EDITORIAL
|
|
|
|
Autho(rs): Antonio Carlos dos Santos |
|
A adrenoleucodistrofia (ADL) é uma doença da substância branca (SB) na qual o diagnóstico precoce permite a indicação do transplante de medula óssea (TMO) como opção terapêutica. Em virtude da grande sensibilidade da ressonância magnética (RM) para o diagnóstico das lesões da SB, o radiologista é frequentemente requisitado para opinar sobre a diferenciação entre um caso de sequela por hipóxia e lesões evolutivas, como as leucodistrofias. De modo geral, o clínico distingue estes dois grupos pela anamnese e exame neurológico evolutivo. Porém, nem sempre a apresentação é tão clara, branca ou preta, se apresentando mais frequentemente em diferentes tons de cinza, com história muito confusa de perda de habilidades, distúrbios de comportamento, involução neuropsicomotora questionável e diferentes graus de distúrbios potencialmente atribuíveis a doenças psiquiátricas atuando como confundidores. Nesta situação, a opinião do radiologista sobre um exame de RM de encéfalo é crucial para a condução clínica. Na apresentação típica da ADL ligada ao X, associada com sintomas de insuficiência adrenal, é de diagnóstico relativamente fácil para o radiologista experiente em doenças do sistema nervoso central (SNC), o que aumenta a responsabilidade da sua identificação. Recentemente, os bons resultados obtidos com o tratamento por TMO, quando o diagnóstico é feito precocemente, tornaram ainda mais importante o papel da imagem. Neste sentido, a leitura do excelente artigo publicado neste número da Radiologia Brasileira, utilizando tensor de difusão(1), realizado pelo grupo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, se torna ainda mais interessante.
A ADL é uma doença genética classificada no grupo das doenças peroxissomais, cuja forma mais frequente é de doença recessiva ligada ao cromossomo X. Assim, as mulheres somente são acometidas de maneira incomum e como uma variante, sendo portadoras do gene que acomete fundamentalmente o sexo masculino. Embora existam formas, como a neonatal e a adulta, é a forma clássica ou infantil que é a mais grave e mais frequente. Esta forma foi notabilizada no filme "Óleo de Lorenzo" (Lorenzo's Oil, EUA, 1992), dirigido por George Miller, no qual a doença foi exemplificada de forma primorosa. Neste filme foram muito enfatizados não somente o sofrimento do paciente, mas também a repercussão familiar da percepção de sua deterioração progressiva. Além disto, é preciso considerar atualmente as possibilidades de acesso à informação pelos meios de comunicação, que permitem à família prever a grande possibilidade de uma deterioração inexorável na ausência de um tratamento efetivo. A ADL ligada ao X é causada por uma deficiência na metabolização dos ácidos graxos de cadeia muito longa, que se acumulam no principalmente no SNC e nas adrenais. Com o acúmulo destes ácidos graxos no encéfalo, ocorre destruição da mielina e do axônio, com um componente inflamatório perivascular que se expressa na forma de uma quebra de barreira hematoencefálica na margem da área de desmielinização. Os sintomas se iniciam entre quatro e cinco anos de idade, com dificuldades de percepção auditiva e visual, sinais de insuficiência adrenal, perda de memória, dificuldades de fala e de marcha, irritabilidade crescente e dificuldades de relacionamento. A imagem na RM é variável, porém, na apresentação típica, se inicia no esplênio do corpo caloso e na SB adjacente, na forma de três camadas. No centro ocorre uma área de necrose com hipossinal nas sequências ponderadas em T1 e hipersinal nas sequências ponderadas em T2, margeada por uma área intermediária de desmielinização com inflamação perivascular que é responsável por quebra de barreira e realce marginal pelo gadolínio, em geral bilateral e bosselado, com focos de descontinuidade junto ao córtex adjacente. Por fim, ao redor da área de realce existe outra zona de desmielinização não inflamatória e edema. A desmielinização envolve progressivamente diferentes tratos de mielina, incluindo vias ópticas, motoras e sensitivas, se espraiando para os lobos parietal e occipital anteriormente, tronco cerebral e cerebelo. A lesão visível na RM é progressiva e, em geral, precede os sintomas clínicos relacionados com o trato acometido. Apesar de existirem variantes, que inclui uma forma predominantemente frontal, o mais comum é a apresentação clássica acima descrita. A progressão dos sintomas mostra uma correlação muito clara com a progressão do acometimento de diferentes tratos de mielina, fazendo com que a análise criteriosa da RM seja extremamente útil para graduar a gravidade e a fase do acometimento do SNC. A forma hoje bem estabelecida de graduação da doença foi proposta por Loes em 1994(2) e hoje é conhecida como "escore de Loes", conforme bem detalhado no artigo de Ono et al.(1). Com o advento da proposta de indicação de TMO para tratar essas crianças(3,4), o dilema fundamental é estabelecer um limite para a indicação do procedimento, porque, a partir de um certo ponto, sua eficácia deixa de existir. De modo geral, o procedimento é contraindicado quando o escore de Loes é igual ou maior que nove. Do ponto de vista social, é sempre difícil contraindicar o TMO, uma vez que esta é a forma de tratamento mais eficiente, sendo estimada uma sobrevida em torno do dobro daquela em que esta terapêutica não é utilizada, independentemente do uso de outras formas paliativas de tratamento, como o chamado "óleo de Lorenzo". Apesar de o diagnóstico da ADL e sua graduação serem fundamentalmente qualitativos, com base na identificação dos achados de desmielinização inflamatória na imagem estrutural, a utilização de ferramentas quantitativas, muitas vezes chamadas de técnicas avançadas, inclui a espectroscopia de prótons e a imagem de tensor de difusão (DTI). A utilização da DTI vem assumindo importância crescente em diferentes doenças desmielinizantes, conforme já amplamente conhecido em doenças mais comuns, como a neuromielite óptica(5) e a esclerose múltipla(6). O artigo de Ono et al.(1) é mais uma vez muito útil ao discutir parâmetros ideais para a utilização da DTI, como o número de direções, por exemplo. Assim, consideramos altamente recomendável a leitura cuidadosa deste interessante artigo. REFERÊNCIAS 1. Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342–9. 2. Loes DJ, Hite S, Moser H, et al. Adrenoleukodystrophy: a scoring method for brain MR observations. AJNR Am J Neuroradiol. 1994;15:1761–6. 3. Loes DJ, Fatemi A, Melhem ER, et al. Analysis of MRI patterns aids prediction of progression in X-linked adrenoleukodystrophy. Neurology. 2003;61:369–74. 4. Peters C, Charnas LR, Tan Y, et al. Cerebral X-linked adrenoleukodystrophy: the international hematopoietic cell transplantation experience from 1982 to 1999. Blood. 2004;104:881–8. 5. Gasparetto EL, Rueda Lopes FC. Advances in neuromyellitis optica. Radiol Bras. 2012;45(6):ix. 6. Inglese M. Multiple sclerosis: new insights and trends. AJNR Am J Neuroradiol. 2006;27:954–7. Professor Titular de Neurorradiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: acsantos@fmrp.usp.br |