RELATO DE CASO
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Autho(rs): Célio Lúcio Palha da Cruz1; Gabriel Lacerda Fernandes1; Marcelo Ricardo Canuto Natal2; Thales Roberto Teixeira Taveira1; Patrícia Amaral Bicalho3; Yanna Quitéria Iida Pimentel de Brito4 |
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Descritores: Carcinoma; Úraco; Hematúria; Neoplasias da bexiga. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O úraco, ou ligamento umbilical mediano, é uma estrutura tubular na linha média que se estende a partir da porção anterossuperior da bexiga até o umbigo. É um remanescente vestigial de, pelo menos, duas estruturas embrionárias: a cloaca, que é a extensão cefálica do seio urogenital (um precursor da bexiga fetal), e o alantoide, o qual é um derivado do saco vitelino. As doenças dos remanescentes do úraco são incomuns e costumam se manifestar com sinais inespecíficos abdominais ou sintomas urinários(1-4). A característica clínica mais comum é hematúria (presente em até 80% dos casos). Outros sinais e sintomas são do tipo "irritativo", como disúria, urgência e frequência miccional (40-50%) e dor suprapúbica (70%). Carcinomas de úraco tendem a ter predileção por homens (2:1) e são encontrados em adultos entre 40 e 70 anos de idade(1-3,5). Os fatores de risco são pouco definidos e não está claro se carcinogênios na bexiga exercem alguma ação, como no carcinoma urotelial(3). As complicações que podem surgir da persistência do úraco incluem infecção e malignização. Clinicamente, são neoplasias insidiosas, levando usualmente a um diagnóstico tardio. Deste modo apresentam, frequentemente, mau prognóstico(1,6). RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 62 anos, com queixa de hematúria macroscópica indolor há três anos. O exame físico não revelou anormalidades. Apresentava alteração da função renal, com ureia de 37 mg/dl e creatinina de 1,6 mg/dl. Proteinúria de 24 horas de 675 mg/1.500 ml. Urina tipo I com proteinúria (++), hematúria (30 por campo), leucocitúria (20 por campo). Foi realizada ultrassonografia (US), que mostrou espessamento focal, heterogêneo e irregular na parede do teto da bexiga (Figura 1). Exame de tomografia computadorizada (TC) de abdome demonstrou, na linha média, na região meso/hipogástrio, persistência do úraco e lesão expansiva com realce heterogêneo pelo meio de contraste na transição da bexiga com o úraco, sugestivo de neoplasia desta estrutura (Figuras 2 e 3). Além disso, a paciente apresentava múltiplos nódulos pulmonares, sugestivos de metástases (TC de tórax não apresentada). A cistoscopia identificou meatos ureterais tópicos, em fenda, não ocorrendo drenagem de urina pelo meato ureteral esquerdo. Presença de lesão vegetante volumosa na cúpula vesical (Figura 4). Foi realizada biópsia do material, que revelou tratar-se de adenocarcinoma de células escamosas do úraco. Figura 1. Ultrassonografia, plano sagital, mostra na linha média, na região meso/hipogástrio, persistência do úraco e lesão expansiva heterogênea e irregular (entre setas) na parede posterossuperior da bexiga. Figura 2. Tomografia computadorizada, corte axial, mostra na região meso/hipogástrio, na linha média anterossuperior para a cúpula da bexiga, persistência do úraco e massa com componentes de partes moles, com realce heterogêneo pelo meio de contraste (seta). Figura 3. Tomografia computadorizada, reconstrução no plano sagital, mostra na linha média, na região meso/hipogástrio, persistência do úraco com lesão expansiva com realce heterogêneo pelo meio de contraste na transição da bexiga com o úraco (seta). Figura 4. Fotografia do exame de cistoscopia identifica presença de volumosa lesão vegetante na cúpula vesical. A paciente foi submetida a quimioterapia em acompanhamento ambulatorial, evoluiu com trombose venosa profunda de membros inferiores e insuficiência respiratória e faleceu pouco tempo depois. DISCUSSÃO O carcinoma de úraco é uma doença extremamente incomum e na maioria das vezes se apresenta como enfermidade letal. Embora o úraco seja normalmente formado por um