Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 5 - Set. / Out.  of 2014

RELATO DE CASO
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Page(s) 326 to 328



Repercussões clínicas e radiológicas do neurofibroma plexiforme na região pélvica

Autho(rs): Érica Bertolace Slaibi1; João Gabriel Lima Daher2; Gustavo Guida Godinho da Fonseca3; Carlos Magno Daher4; Mauro Geller5; Márcia Gonçalves Ribeiro6

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Texto em Português English Text

Descritores: Neurofibromatose tipo 1; Neurofibroma plexiforme; Pelve.

Keywords: Neurofibromatosis type 1; Plexiform neurofibroma; Pelvis.

Resumo:
Descrição de caso de neurofibroma plexiforme localizado na região pélvica comprometendo bexiga, próstata e coluna lombossacra, com evolução de três anos e seis meses. Diante de contraindicação de remoção cirúrgica, foi realizado acompanhamento clínico e radiológico semestral, sem constatação de crescimento tumoral. Na neurofibromatose tipo 1, as manifestações clínicas são diversas e a equipe médica deve estar atenta à investigação complementar e pode ser surpreendida por um achado raro. As massas pélvicas volumosas podem, eventualmente, corresponder a neurofibromas plexiformes, sendo útil a investigação de neurofibromatose caso o paciente ainda não tenha esse diagnóstico.

Abstract:
The authors report the case of a plexiform neurofibroma located in the pelvis, affecting the bladder, prostate and spine (lumbar/sacral), followed-up for three years and six months. Surgical removal was contraindicated and the patient underwent biannual clinical and radiological follow-up that did not demonstrate any tumor increase. The clinical manifestations of neurofibromatosis type 1 are variable, and the medical team should be attentive to further investigations, considering possible unexpected rare findings. Large pelvic masses may correspond to plexiform neurofibromas, so the diagnostic hypothesis of neurofibromatosis should be taken into consideration.

INTRODUÇÃO

A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é a facomatose mais comum. Apresenta herança autossômica dominante, com penetrância completa e expressividade variável, alta taxa de mutações, amplo espectro clínico e variabilidade intrafamiliar. Os critérios diagnósticos são: manchas café-com-leite, neurofibromas, efélides, gliomas ópticos, alterações ósseas características, nódulos de Lisch e história familiar positiva, não esgotando as manifestações clínicas. Em 2004, havia cerca de 1,5 milhão de pacientes com NF1 no mundo e 80 mil no Brasil(1).

O neurofibroma plexiforme (NFP) é um tumor benigno que envolve fascículos e ramos nervosos, vascularizado, com baixa tendência a apresentar metástases a distância, podendo sofrer malignização em 2-5%(2). Ocorre em 16-40% dos casos, afetando qualquer órgão, com predomínio no tronco, cabeça e pescoço e extremidades(1). Causa significativa morbimortalidade, pois é propenso a crescer e comprometer tecidos adjacentes. Quando presente no abdome inferior, dependendo do tamanho e grau de evolução, interfere nas funções intestinais, vesicais e sexuais(1).

