RELATO DE CASO
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Autho(rs): Daniel Zambuzzi Naufel1; Thiago José Penachim2; Leandro Luiz Lopes de Freitas3; Patricia Prando Cardia2; Adilson Prando4 |
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Descritores: Endometriose; Ureter; Tamoxifeno; Ressonância magnética; Biópsia. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O tamoxifeno, droga amplamente usada no manejo quimioterápico do câncer de mama por sua ação antiestrogênica no tecido mamário, possui também efeito agonista no endométrio. Em terapias prolongadas, esta medicação provoca desordens proliferativas endometriais que podem incluir um amplo espectro de alterações patológicas, tais como hiperplasia endometrial, pólipos hiperplásicos e câncer endometrial, além de estar associada a endometriose em pacientes no período pós-menopausa(1). Nos últimos anos, muitos trabalhos têm sido publicados acerca do diagnóstico por imagem da endometriose, ressaltando-se, principalmente, a ultrassonografia transvaginal (US) e a ressonância magnética (RM) como métodos de escolha. Tais métodos possibilitam a adequada avaliação dos sítios de acometimento, bem como o planejamento cirúrgico quando necessário, sendo que nos casos de dúvida diagnóstica a biópsia percutânea representa opção útil e pouco invasiva para a confirmação. Neste relato de caso ressaltamos o valor dos achados do exame da RM pélvica que permitiram a suspeita diagnóstica de lesão periureteral em uma paciente menopausada em uso de tamoxifeno por câncer de mama, que se apresentou com dor lombar esquerda decorrente de hidronefrose. A exclusão do diagnóstico diferencial de acometimento metastático do câncer de mama e a confirmação histopatológica de endometriose foram possíveis por intermédio da biópsia percutânea da lesão guiada por tomografia computadorizada multislice (TCM). RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 55 anos, com antecedente de câncer de mama, em uso de tamoxifeno por dois anos, porém sem outras comorbidades ou antecedente cirúrgico, apresentou-se com dor lombar esquerda inespecífica. Foi submetida a US, que mostrou hidronefrose à esquerda, sem fator obstrutivo evidente. Foi realizada complementação com RM, que demonstrou tecido sólido retroperitoneal de aspecto retrátil envolvendo o ureter esquerdo no plano do cruzamento com os vasos ilíacos, determinando estenose ureteral e hidronefrose (Figura 1). Figura 1. Imagens de RM ponderadas em T2 axial (a) e coronal (b) e T1 com supressão de gordura (c) revelando tecido sólido retroperitoneal retrátil (setas) predominantemente com baixo sinal em T1 e T2, em sítio periureteral no plano do cruzamento com os vasos ilíacos, determinando obstrução ureteral e hidronefrose (d). A ureteroscopia identificou lesão vegetante polipoide intraluminal, cuja biópsia foi compatível com processo inflamatório crônico. Em razão do antecedente neoplásico de câncer de mama e a possibilidade de a lesão corresponder a um acometimento metastático, optou-se por realizar biópsia de fragmento percutânea guiada por TCM(2) (Figura 2), utilizando agulha 18 gauge. Figura 2. a: Biópsia percutânea de lesão retrátil retroperitoneal periureteral esquerda (seta). b: Utilizado acesso abdominal anterior, com técnica de compressão extrínseca da parede abdominal para afastamento das alças intestinais. O resultado anatomopatológico foi compatível com tecido endometriótico (Figura 3), dispensando-se terapias oncológicas e orientando o tratamento clínico para endometriose pélvica profunda, sendo considerada a abordagem cirúrgica com reimplante ureteral. Como a paciente estava próxima do término do tratamento com o tamoxifeno, optou-se por suspender a droga, a fim de possibilitar regressão e redução volumétrica espontânea do tecido endometriótico, o que de fato aconteceu, e a paciente passou a ficar assintomática após cerca de dois meses, sem comprometimento significativo da filtração e excreção renal ao renograma com radiofármaco 99mTc-DTPA. Não houve, até o presente momento, a necessidade de abordagem invasiva. Caso a paciente permanecesse sintomática ou houvesse comprometimento da função renal, optar-se-ia por ressecção do tecido fibrótico e da porção ureteral acometida, com anastomose ureteroureteral ou derivação ureterovesical, com neobexiga psoica. Figura 3. a: Fragmento filiforme de tecido fibroadiposo mostrando, em uma das extremidades (seta), glândulas tubulares de permeio a estroma fusocelular (coloração hematoxilina-eosina, aumento 100×). b: Epitélio de revestimento e glandular cilíndrico sem atipias (asteriscos), de permeio a estroma fusocelular com focos de hemorragia, ambos com aspecto semelhante a endométrio (coloração hematoxilina-eosina, aumento 400×). c: Preparado citológico realizado durante o procedimento de coleta da biópsia (a fim de avaliar a adequabilidade da amostra) mostrando