Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 5 - Set. / Out.  of 2014

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 283 to 287



Bloqueio do plexo celíaco: estudo anatômico e simulação em tomografia computadorizada

Autho(rs): Gabriela Augusta Mateus Pereira1; Paulo Tadeu Campos Lopes2; Ana Maria Pujol Vieira dos Santos2; Adriane Pozzobon3; Rodrigo Dias Duarte4; Alexandre da Silveira Cima5; Ângela Massignan5

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Texto em Português English Text

Descritores: Bloqueio do plexo celíaco; Acesso transcrural; Tomografia computadorizada; Anatomia.

Keywords: Celiac plexus block; Transcrural pathway; Computed tomography; Anatomy.

Resumo:
OBJETIVO: Analisar variações anatômicas relacionadas ao bloqueio do plexo celíaco por meio da simulação por tomografia computadorizada e avaliar a possibilidade de transfixação de órgãos pelo método transcrural.
MATERIAIS E MÉTODOS: Cento e oito imagens de tomografias computadorizadas transaxiais abdominais foram analisadas. As relações aorto-vertebral, tronco celíaco (TCe)-vertebral, TCe-aórtica e celíaco-aorto-vertebral foram registradas. Em cada imagem foram dispostas duas trajetórias de agulhas, a 9 cm e a 4,5 cm à esquerda e à direita da linha média. Os órgãos vitais transfixados e associações relacionadas ao gênero foram registrados.
RESULTADOS: Aorto-vertebral - 45,37% esquerda e 54,62% central; TCe-vertebral - T12, 36,11%; T12-L1, 32,4%; L1, 27,77%; T11-T12, 2,77%; TCe-aórtica - 53,7% esquerda e 46,3% central; celíaco-aorto-vertebral - L-l, 22,22%; M-m, 23,15%; L-m, 31,48%; M-l, 23,15%. Em nenhum dos critérios analisados houve correspondência no lado direito e nem associação significativa entre os gêneros.
CONCLUSÃO: O bloqueio do plexo celíaco não deve ser padronizado, em razão das amplas variações anatômicas abdominais e das características próprias de cada acesso, sendo necessário o registro de imagem prévio ao procedimento para cada paciente, visando diminuir riscos de lesão. Registros sobre a variação anatômica quanto ao gênero, relacionados ao bloqueio do plexo celíaco, devem ser aprofundados.

Abstract:
OBJECTIVE: To analyze anatomical variations associated with celiac plexus complex by means of computed tomography simulation, assessing the risk for organ injury as the transcrural technique is utilized.
MATERIALS AND METHODS: One hundred eight transaxial computed tomography images of abdomen were analyzed. The aortic-vertebral, celiac trunk (CeT)-vertebral, CeT-aortic and celiac-aortic-vertebral topographical relationships were recorded. Two needle insertion pathways were drawn on each of the images, at right and left, 9 cm and 4.5 cm away from the midline. Transfixed vital organs and gender-related associations were recorded.
RESULTS: Aortic-vertebral - 45.37% at left and 54.62% in the middle; CeT-vertebral - T12, 36.11%; T12-L1, 32.4%; L1, 27.77%; T11-T12, 2.77%; CeT-aortic - 53.7% at left and 46.3% in the middle; celiac-aortic-vertebral - L-l, 22.22%; M-m, 23.15%; L-m, 31.48%; M-l, 23.15%. Neither correspondence on the right side nor significant gender-related associations were observed.
CONCLUSION: Considering the wide range of abdominal anatomical variations and the characteristics of needle insertion pathways, celiac plexus block should not be standardized. Imaging should be performed prior to the procedure in order to reduce the risks for injuries or for negative outcomes to patients. Gender-related anatomical variations involved in celiac plexus block should be more deeply investigated, since few studies have addressed the subject.

INTRODUÇÃO

O bloqueio do plexo celíaco (BPC) é um procedimento indicado em casos de câncer de abdome superior, pancreatite crônica, metástases e tumores dolorosos retroperitoneais ou em casos de dor abdominal crônica em pacientes que não respondem ao tratamento com doses altas de analgésicos narcóticos(1-3). Desde o início do século XX, o BPC vem sofrendo adaptações, originando diversas técnicas que se diferenciam, principalmente, quanto ao tipo de acesso, instrumentos utilizados, sedação, soluções neurolíticas, controle de imagem e período de realização no decorrer da enfermidade do paciente. As variações e combinações de técnicas têm ocorrido para aumentar as chances de sucesso do procedimento e diminuir as complicações e a morbidade(4-8).

