ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Bruno Cheregati Pedrassa1; Eduardo Lima da Rocha1; Marcelo Longo Kierzenbaum1; Renata Lilian Bormann1; Viviane Vieira Francisco2; Giuseppe D'Ippolito3 |
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Descritores: Neoplasias; Fígado; Atípicos; Tomografia computadorizada; Ressonância magnética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Uma grande variedade de tumores acomete o fígado, sendo que 90% das lesões hepáticas focais são benignas. Dentre os tumores hepáticos benignos, o hemangioma e a hiperplasia nodular focal (HNF) são as lesões não císticas mais comuns(1). As neoplasias malignas mais frequentes são as metástases, e o carcinoma hepatocelular (CHC) é responsável por 80–85% dos casos de tumores malignos primários, seguido pelo colangiocarcinoma intra-hepático(2). O diagnóstico das lesões hepáticas típicas pode ser feito com alguma segurança utilizando-se os diversos métodos de imagem; ao contrário, as lesões incomuns são geralmente um desafio diagnóstico para o radiologista. No grupo de tumores considerados incomuns destacamse os tumores de linhagem epitelial, como o cistoadenoma e cistoadenocarcinoma biliar, o hepatocarcinoma fibrolamelar, os tumores de linhagem não epitelial, incluindo o angiomiolipoma, o hemangioendotelioma epitelioide e o angiossarcoma, além de outros, como o linfoma, o pseudotumor inflamatório (tumor miofibroblástico) e alguns sarcomas(3). Existem poucos estudos que realizaram a análise comparativa e abrangente das características de imagem dos tumores hepáticos incomuns. O objetivo deste trabalho é, por meio de um ensaio iconográfico, descrever os principais aspectos de imagem de diversos tumores hepáticos benignos e malignos incomuns, observados na tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). Nesta segunda parte do estudo serão abordados o linfoma hepático primário, o tumor miofibroblástico, o tumor neuroendócrino primário hepático e o tumor desmoplásico de pequenas células. LINFOMA HEPÁTICO PRIMÁRIO O linfoma hepático primário (LHP) é uma neoplasia extremamente rara, correspondendo a menos de 1% dos linfomas extranodais. É definido como primário do fígado quando não há envolvimento do baço, linfonodos ou outros sítios a distância, no momento do seu diagnóstico. Apresenta predileção pelo sexo masculino (3 homens: 1 mulher) e usualmente ocorre na quinta década de vida(4). No momento do diagnóstico, os sintomas são inespecíficos e os pacientes podem apresentar desconforto abdominal ou febre. Há forte associação com imunossupressão, vírus da hepatite B e C, vírus da imunodeficiência humana e Epstein-Barr(5,6). Em cerca de 60% dos casos se apresentam como massas solitárias (maiores que 4 cm), com contornos bem definidos, que após injeção intravenosa do meio de contraste demonstram realce periférico com aspecto lamelar; essas massas raramente podem calcificar, simulando metástase hipovascular do tubo digestivo, com aspecto em alvo (Figuras 1 e 2). As formas multinodular e infiltrativa são menos frequentes e geralmente relacionadas a comprometimento hepático do linfoma sistêmico(5). ![]() Figura 1. Linfoma hepático primário. A: Ultrassom demonstra massa hepática heterogênea, localizada na confluência dos lobos direito e esquerdo, com aspecto em alvo. B: Na correlação com a TC, evidencia-se o realce periférico de aspecto lamelar após injeção intravenosa do meio de contraste. ![]() Figura 2. RM de paciente com linfoma hepático primário. Massa heterogênea no lobo hepático direito, com aspecto em alvo e hipossinal nas sequências ponderadas em T1 (A) e moderado a hipersinal em T2 (B). Alguns aspectos favorecem o diagnóstico de LHP:
PSEUDOTUMOR INFLAMATÓRIO (TUMOR MIOFIBROBLÁSTICO) É lesão hepática rara caracterizada por uma inflamação crônica, com proliferação de fibroblastos, que pode comprometer diferentes órgãos, mas é mais comumente encontrada no pulmão e no fígado(7). Possui outros sinônimos, como xantogranuloma, histiocitoma, pseudolinfoma e fibroxantoma. Atualmente, é conhecido como tumor miofibroblástico inflamatório (TMI)(8). Ocorre com maior frequência em adultos jovens do sexo masculino, e em geral tem evolução benigna. A etiologia é desconhecida, podendo estar relacionada a processos inflamatório-infecciosos (hepatite e colangite de repetição) e doenças autoimunes(8). A maioria dos pacientes apresenta sintomas não específicos, como febre, dor abdominal, perda de peso e icterícia. Geralmente, é massa solitária, podendo ser múltipla e sincrônica em 20% dos casos, localiza-se com maior frequência no lobo hepático direito e seu diâmetro pode variar de 1 