epitélio de transição, a maioria dos tumores é representada por adenocarcinomas (90%). A grande maioria dos adenocarcinomas de úraco é do tipo mucinoso, sendo também encontrados tipos histológicos ainda menos comuns, como carcinoma de células transicionais, carcinoma de células escamosas, carcinoma de pequenas células e sarcomas(1,2,6). À US apresenta-se como espessamento da parede anterior da bexiga, muitas vezes em contato com a parede anterior do abdome(3,5). Uma característica, na TC, do carcinoma de úraco é uma massa anterossuperior, da linha média para a cúpula da bexiga, com componentes de baixa atenuação, os quais podem representar áreas de acúmulo de mucina no exame patológico. Calcificações periféricas ocorrem em 50-70% dos casos e são consideradas patognomônicas para o adenocarcinoma de úraco(1,2,5). Ao exame de ressonância magnética observa-se alta intensidade do sinal nas imagens ponderadas em T2, devido à presença de mucina no interior do tumor, além de ser excelente ferramenta para o estadiamento da doença(2). O diagnóstico diferencial radiológico inclui adenocarcinomas de origem não do úraco, carcinomas de células transicionais, remanescentes do úraco infectados e metástases provenientes de lesões primárias de cólon, próstata ou do trato genital feminino(1,2,4). Na literatura são identificados três tipos de sistemas de estadiamento do tumor de úraco: Sheldon, Henly e Ontário. Destes, destacam-se os dois primeiros, sendo o de Henly mais simplificado e, posteriormente, modificado pela Clínica Mayo(7). Portanto, apesar de o adenocarcinoma de úraco ser uma doença rara e sua apresentação clínica ser diversa, o médico assistente deve sempre estar atento a pacientes que apresentem hematúria, dor suprapúbica e espessamento da cúpula vesical em exames de imagem(7). O principal tratamento do adenocarcinoma de úraco é a remoção cirúrgica. A quimioterapia tem sido reservada para os casos de doença metastática ou recidiva local, e não há evidências de benefício clínico do uso de radioterapia como tratamento primário do adenocarcinoma de úraco(2,3,6,8). REFERÊNCIAS 1. Yu JS, Kim KW, Lee HJ, et al. Urachal remnant diseases: spectrum of CT and US findings. Radiographics. 2001;21:451-61. 2. Koster IM, Cleyndert P, Giard RW. Best cases from the AFIP: urachal carcinoma. Radiographics. 2009;29:939-42. 3. Ashley RA, Inman BA, Sebo TJ, et al. Urachal carcinoma: clinico-pathologic features and long-term outcomes of an aggressive malignancy. Cancer. 2006;107:712-20. 4. Donate Moreno MJ, Giménez Bachs JM, Salinas Sánchez AS, et al. Patología del uraco: revisión de conjunto y presentación de tres casos. Actas Urol Esp. 2005;29:332-6. 5. Thali-Schwab CM, Woodward PJ, Wagner BJ. Computed tomographic appearance of urachal adenocarcinomas: review of 25 cases. Eur Radiol. 2005;15:79-84. 6. Oliveira C, Silva CB, Quinta A, et al. Carcinoma do úraco. Acta Urológica. 2009;26:164. 7. Krebs RK, Zylbersztejn DS, Manzano J, et al. Adenocarcinoma de úraco. In: Ortiz V, Srougi M, editores. Sinopse de urologia - Disciplina de Urologia da Escola Paulista de Medicina. São Paulo, SP: Grupo Editorial Moreira Júnior; 2008. p. 48-51. 8. Esteves FP, Pinto AC, Pinto AFC. Urachal adenocarcinoma. Braz J Urol. 2001;27:560-2. 1. Médicos Residentes de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), Brasília, DF, Brasil 2. Médico Radiologista, Coordenador da Residência Médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), Radiologista do Diagnóstico das Américas (DASA/Exame-Pasteur),Brasília, DF, Brasil 3. Médica Residente de Clínica Médica do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), Brasília, DF, Brasil 4. Médica da Família e Comunidade - UBS Alvorada, Novo Gama, GO, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Célio Lúcio Palha da Cruz SQSW 306, ap. 509, Setor Sudoeste Cruzeiro, DF, Brasil, 70673-432 E-mail: celiolucio@hotmail.com Recebido para publicação em 10/8/2013. Aceito, após revisão, em 10/1/2014. Trabalho realizado no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), Brasília, DF, Brasil. |