Relatamos um caso com presença do NFP na região pélvica, enfatizando a importância do diagnóstico precoce e acompanhamento do paciente.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 36 anos, com diagnóstico de NF1 desde os 20 anos. Há um ano com queixa de disúria, polaciúria, noctúria e lombalgia. Exame físico compatível com NF1 (manchas café-com-leite, efélides, neurofibromas cutâneos e subcutâneos, nódulos de Lisch, escoliose torácica) e aumento prostático ao toque retal. Exames laboratoriais normais, inclusive o antígeno prostático específico. Foi realizada ressonância magnética (RM) pélvica e da coluna (dorsal e lombossacra) com contraste intravenoso para investigação. A RM da coluna mostrou lesões nodulares isointensas na ponderação T1 e hiperintensas na ponderação T2 e STIR, medindo cerca de 2,1 cm as maiores, algumas em comunicação com os forames neurais dorsais inferiores, lombares e sacrais (Figura 1). Aspecto semelhante foi observado nas estruturas musculares, nos feixes vasculonervosos e no plano cutâneo da região dorsolombar. A RM pélvica mostrou formação expansiva de contornos lobulados, isointensa na ponderação T1 e hipointensa na ponderação T2, hipocaptante de contraste, medindo 10,6 × 7,0 × 6,2 cm, localizada superiormente à próstata e posteriormente à bexiga, sem plano de clivagem com a próstata e a bexiga (Figura 2). Ultrassonografia (US) transretal de próstata identificou massa heterogênea projetada para a luz vesical e nódulos heterogêneos, com aumento volumétrico da glândula. A core biopsy de próstata guiada por US confirmou massa tumoral de natureza neural, compatível com NFP. Após dois meses, nova RM demonstrou a persistência das lesões situadas junto às raízes nervosas da região dorsal e lombossacra (Figura 3), ao longo do trajeto do nervo ciático e de permeio à musculatura glútea. Também permaneceu a formação expansiva com sinal heterogêneo predominantemente reduzido na ponderação T2, com focos de sinal mais elevado e impregnação irregular pelo contraste, medindo 11,5 × 6,7 × 6,0 cm, em íntima relação com a base prostática e parede posterior da bexiga. Além disso, bexiga com capacidade reduzida, vesículas seminais rechaçadas posteriormente e ducto deferente esquerdo espesso e irregular.


Figura 1. Ressonância magnética da coluna lombossacra mostrando imagens ovaladas e alongadas, isointensas na ponderação T1 e hiperintensas na ponderação T2 e STIR, de tamanhos variados, ao nível dos forames neurais e com extensão extraforaminal.


Figura 2. Ressonância magnética da pelve identificando volumosa formação expansiva, com sinal isointenso na ponderação T1 e hipointenso na ponderação T2, com fraca impregnação pelo meio de contraste, na região da próstata e parede posterior da bexiga. Bexiga alongada, distendida e deslocada anterossuperiormente.


Figura 3. Ressonância magnética mostrando múltiplas lesões nodulares e de aspecto cordoniforme, distribuídas ao longo do trajeto das raízes nervosas do plexo sacral, no retroperitônio perivascular, junto às regiões obturadoras e no feixe vasculonervoso periprostático.



Acompanhamento clínico e radiológico semestral, por três anos e seis meses, não registra queixas álgicas ou neurológicas e de crescimento da massa pélvica. A intervenção cirúrgica está contraindicada até o momento. O paciente foi orientado a comunicar qualquer alteração clínica, principalmente em relação a dor e manifestações urinárias.


DISCUSSÃO

A localização pélvica do NFP é incomum(3). Este tipo de neurofibroma provém dos nervos pélvicos, vesicais e do plexo prostático. Acomete crianças e adultos jovens, podendo apresentar-se de forma isolada, superficial ou infiltrativa(3,4). Geralmente, a bexiga é afetada e ocorrem sintomas obstrutivos, incontinência urinária, dor nos flancos, hematúria ou polaciúria(4). O manejo do paciente não está bem estabelecido e o objetivo é o controle dos sintomas(1,5).

Nessa localização, há risco de 12-29% de degeneração maligna, sendo indicado seguimento com avaliação clínica e radiológica periódica(1,5). Dentre os sinais clínicos para suspeita de malignização, estão o surgimento de dor persistente, déficit neurológico e aumento da massa tumoral. A RM é atualmente a melhor técnica de imagem que permite a identificação dos neurofibromas e outras lesões associadas com a doença e possibilita distinguir o NFP do tumor maligno da bainha do nervo periférico, por caracterizar melhor a natureza interna e a extensão dos neurofibromas(6-9). Nota-se a importância da RM com contraste intravenoso e uso das técnicas de saturação de gordura para distinguir a natureza benigna ou maligna das lesões. Também indicam malignidade o aumento assimétrico da lesão e padrão heterogêneo (seja por áreas de necrose, hemorragia ou reforço heterogêneo por impregnação pelo meio de contraste) na RM com contraste(6,7). Os NFPs, à RM, exibem sinal de intermediário a levemente hiperintenso em relação à musculatura na ponderação T1, e na ponderação T2 as lesões são hiperintensas e podem apresentar septações hipointensas(9). A presença dos achados sugestivos de NFP nos exames de imagem (principalmente RM com contraste) em pacientes com NF1 torna a biópsia desnecessária para a confirmação diagnóstica(9). Até o momento, não foram evidenciados sinais significativos de crescimento do NFP no paciente descrito.