O plexo celíaco (PC) está localizado profundamente no retroperitônio, acima da superfície anterolateral da aorta, ao nível do tronco celíaco (TCe), sendo uma densa rede de gânglios com variações consideráveis em relação ao tamanho, número e posição(6-13). Originando-se de fibras simpáticas dos nervos esplâncnicos, estende-se de T5 a T12 e contém fibras aferentes pré-ganglionares esplâncnicas, fibras parassimpáticas pré-ganglionares e fibras simpáticas pós-ganglionares. Localiza-se no epigástrio, posterior ao estômago e pâncreas e anterior aos pilares diafragmáticos, onde envolve o TCe, as artérias mesentéricas superiores e a aorta. A dor visceral transmitida pelo PC está relacionada ao pâncreas, diafragma, estômago, fígado, baço, intestino delgado, colo transverso, glândulas suprarrenais, rins, aorta abdominal e mesentério(7,13,14).

Os acessos retrocrural, transcrural, transaórtico e anterior são as abordagens mais comuns registradas para a realização do BPC e diferem entre si quanto ao direcionamento, angulação da inserção e trajetória da agulha, posicionamento do paciente, entre outros fatores que fazem com que cada técnica apresente riscos e benefícios próprios. O controle por imagem no BPC, usado para visualização da inserção correta da agulha e confirmação da expansão do contraste, tem sido mais comumente realizado por meio de tomografia computadorizada (TC), ultrassonografia ou fluoroscopia(6-8,12,15-18). A escolha da técnica deve ser individualizada de acordo com as facilidades disponíveis, a experiência clínica, a condição física do paciente e a gravidade da doença(18).

O BPC pode oferecer riscos ao paciente, dependendo da técnica empregada e de variações anatômicas abdominais(19). Embora ocorram em menos de 2% dos pacientes submetidos ao BPC, complicações incluem irritação diafragmática, hipotensão ortostática, pneumotórax, pericardite, lesão de discos intervertebrais, abscesso retroperitoneal, diarreia transitória, dissecção arterial, pleurite, danos neurológicos(8,17). Apesar disso, a literatura comprova os benefícios significativos na qualidade de vida dos pacientes submetidos a este procedimento(4,17,18,20,21).

A variação de técnicas empregadas desde 1919(3) e o escasso número de artigos que relatem problemas decorrentes destes procedimentos, como transfixação de órgãos e injúrias neurológicas, ou ainda, que analisem as amplas variações anatômicas das estruturas relacionadas ao BPC, expõem a necessidade da realização de um maior número de registros referentes a este importante recurso analgésico.

O presente estudo tem por objetivo analisar variações anatômicas relacionadas ao BPC e aplicar, por meio da simulação por TC, uma das técnicas descritas na literatura. Imagens de TC obtidas com cortes axiais abdominais de pacientes adultos foram analisadas, visando avaliar um dos principais riscos deste procedimento, que é a possibilidade de transfixação de órgãos ou estruturas pela trajetória da agulha até a região do PC.


MATERIAIS E MÉTODOS

Foram analisadas imagens de TC transaxiais abdominais com contraste intravenoso de 108 pacientes adultos - 72 femininos e 36 masculinos -, recuperadas do sistema Siemens, Syngo. As análises foram realizadas por cortes com intervalos de 1 cm. A simulação do BPC foi baseada no método transcrural adaptado(22).

O corte axial ao nível do TCe foi selecionado para cada paciente avaliando a aorta no sentido crânio-caudal, desde a altura do hiato aórtico diafragmático até o primeiro ramo anterior da artéria aorta abdominal. O TCe foi identificado conforme os critérios: 1) primeiro ramo anterior da aorta abdominal; 2) dividido em artérias gástrica esquerda, hepática comum e esplênica; 3) diferente da artéria mesentérica superior.

A localização da aorta foi determinada em relação ao corpo vertebral, ao nível da emergência do TCe, sendo definida como anterior ao terço esquerdo (l), anterior ao terço médio (m) e anterior ao terço direito (r) do corpo vertebral.

O nível de emergência do TCe foi determinado em relação à coluna vertebral. Analisando-se os cortes tomográficos axiais no sentido crânio-caudal, identificou-se a origem do TCe, a partir da aorta, ao nível de um corpo vertebral ou de um espaço intervertebral. O ponto de origem do TCe, a partir da aorta, foi registrado como à esquerda (L), anterior (no meio) (M) e à direita (R) da parede aórtica. A correlação celíaco-aorto-vertebral foi analisada e dividida nos grupos L-l, M-m, L-m ou M-l, L-r e R-l.