cm a 20 cm no seu maior eixo(8). A análise laboratorial frequentemente demonstra leucocitose, eosinofilia e velocidade de hemossedimentação (VHS) aumentada. Casos de pacientes com elevação de marcadores tumorais como CA 19-9 já foram relatados(7,9). A TC geralmente mostra massa hipodensa, com realce periférico heterogêneo, com área central pouco vascularizada. Podem ocorrer efeitos compressivos da massa determinando dilatação das vias biliares e hipertensão portal (Figura 3). A RM é um dos métodos que pode caracterizar melhor o pseudotumor inflamatório. A lesão focal tipo massa é a mais comum e apresenta-se com baixo sinal em T1 e sinal discretamente elevado em T2, às vezes com focos de marcado hipersinal de permeio. Após injeção do contraste paramagnético, observa-se realce intenso e heterogêneo, principalmente na periferia da lesão(8). ![]() Figura 3. Pseudotumor inflamatório. Homem, 66 anos, com dor no hipocôndrio direito associada a febre e leucocitose. TC sem contraste (A) e após injeção intravenosa do meio de contraste (B,C) demonstra a presença de lesão hipodensa e hipovascularizada nos segmentos II e IV, com aspecto permeativo, simulando lesão infiltrativa. Na TC de controle, realizada após três meses de tratamento com antibióticos, observa-se regressão total da lesão (D). Geralmente, a correlação histopatológica é necessária para o diagnóstico definitivo do pseudotumor inflamatório, que inclui, entre seus diagnósticos diferenciais, o colangiocarcinoma intra-hepático, o abscesso hepático e o CHC(7). Os principais aspectos que podem sugerir o diagnóstico de TMI são:
TUMOR NEUROENDÓCRINO PRIMÁRIO DO FÍGADO O tumor neuroendócrino primário do fígado (TNPF) representa menos de 0,3% de todos os tumores neuroendócrinos. Ocorre mais comumente em mulheres, na sexta e sétima décadas de vida. Os sintomas são inespecíficos, como dor abdominal, massa abdominal palpável, fadiga e perda de peso. Mais de 10% dos casos são assintomáticos e apenas pequena porcentagem dos pacientes apresenta a síndrome carcinoide (rubor facial, dor abdominal e diarreia)(10). O diagnóstico do tumor carcinoide hepático primário é baseado no exame histológico, imuno-histoquímico e principalmente na exclusão de doença metastática. A cintilografia com análogo da somatostatina (OctreoScan) é uma técnica útil para o diagnóstico de tumores neuroendócrinos funcionantes, com sensibilidade de até 90%. A PET/CT é uma modalidade de imagem reservada para o diagnóstico dos tumores não funcionantes. A ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha, sendo a quimioembolização arterial transcateter excelente opção paliativa para lesões recorrentes(11). Os achados de imagem à TC consistem em lesões sólidas, únicas ou múltiplas, hipervascularizadas, com áreas de necrose e calcificação de permeio (Figura 4). Na RM as lesões têm baixo sinal em T1 e alto sinal nas sequências ponderadas em T2(10) (Figuras 5 e 6). ![]() Figura 4. Carcinoma neuroendócrino primário do fígado. TC sem contraste (A) e após injeção intravenosa do meio de contraste (B,C,D) demonstra a presença de massa heterogênea, bastante vascularizada, com alguns focos de calcificação e áreas císticas de permeio, ocupando o lobo hepático esquerdo. ![]() Figura 5. Carcinoma neuroendócrino primário do fígado (mesmo paciente da Figura 4). Imagens de RM ponderada em T1 (A), em T2 (B) e na sequência pós-contraste (C) demonstram massa heterogênea, com hipossinal em T1 e hipersinal em T2, com múltiplas áreas císticas de permeio (algumas das quais com nível líquido-líquido). A lesão apresentava restrição aos coeficientes de difusão da água na sequência de difusão (D). ![]() Figura 6. Carcinoma neuroendócrino primário do fígado (mesmo paciente das Figuras 4 e 5). Imagem de RM ponderada em T2 no plano coronal (A) demonstra massa heterogênea ocupando quase todo o lobo hepático esquerdo, com hipersinal e múltiplas áreas císticas de permeio, com excelente correspondência com o aspecto macroscópico observado no material da ressecção cirúrgica (B). O diagnóstico diferencial é amplo, entretanto, devemos considerar a possibilidade de metástases hipervasculares, CHC, colangiocarcinoma com diferenciação neuroendócrina e a variante epitelioide do tumor estromal gastrintestinal(10). Os seguintes aspectos podem auxiliar para considerar pertinente a hipótese de TNPF entre os diagnósticos diferenciais:
