EDITORIAL
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Autho(rs): Jorge Elias Jr |
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O grande aumento do número de exames de imagem realizados por diversas indicações clínicas ocorrido nas últimas duas décadas determinou uma mudança profunda na maneira como são diagnosticadas várias lesões em diversos órgãos e situações clínicas, abrangendo uma gama de impacto no manejo e conduta destas lesões, que podem ser ou não clinicamente significantes.
Ou seja, um grande aumento das lesões incidentais, as quais incluem lesões clinicamente insignificantes e subclínicas, permitiu que os radiologistas passassem a contribuir de maneira ainda mais intensa no entendimento da história natural de várias dessas lesões, por meio do diagnóstico precoce, como também pelo seguimento de grupos de lesões pelos métodos de imagem. Nesse contexto, também assistimos a uma evolução intensa nas técnicas histopatológicas, incluindo-se técnicas modernas de biologia molecular. Especificamente no caso das lesões focais hepáticas, houve acentuada melhora diagnóstica, com aumento da acurácia dos métodos de imagem na avaliação das lesões mais frequentes, como o hemangioma, a hiperplasia nodular focal, o adenoma e, principalmente, o carcinoma hepatocelular. O conhecimento acumulado baseado em evidências sólidas mudou de maneira radical e positiva o manejo dos pacientes, com a definição das apresentações típicas. Como exemplo, raramente é necessária, hoje, a confirmação histopatológica do carcinoma hepatocelular para a indicação de tratamento e mesmo para a utilização de pontuação extra na determinação da posição na lista de transplante hepático para os pacientes que se enquadram nos critérios estabelecidos pela entidade governamental responsável. Seguindo ainda o raciocínio do crescente número de exames de imagem, que persiste como fenômeno mundial, cresce também a frequência de diagnósticos de lesões mais raras, cujos achados de imagem apresentam relativamente menos evidências acumuladas e, portanto, determinam maior dificuldade e desafio no estabelecimento de diagnóstico definitivo exclusivamente pelos métodos de imagem. Nesse contexto, o artigo publicado neste número da Radiologia Brasileira intitulado "Tumores hepáticos incomuns: ensaio iconográfico - Parte 1", por Pedrassa et al.(1), traz levantamento providencial de características imaginológicas de uma série dessas lesões focais hepáticas mais raras, incluindo o angiossarcoma, o angiomiolipoma, o cistoadenoma/carcinoma biliar, o hemangioendotelioma epitelioide e o carcinoma hepatocelular fibrolamelar. A regra geral indica que "são mais frequentes as apresentações incomuns das lesões comuns do que as apresentações 'comuns' das lesões incomuns". Considerando as cinco lesões apresentadas no artigo, percebemos que algumas das características mostradas nos exames de imagem são muito importantes para se levantar a possibilidade diagnóstica. No entanto, os aspectos clinicolaboratoriais e atuariais são igualmente importantes, principalmente quando consideramos uma possível exclusão das lesões mais frequentes da lista de diagnóstico diferencial. Determinados achados de imagem são muitas vezes suficientes para lembrarmos de certas lesões, como é o caso da presença de gordura macroscópica no angiomiolipoma e a cicatriz central sem realce pós-contraste (e, eventualmente com calcificações) na variante fibrolamelar do carcinoma hepatocelular. No entanto, nunca devemos basear o diagnóstico mais provável em um única característica evidenciada nos métodos de imagem, ainda mais quando se trata de lesões focais hepáticas, as quais podem apresentar mimetização entre elas(2,3). O detalhamento dessa caracterização, a sua associação com outras características da própria lesão e do fígado, bem como o contexto clínico e laboratorial, são de extrema importância na consideração diagnóstica. Um aspecto interessante de