A ressecção cirúrgica é complexa, sobretudo em localização atípica, pela proximidade de estruturas nobres. Assim, deve ser indicada quando houver suspeita clínica e radiológica de malignização, visto que os riscos inerentes do procedimento e a recidiva do tumor são comuns(5).

O caso relatado demonstra a complexidade do quadro clínico da NF1. Apesar da raridade do envolvimento pélvico, convém lembrar que a NF1 pode se associar a múltiplos sintomas. Deve-se incluir o NFP no diagnóstico diferencial de massas pélvicas extensas e bilaterais, porque pode simular várias doenças frequentes do retroperitônio (linfonodomegalias, abscessos, outros tumores neurogênicos, metástases ou sarcomas de partes moles). Reforçamos a necessidade da avaliação clínica e radiológica semestral, para manter a vigilância quanto à malignização.

Agradecimento

Ao Centro Nacional de Neurofibromatose (CNNF).


REFERÊNCIAS

1. Geller M, Bonalumi AF. Neurofibromatose: clínica, genética e terapêutica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.

2. Rubenstein AE, Korf BR. Neurofibromatosis. A handbook for patients, families, and health care professionals. 1st ed. New York: Thieme; 1990.

3. Castillo PMC, Gregorio SA, Alcaide JRC, et al. Neurofibroma de la vejiga: caso clínico y revisión de la literatura. Arch Esp Urol. 2006;59:899-901.

4. Cheng L, Scheithauer BW, Leibovich BC, et al. Neurofibroma of the urinary bladder. Cancer. 1999;86:505-13.

5. Nunes TF, Costa RP, Navarro FC. Von Recklinghausen's disease with urogenital manifestation. Int Braz J Urol. 2005;31:153-4.

6. Ros PR, Eshaghi N. Plexiform neurofibroma of the pelvis: CT and MRI findings. Magn Reson Imaging. 1991;9:463-5.

7. Mautner VF, Friedrich RE, von Deimling A, et al. Malignant peripheral nerve sheath tumours in neurofibromatosis type 1: MRI supports the diagnosis of malignant plexiform neurofibroma. Neuroradiology. 2003;45:618-25.

8. Jana M, Gamanagatti S, Kumar R, et al. Pelvic neurofibroma arising from prostate in a case of neurofibromatosis-1. Indian J Urol. 2011;27:415-7.

9. Cançado DD, Leijoto CC, Carvalho CES, et al. Neurofibromatose plexiforme retroperitoneal e pélvica: aspectos na tomografia computadorizada e ressonância magnética - relato de caso e revisão da literatura. Radiol Bras. 2005;38:239-42.










1. Especializanda em Dermatologia no Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (IDPRDA-SCMRJ), Médica Colaboradora do Centro Nacional de Neurofibromatose (CNNF), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Especialista em Genética Médica, Médico do Centro Nacional de Neurofibromatose (CNNF), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Especialista em Genética Médica, Médico do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
4. Médico Radiologista da Casa de Saúde João XXIII, Itaocara, RJ, Brasil
5. Professor Titular de Imunologia Clínica do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC), Professor e Coordenador do Setor de Facomatoses do Serviço de Genética do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
6. Doutora em Ciências Biológicas (Genética), Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência:
Dra. Érica Bertolace Slaibi
Rua Voluntários da Pátria, 401, Centro
Visconde do Rio Branco, MG, Brasil, 36520-000
E-mail: ericaslaibi@bol.com.br

Recebido para publicação em 19/12/2012.
Aceito, após revisão, em 19/11/2013.

Trabalho realizado no Centro Nacional de Neurofibromatose (CNNF) - Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (IDPRDA-SCMRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 
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