrol. 1999;21:112-23. 3. Choi JH, Kim JH, Kim JJ, et al. Large bowel obstruction caused by sclerosing peritonitis: contrast-enhanced CT findings. Br J Radiol. 2004;77:344-6. 4. Bargman J, Harel Z. Encapsulating peritoneal sclerosis. US Nephrol. 2011;5:71-5. 5. Stuart S, Booth TC, Cash CJC, et al. Complications of continuous ambulatory peritoneal dialysis. Radiographics. 2009;29:441-60. 6. Habib AM, Preston E, Davenport A. Risk factors for developing encapsulating peritoneal sclerosis in the icodextrin era of peritoneal dialysis prescription. Nephrol Dial Transplant. 2010;25:1633-8. 7. Kawanishi H, Moriishi M. Encapsulating peritoneal sclerosis: prevention and treatment. Perit Dial Int. 2007;27 Suppl 2:S289-92. 8. Guest S. Hypothesis: gender and encapsulating peritoneal sclerosis. Perit Dial Int. 2009;29:489-91. 1. Especializanda em Radiologia do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil 2. Residente de Radiologia do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil 3. Especializandos em Radiologia do Hospital Felício Rocho, Pós-graduandos da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil 4. Médicos Radiologistas do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil Endereço para correspondência: Dra. Paula de Castro Menezes Candido Hospital Felício Rocho - Setor de Radiologia Avenida do Contorno, 9530, Barro Preto Belo Horizonte, MG, Brasil, 30110-934 E-mail: paulacmcandido@yahoo.com.br Recebido para publicação em 5/9/2013. Aceito, após revisão, em 22/1/2014. Trabalho realizado no Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil. |