Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2014

QUAL É O SEU DIAGNÓSTICO?
Print 

Page(s) XI to XIII



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Misael Gadelha Terceiro; Igor Murad Faria; Rafael Alfenas de Paula; Edson Marchiori

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Paciente do sexo feminino, com 72 anos de idade, apresentou quadro de dor abdominal no flanco direito há dois dias. O exame físico revelou dor à palpação e descompressão dolorosa, principalmente no quadrante inferior direito do abdome. A paciente estava afebril e não foram relatados episódios de diarreia ou vômito. O hemograma revelou leucocitose (11.900 células/mm3) e foi realizada tomografia computadorizada do abdome (Figura 1).


Figura 1. A: Tomografia computadorizada do abdome, reconstrução coronal. B: Corte axial ao nível da pelve.



Descrição da imagem

Figura 1. A:
Reconstrução coronal demonstrou extensão do apêndice para o interior de hérnia inguinal à direita (setas), com infiltração dos planos adiposos adjacentes. B: Corte axial identificou apêndice distendido com parede espessada (seta fina), dentro de uma hérnia inguinal à direita, com foco de gás livre adjacente (seta grossa).

Diagnóstico: Hérnia de Amyand com apendicite perfurada.


COMENTÁRIOS

Uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional tem avaliado o papel da radiologia no estudo do tubo digestivo e das condições abdominais agudas(1–8).

Na paciente deste relato, durante a cirurgia, o apêndice foi encontrado perfurado dentro do canal inguinal direito. A paciente foi submetida a apendicectomia com reparo da hérnia e recebeu alta em quatro dias.

O termo hérnia de Amyand é usado quando o apêndice vermiforme é encontrado no interior de uma hérnia inguinal. A incidência de apêndice dentro de um saco herniário varia entre 0,28% e 1%(9) e em 0,13% ele encontra-se inflamado(10). A hérnia de Amyand é mais prevalente em indivíduos do sexo masculino e apresenta distribuição bimodal em relação à faixa etária, acometendo principalmente neonatos e pacientes com mais de 70 anos(11).

Na maioria dos casos, o apêndice encontra-se dentro de uma hérnia inguinal indireta, situada no lado direito, refletindo a posição habitual do apêndice vermiforme, sendo raros os casos em que foram encontradas hérnias de Amyand na região inguinal esquerda. A apresentação clínica mais comum é semelhante a um quadro de hérnia encarcerada, por isso o diagnóstico geralmente é feito no momento do procedimento cirúrgico(11–15). O paciente, na maioria das vezes, se apresenta com massa dolorosa na região inguinal, podendo estar associada a vômitos, sendo pouco comum o achado de febre e leucocitose, comumente encontradas nos casos de apendicite(16,17).

A utilização da tomografia computadorizada torna fácil a identificação das hérnias inguinais, e as reconstruções nos planos sagital e coronal são particularmente úteis na visualização de uma estrutura tubular em fundo cego, que se estende a partir do ceco e entra no canal inguinal, representando o apêndice vermiforme no interior do saco herniário(16).

É fundamental a avaliação de sinais de apendicite, como o espessamento da parede do apêndice e a infiltração dos planos adiposos adjacentes, e a avaliação de sinais de perfuração do apêndice, como peritonite e extensão do processo inflamatório para a cavidade abdominal(18,19). Além disso, é necessário avaliar a presença de outros processos associados, como tumores e massas abdominais. Diante desses achados, as hérnias de Amyand foram classificadas em quatro tipos, segundo Losanoff et al.(20,21). Cada tipo de hérnia de Amyand, segundo essa classificação, requer uma abordagem cirúrgica específica. Na vigência de hérnia de Amyand com apêndice normal (hérnia tipo I), o tratamento cirúrgico é eletivo, visando a redução herniária, com ou sem apendicectomia. A presença de apendicite com sinais inflamatórios localizados no saco herniário (hérnia tipo II), geralmente tem tratamento com reparo da hérnia e apendicectomia, podendo-se utilizar um acesso inguinal. Apendicite com sinais de perfuração, assim como a presença de peritonite e extensão intra-abdominal do processo inflamatório (hérnia tipo III), são abordadas via laparotomia. A associação com outras afecções abdominais, como tumores ou massas abdominais (hérnia tipo IV), requer uma abordagem apropriada para cada situação, sendo muito importante o reconhecimento dessas situações para uma adequada condução dos casos.