TUMOR DESMOPLÁSICO DE PEQUENAS CÉLULAS O tumor desmoplásico de pequenas células (TDPC) é um tumor mesenquimal raro e altamente agressivo, com cerca de 200 casos descritos na literatura. Apresenta maior incidência em adolescentes e adultos jovens, preferencialmente do sexo masculino, numa proporção de 4:1, com uma média de idade de 22 anos(12). A localização é quase que exclusivamente intra-abdominal, sem origem visceral claramente identificada, com acometimento do omento, implantes peritoneais envolvendo o diafragma, hilo esplênico, mesentério intestinal e peritônio pélvico(13). O envolvimento de órgãos é inconstante e secundário, com fígado e pulmão como dois locais comuns para a doença metastática além do peritônio(11). As manifestações clínicas do TDPC intra-abdominal são usualmente inespecíficas e envolvem mais frequentemente sintomas vagos pélvicos ou abdominais e massas palpáveis(13). Os achados de imagem demonstram massa tumoral, intraperitoneal, sem a identificação de um órgão sede, associada a múltiplos implantes peritoneais e ascite. À TC e à RM se apresentam como massas com densidade de partes moles, com focos centrais sugerindo necrose e hemorragia, apresentando moderado realce após injeção intravenosa de contraste, e calcificações em 22% dos casos(13)(Figura 7). ![]() Figura 7. Tumor desmoplásico de pequenas células. TC na fase portal (A,B) demonstra formação expansiva hipodensa, hipovascularizada, infiltrando o hilo hepático, associada a discreta dilatação segmentar das vias biliares intrahepáticas à esquerda. Nota-se também um componente intraparenquimatoso. O exame de RM com imagens ponderadas em T1 e em T2 com supressão de gordura (D) mostra o hipossinal em T1 e hipersinal em T2 da lesão, insinuandose no hilo hepático. O TDPC pode ser lembrado na presença de massas intraperitoneais com extensão visceral, sem sítio primário definido e ocorrendo em pacientes jovens. CONCLUSÃO Apesar de raros, os tumores descritos nesta segunda parte do estudo devem ser conhecidos e lembrados pelos radiologistas, para que sejam incluídos nos diagnósticos diferenciais de lesões hepáticas, auxiliando não somente no planejamento e estratégia terapêutica, mas também como coadjuvante na definição do diagnóstico anatomopatológico. REFERÊNCIAS 1. Tiferes DA, D'Ippolito G. Neoplasias hepáticas: caracterização por métodos de imagem. Radiol Bras. 2008;41:119–27. 2. Walther Z, Jain D. Molecular pathology of hepatic neoplasms: classification and clinical significance. Patholog Res Int. 2011;2011:403929. 3. Hamilton SR, Aaltonen LA. World Health Organization Classification of Tumours. Pathology and genetics of tumours of the digestive system. Lyon, France: IARC Press; 2000. 4. Masood A, Kairouz S, Hudhud KH, et al. Primary non-Hodgkin lymphoma of the liver. Curr Oncol. 2009;16:74–7. 5. Coenegrachts K, Vanbeckevoort D, Deraedt K, et al. MRI findings in primary non-Hodgkin's lymphoma of the liver. JBR-BTR. 2005;88:17–9. 6. Tan Y, Xiao EH. Rare hepatic malignant tumors: dynamic CT, MRI, and clinicopathologic features: with analysis of 54 cases and review of the literature. Abdom Imaging. 2013;38:511–26. 7. Liu PS, Hussain HK. Uncommon hepatic tumors. In: Hussain HK, Francis IR, editors. Primary carcinomas of the liver. Series: Contemporary issues in cancer imaging. Cambridge: Cambridge University Press; 2010. p. 214–29. 8. Venkataraman S, Semelka RC, Braga L, et al. Inflammatory myofibroblastic tumor of the hepatobiliary system: report of MR imaging appearance in four patients. Radiology. 2003;227:758–63. 9. Fukuya T, Honda H, Matsumata T, et al. Diagnosis of inflammatory pseudotumor of the liver: value of CT. AJR Am J Roentgenol. 1994;163:1087–91. 10. Gao J, Hu Z, Wu J, et al. Primary hepatic carcinoid tumor. World J Surg Oncol. 2011;9:151. 11. Park CH, Chung JW, Jang SJ, et al. Clinical features and outcomes of primary hepatic neuroendocrine carcinomas. J Gastroenterol Hepatol. 2012;27:1306–11. 12. Dufresne A, Cassier P, Couraud L, et al. Desmoplastic small round cell tumor: current management and recent findings. Sarcoma. 2012;2012:714986. 13. Pickhardt PJ, Fisher AJ, Balfe DM, et al. Desmoplastic small round cell tumor of the abdomen: radiologic-histopathologic correlation. Radiology. 1999;210:633–8. 1. Médicos Radiologistas, Especializandos do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil 2. Doutora, Médica Radiologista do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil 3. Livre-docente, Professor do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Giuseppe D'Ippolito Departamento de Diagnóstico por Imagem – EPM-Unifesp Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino São Paulo, SP, Brazil, 04024-012 E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br Recebido para publicação em 28/3/2013. Aceito, após revisão, em 14/10/2013. Trabalho realizado no Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil. |