Na imagem axial, em que foi identificada a origem do TCe, foram traçadas linhas representando o trajeto das agulhas. A partir da linha média, definida como sendo o processo espinhoso da vértebra, foram desenhadas duas linhas de cada lado do corpo. A imagem original foi rotada 180° para simular a posição pronada do paciente no procedimento virtual. A primeira linha foi traçada partindo-se de um ponto distando 9 cm da linha média, na superfície cutânea, projetando-se tangencialmente ao corpo vertebral e ultrapassando os pilares diafragmáticos, linha 9 (L9). A segunda linha foi inserida da mesma forma, mas distando 4,5 cm da linha média (L4,5).

Os órgãos vitais transfixados pela linha L9 e linha L4,5 foram registrados, assim como as associações entre os gêneros e os critérios analisados.

Os dados foram analisados com estatística descritiva, expressos como a média ± desvio-padrão da média (DP). Os níveis de emergência e relações foram apresentados como percentual. Utilizou-se o teste exato de Fisher para verificar a associação entre o gênero, nível de emergência e as relações. A análise estatística dos dados foi feita no software Bioestat 5.00®. O nível de significância foi considerado como p < 0,05.


RESULTADOS

Foram analisadas imagens de 108 indivíduos, sendo 72 mulheres e 36 homens. Dentre os pacientes avaliados, a maioria apresentava exame tomográfico normal. Nos casos alterados, os diagnósticos mais prevalentes foram: cisto renal (12,03%; n = 13), seguido de litíase renal (8,33%; n = 9), cisto hepático (5,55%%; n = 6), metástase hepática (4,6%; n = 5), divertículos colônicos (3,7%; n = 4), nódulo hepático (2,77%; n = 3) e linfonodomegalia retroperitoneal (2,77%; n = 3). Outros casos incluíram carcinoma renal e carcinoma hepatocelular.

Quanto ao nível de emergência do TCe em relação às vértebras, 36,11% emergiram de T12, 32,4% entre T12 e L1, 27,77% de L1 e apenas 2,77% emergiram entre T11 e T12.

Os resultados referentes à relação topográfica celíaco-aorto-vertebral demonstraram correspondência à esquerda da parede aórtica (L-l) em 22,22% dos casos, no meio (M-m) em 23,15%, à esquerda do meio (L-m) em 31,48%, e central-esquerda (M-l) em 23,15% dos casos. Nenhuma correspondência foi observada à direita da parede aórtica.

As porcentagens de órgãos transfixados pelas linhas L9 e L4,5 são apresentadas na Tabela 1. A Tabela 2 expõe os resultados referentes à transfixação de órgãos nas duas trajetórias da agulha, L9 e L4,5 cm, encontrados no presente trabalho e no estudo de Yang et al.(22). Imagens de alguns órgãos transfixados são mostradas na Figura 1.






Figura 1. A: Trajeto de inserção da agulha, 9,0 cm à direita da linha média, indicando transfixação dos pulmões. B: Trajeto de inserção da agulha, 4,5 cm à direita e à esquerda da linha média, indicando transfixação dos pulmões.



Não houve associação significativa entre os gêneros masculino e feminino e as relações TCe-vertebral, aortovertebral, TCe-aórtica e celíaco-aorto-vertebral.


DISCUSSÃO

Na literatura, o registro de características anatomorradiográficas das estruturas relacionadas ao BPC é escasso. As variações anatômicas abdominais do TCe e estruturas circunjacentes, essenciais para a orientação da agulha durante o bloqueio, não têm sido estudadas suficientemente(5,22).

Os dados sobre a correlação celíaco-aorto-vertebral diferenciaram-se dos obtidos por Yang et al.(22), principalmente quanto à relação L-l, os quais encontraram, aproximadamente, o dobro de casos. Nossos resultados não evidenciaram nenhuma correlação do lado direito, o que é corroborado pela baixa frequência (L-r e R-l de 0,5%) relatada no estudo acima citado.

O ponto de origem do TCe a partir da aorta, registrado neste estudo, teve valores aproximados aos obtidos no estudo de Yang et al.(22).

Os dados sobre a correlação TCe-vertebral diferenciaram-se dos registrados no estudo anteriormente citado, somente quanto aos 6,5% emergindo entre T11-T12 relatados por eles. Registros sobre o gênero feitos em trabalho de Puelma et al.(23) evidenciam a correlação com T12 em 50% dos homens e em 52,9% das mulheres e com L1 em 50% e 47,1%, respectivamente.

A correlação aorto-vertebral apresentou diferença significativa comparada com dados de Yang et al.(22), que relataram 70% anterior ao terço esquerdo, 29% anterior ao terço médio e 1% anterior ao terço direito do corpo vertebral.