Concluindo, as hérnias de Amyand são raras e comumente subdiagnosticadas. A tomografia computadorizada com suas reconstruções é uma ferramenta de grande valia para o correto diagnóstico. O radiologista precisa reconhecer essas situações e identificar os fatores que alteram a classificação e a abordagem dessas hérnias.


REFERÊNCIAS

1. Kierszenbaum ML, von Atzingen AC, Tiferes DA, et al. CT colonography: the value of this method in the view of specialists. Radiol Bras. 2014;47:135–40.

2. Maciel AC, Maciel LC. Computed tomography colonography: a well-known but poorly utilized screening method. Radiol Bras. 2014;47(3):v–vi.

3. Cunha EFC, Rocha MS, Pereira FP, et al. Walled-off pancreatic necrosis and other current concepts in the radiological assessment of acute pancreatitis. Radiol Bras. 2014;47:165–75.

4. Alvares BR, Stopiglia MCS, Mezzacappa MA. Presence of air in the hepatic portal system in association with umbilical venous catheter malposition. Radiol Bras. 2014;47:49–50.

5. Silva WLF, Indiani JMC, Martin MF, et al. Pyogenic liver abscess caused by a foreign body which perforated the small gastric curvature. [Which is your diagnosis?]. Radiol Bras. 2013;46(1):xv–xvi.

6. Rocha MS. Liver abscesses secondary to acute cholangitis. [Letter to the Editor]. Radiol Bras 2013;46(2):xi.

7. Hollanda ES, Torres US, Gual F, et al. Spontaneous perforation of gallbladder with intrahepatic biloma formation: sonographic signs and correlation with computed tomography. Radiol Bras. 2013;46:320–2.

8. Teixeira ACV, Torres US, Westin CEG, et al. Multidetector-row computed tomography in the preoperative diagnosis of intestinal complications caused by clinically unsuspected ingested dietary foreign bodies: a case series emphasizing the use of volume rendering techniques. Radiol Bras. 2013;46:346–50.

9. Keskin S, Simsek C, Keskin Z. The Amyand's hernia: a rare clinical entity diagnosed by computed tomography. Case Rep Radiol. 2013;2013:638270.

10. D'Alia C, Lo Schiavo MG, Tonante A, et al. Amyand's hernia: case report and review of the literature. Hernia. 2003;7:89–91.

11. Michalinos A, Moris D, Vernadakis S. Amyand's hernia: a review. Am J Surg. 2014;207:989–95.

12. Thomas WE, Vowles KD, Williamson RC. Appendicitis in external herniae. Ann R Coll Surg Engl. 1982;64:121–2.

13. Sharma H, Gupta A, Shekhawat NS, et al. Amyand's hernia: a report of 18 consecutive patients over a 15-year period. Hernia. 2007;11:31–5.

14. Carey LC. Acute appendicitis occurring in hernias: a report of 10 cases. Surgery. 1967;61:236–8.

15. Inan I, Myers PO, Hagen ME, et al. Amyand's hernia: 10 years' experience. Surgeon. 2009;7:198–202.

16. Constantine S. Computed tomography appearances of Amyand hernia. J Comput Assist Tomogr. 2009;33:359–62.

17. Luchs JS, Halpern D, Katz DS. Amyand's hernia: prospective CT diagnosis. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:884–6.

18. Montandon Júnior ME, Montandon C, Fiori GR, et al. Acute appendicitis: computed tomography findings – an iconographic essay. Radiol Bras. 2007;40:193–9.

19. Freire Filho EO, Jesus PEM, D'Ippolito G, et al. When and why use unenhanced computed tomography in patients with acute abdomen. Radiol Bras. 2006;39:51–62.

20. Losanoff JE, Basson MD. Amyand hernia: what lies beneath – a proposed classification scheme to determine management. Am Surg. 2007;73:1288–90.

21. Losanoff JE, Basson MD. Amyand hernia: a classification to improve management. Hernia. 2008;12:325–6.










Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Edson Marchiori
Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso
Petrópolis, RJ, Brasil, 25685-120
E-mail: edmarchiori@gmail.com

Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554