agrupamento epitelial amplo sem atipias (coloração Panótico, aumento 400×). DISCUSSÃO A endometriose, definida como presença de tecido endometrial em sítios extrauterinos, podendo causar dismenorreia, dispareunia, dor pélvica e infertilidade(3), é entidade extremamente rara em mulheres no período pós-menopausa. Sítios frequentes de acometimento endometriótico são os ovários, os ligamentos uterinos, as superfícies serosas, o fundo de saco de Douglas, as tubas uterinas, o retossigmoide e o espaço vesicouterino(3,4). No entanto, implantes endometrióticos podem afetar o trato urinário em até 20% dos casos, acometendo, em ordem decrescente, a bexiga, o ureter distal, os rins e a uretra, sendo que a endometriose ureteral é rara e representa apenas 0,08-1% dos casos, principalmente em mulheres na pré-menopausa(5,6). Em razão da crescente utilização dos métodos de diagnóstico por imagem, como a US e principalmente a RM, várias formas de manifestação não usuais da endometriose têm sido observadas. A capacidade de aquisição de imagens multiplanares e a alta sensibilidade na detecção de conteúdo hemático, associadas à facilidade na identificação de sítios de acometimento endometriótico encobertos por aderências grosseiras, fizeram da RM o método não invasivo de escolha no diagnóstico da endometriose(4,7,8), com sensibilidade, especificidade e acurácia de 90-92%, 91-98% e 91-96%, respectivamente(9). Além da raridade do acometimento endometriótico em sítio e faixa etária não usuais, o que chama a atenção neste relato é o fato de a paciente estar em uso de tamoxifeno. Não há relatos suficientes na literatura que realmente comprovem se o tamoxifeno pode desenvolver foco de endometriose antes não existente ou se apenas exacerba focos endometrióticos pré-existentes, porém, a ocorrência de uma doença estrogênio-dependente em pacientes tratadas com tamoxifeno na pós-menopausa sugere uma estreita relação causal entre o uso desta droga e a doença descrita(1). A paciente deste relato estava no período pós-menopausa e não apresentava história prévia ou sintomas sugestivos de endometriose. Dessa maneira, não é possível excluir a possibilidade de desenvolvimento de foco de endometriose antes não existente, ou mesmo exacerbação clínica de doença até então assintomática, secundários ao uso de tamoxifeno. Dada a importância do diagnóstico por imagem desta doença, é necessário que o radiologista reconheça e esteja atento aos achados da RM que sugerem o seu diagnóstico, enfatizando-se a necessidade constante da avaliação, correlação clinicorradiológica e patológica correta, para que medidas terapêuticas adequadas sejam aplicadas. O presente relato, enfim, destaca a ocorrência rara de endometriose em sítio não usual em uma paciente menopausada fazendo uso de tamoxifeno, cujo diagnóstico pode ser suspeitado por RM. REFERÊNCIAS 1. Ismail SM, Maulik TG. Tamoxifen-associated post-menopausal endometriosis. Histopathology. 1997;30:187-91. 2. Gupta S, Nguyen HL, Morello FA Jr, et al. Various approaches for CT-guided percutaneous biopsy of deep pelvic lesions: anatomic and technical considerations. Radiographics. 2004;24:175-89. 3. Choudhary S, Fasih N, Papadatos D, et al. Unusual imaging appearances of endometriosis. AJR Am J Roentgenol. 2009;192:1632-44. 4. Coutinho A Jr, Bittencourt LK, Pires CE, et al. MR imaging in deep pelvic endometriosis: a pictorial essay. Radiographics. 2011;31:549-67. 5. Woodward PJ, Sohaey R, Mezzetti TP Jr. Endometriosis: radiologicpathologic correlation. Radiographics. 2001;21:193-216. 6. Lima CMAO, Coutinho EPD, Ribeiro EB, et al. Ressonância magnética na endometriose do trato urinário baixo: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2009;42:193-7. 7. Siegelman ES, Oliver ER. MR imaging of endometriosis: ten imaging pearls. Radiographics. 2012;32:1675-91. 8. Chamié LP, Blasbalg R, Pereira RM, et al. Findings of pelvic endometriosis at transvaginal US, MR imaging, and laparoscopy. Radiographics. 2011;31:E77-100. 9. Glastonbury CM. The shading sign. Radiology. 2002;224:199-201. 1. Médico Aperfeiçoando em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Centro Radiológico Campinas - Hospital Vera Cruz, Campinas, SP, Brasil 2. Médicos Radiologistas do Centro Radiológico Campinas - Hospital Vera Cruz, Campinas, SP, Brasil 3. Doutor, Médico Patologista do Laboratório Multipat, Campinas, SP, Brasil 4. Médico Radiologista, Chefe do Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Vera Cruz, Campinas, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Daniel Zambuzzi Naufel Centro Radiológico Campinas - Hospital Vera Cruz Avenida Andrade Neves, 707, Botafogo Campinas, SP, Brasil, 13013-161 E-mail: dznaufel00@hotmail.com Recebido para publicação em 11/4/2013. Aceito, após revisão, em 18/11/2013. Trabalho realizado no Centro Radiológico Campinas - Hospital Vera Cruz, Campinas, SP, Brasil. |