ser lembrado sobre essas lesões é a velocidade de crescimento determinada pelo comportamento biológico, relativamente muito mais conhecida para as lesões comuns. Espera-se um crescimento rápido do angiossarcoma e relativamente lento ou inexistente do angiomiolipoma, com as outras lesões apresentando velocidades de crescimento intermediárias. Essa informação tem importância quando consideramos que mais e mais temos maior probabilidade de identificarmos lesões incidentais subclínicas, as quais eventualmente podem não apresentar as características clássicas demonstradas em lesões maiores, já com quadro clínico estabelecido. Neste cenário, também é interessante reforçar a descrição, no referido artigo, de que o carcinoma fibrolamelar frequentemente se apresenta com massa grande devido ao crescimento lento e silencioso(1). A necessidade de confirmação histopatológica persiste em grande número de casos de lesões hepáticas incomuns e/ou atípicas. Em que pesem as óbvias diferenças quanto à punção por agulha fina (citopatologia), biópsia por fragmento e biópsia excisional, é importante ter em mente que as lesões incomuns também podem trazer dificuldades para o diagnóstico patológico definitivo. Grande parte das lesões atípicas acaba sendo submetida a biópsia por agulha com obtenção de fragmento, as quais estão sujeitas a problemas evidentes de amostragem. Na avaliação das biópsias por fragmento, Mitchell et al.(4) propõem uma classificação geral das lesões em: 1) claramente hepatocítica e maligna; 2) claramente hepatocítica, de natureza clínica incerta e potencial maligno; 3) claramente maligna e de linhagem incerta; 4) não claramente hepatocítica ou maligna. Esses autores chamam a atenção para a necessidade de integração entre os achados clínicos, laboratoriais e de imagem, bem como salientam que a avaliação histopatológica necessita de colorações histoquímicas e imunohistoquímicas, cuja seleção de marcadores depende de achados na coloração hematoxilina-eosina e nos possíveis diagnósticos levantados. Portanto, a ampliação do diagnóstico diferencial determinado pelos métodos de imagem auxilia e tem impacto positivo na avaliação histopatológica. É importante lembrar que com o aparecimento de novos marcadores e com as constantes pesquisas objetivando melhor entendimento dos tumores hepáticos, poderemos ter maiores subsídios para identificar e descrever novos aspectos nos métodos de imagem para lesões comuns e incomuns, como ocorreu recentemente para os adenomas hepáticos(5,6). Em conclusão, o reconhecimento de características de imagem das lesões hepáticas incomuns, bem como o reconhecimento dos aspectos atípicos das lesões hepáticas mais frequentes, são importantes na construção de lista de diagnóstico diferencial apropriada, conferindo ao radiologista posição de destaque no diagnóstico e tratamento dos pacientes com lesões focais hepáticas. REFERÊNCIAS 1. Pedrassa BC, Rocha EL, Kierszenbaum ML, et al. Tumores hepáticos incomuns: ensaio iconográfico - Parte 1. Radiol Bras. 2014;47:310-6. 2. Fasih N, Shanbhogue AKP, Thipphavong S, et al. Gamut of focal fatty lesions in the liver: imaging manifestations with emphasis on magnetic resonance imaging. Curr Probl Diagn Radiol. 2010;39:137-51. 3. Kim T, Hori M, Onishi H. Liver masses with central or eccentric scar. Semin Ultrasound CT MR. 2009;30:418-25. 4. Mitchell KA, Jain D. Diagnostic approach to needle biopsies of hepatic mass lesions. Diagn Histopathol. 2008;14:598-608. 5. van Aalten SM, Thomeer MG, Terkivatan T, et al. Hepatocellular adenomas: correlation of MR imaging findings with pathologic subtype classification. Radiology. 2011;261:172-81. 6. Bioulac-Sage P, Cubel G, Balabaud C, et al. Revisiting the pathology of resected benign hepatocellular nodules using new immunohistochemical markers. Semin Liver Dis. 2011;31:91-103. Livre-docente, Docente do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: jejunior@fmrp.usp.br |