A possibilidade de transfixação de órgãos pela trajetória das agulhas até a região do PC por duas linhas partindo da linha média foi analisada. No presente estudo, os pulmões direito e esquerdo foram transfixados pela trajetória das agulhas nas duas medidas (Figura 1), ao passo que resultados Yang et al.(22) não mostraram possibilidade de pneumotórax. Além disto, os resultados para a transfixação dos rins, veia cava inferior, aorta e fígado também ficaram distantes dos obtidos no trabalho citado (Tabela 2). As diferenças encontradas entre os dois trabalhos evidenciam claramente o fator determinante da variação anatômica no BPC.

A transfixação renal é mais provável quando as agulhas são inseridas mais de 7,5 cm da linha média e avançam lateralmente ao corpo vertebral(6). Os casos relatados na literatura de perfuração de pâncreas, estômago, fígado e de pneumotórax são considerados raros(5,7,17,24,25). A perfuração de rins e pulmões não ultrapassou 0,8%(24). O controle de imagem por TC pode minimizar estas complicações(6).

Buscando-se novas trajetórias simuladas até o PC, mas que não transfixassem nenhum órgão vital, tiveram que ser descartados 7,5% das 400 tentativas em imagens, pois haveria perfuração(26). Nesse mesmo estudo, houve diferença na medida entre o ponto de inserção da agulha e a linha média (PI-LM) entre os gêneros, sendo as distâncias maiores, nos homens. Também houve diferença significativa entre os lados direito (7,04 cm) e esquerdo (3,58 cm) para este critério. Foi sugerido em torno de 7,5 cm para os dois lados, podendo variar entre 4 e 10 cm(27).

A distância PI-LM em pacientes homens com pancreatite foi maior (7,47 cm no lado direito e 3,78 no lado esquerdo) do que em mulheres com a mesma afecção (6,64 cm no lado direito e 3,25 cm no lado esquerdo)(22,26). No presente estudo, as afecções presentes nas imagens utilizadas não alteraram a anatomia, desta forma, não requerendo a alteração da trajetória até o PC.

Na literatura há dados escassos sobre a variação anatômica abdominal dos gêneros masculino e feminino relacionados ao BPC, o que é sustentado em estudo de McCartney et al.(5). No presente estudo, não houve associação significativa entre os gêneros masculino e feminino e as relações TCe-vertebral, aorto-vertebral, TCe-aórtica e celíaco-aortovertebral. Também não foram significativos os dados previamente encontrados quanto à correlação TCe-vertebral(23).

A modalidade de controle de imagem mais adequada no BPC é controversa(3,5,6,18). Outro estudo de Yang et al. recomenda a utilização das imagens de TC pré-procedimento e imagens por fluoroscopia durante o procedimento(28). Outros autores consideram o controle por TC mais adequado, tanto previamente quanto durante o procedimento, devido à diminuição considerável dos riscos(7,8,17,25,29,30).


CONCLUSÃO

O procedimento BPC não deve ser padronizado, em função das amplas variações anatômicas abdominais relacionadas ao gênero, da lateralidade e das doenças, bem como das características próprias de cada acesso, sendo necessário o registro de imagem prévio ao procedimento para cada paciente, para diminuir riscos de injúria ou efeitos deletérios.

Registros sobre a variação anatômica quanto aos gêneros, relacionados ao BPC, devem ser aprofundados, pois são escassos os dados relatados na literatura.

Este estudo pode contribuir para o conhecimento da anatomia arterial abdominal requerida em outros procedimentos cirúrgicos invasivos, diagnósticos ou terapêuticos.


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1. Mestre, Professora de Anatomia Humana da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Canoas, RS, Brasil
2. Doutores, Professores de Anatomia Humana da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Canoas, RS, Brasil
3. Doutora, Professora de Anatomia Humana do Centro Universitário Univates, Lajeado, RS, Brasil
4. Médico Radiologista da Fundação Serdil/Saint Pastous, Porto Alegre, RS, Brasil
5. Médicos Residentes em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Fundação Serdil/Saint Pastous, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Paulo Tadeu Campos Lopes
Universidade Luterana do Brasil
Avenida Farroupilha, 8001, prédio 14, sala 323, Bairro São José
Canoas, RS, Brasil, 92425-900
E-mail: pclopes@ulbra.br

Recebido para publicação em 12 de agosto de 2013.
Aceito, após revisão, em 10 de março de 2014.

Trabalho realizado na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Canoas, RS, Brasil.
 
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