Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2014

RELATO DE CASO
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Page(s) 125 to 127



Carcinoma neuroendócrino primário da mama: relato de caso e revisão da literatura

Autho(rs): Maria Helena Valentim1; Vanessa Monteiro2; José Carlos Marques3

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Texto em Português English Text

Descritores: Carcinoma; Neuroendócrino; Mama; Imaginologia.

Keywords: Carcinoma; Neuroendocrine; Breast; Imaging.

Resumo:
Os autores apresentam um caso de carcinoma neuroendócrino numa mulher de 75 anos assintomática detectado em estudo imaginológico mamário de rotina. A lesão apresentava-se na mamografia como nódulo bem circunscrito de média densidade, sem microcalcificações associadas e ecograficamente como nódulo hipoecogênico de morfologia irregular e limites mal definidos. Na ressonância magnética mamária as características da lesão eram concordantes com malignidade.

Abstract:
The authors present a case of a neuroendocrine carcinoma in an asymptomatic 75-year-old woman, detected in routine breast screening. The lesion was visible at mammography as a well circumscribed, medium density nodule, with no associated microcalcifications, and at ultrasonography as a hypoechoic nodule, with irregular shape and ill-defined margins. Magnetic resonance imaging revealed findings consistent with malignancy.

INTRODUÇÃO

Os carcinomas neuroendócrinos são tumores malignos raros, com localização maioritariamente pulmonar e gastrintestinal. A sua localização primária na mama é extremamente rara, correspondendo a menos de 1% do total dos carcinomas neuroendócrinos e menos de 0,1% dos tumores da mama(1,2).

A maioria dos artigos publicados sobre carcinoma neuroendócrino da mama descreve principalmente os seus achados anatomopatológicos, com escassa referência aos seus aspectos nos métodos de diagnóstico por imagem(3,4).

O objetivo deste artigo é descrever as características mamográficas, ultrassonográficas e na ressonância magnética (RM) de um caso de carcinoma neuroendócrino primário da mama, assintomático, em uma mulher de 75 anos.


RELATO DO CASO

No estudo imaginológico mamário de rotina em mulher de 75 anos, assintomática, foi detectado na mamografia um nódulo ovalado, de média densidade, bem definido e sem microcalcificações associadas, no quadrante superointerno da mama esquerda (Figura 1). A ecografia demonstrou corresponder a um nódulo sólido hipoecogênico, de morfologia irregular e limites mal definidos, sem alteração dos ecos posteriores, medindo 19 mm de maior diâmetro (Figura 2).


Figura 1. Na mamografia, incidências craniocaudal e oblíqua, identifica-se no quadrante superointerno da mama esquerda um nódulo oval, de média densidade, bem definido e sem microcalcificações associadas.


Figura 2. O estudo ecográfico demonstrou um nódulo sólido hipoecogênico, de limites mal definidos, sem alteração dos ecos posteriores, medindo 19 mm de maior diâmetro.



Tendo em conta as características imaginológicas do nódulo, o grupo etário da examinada e o fato de se tratar de uma lesão "de novo", foi realizada biópsia percutânea orientada por ecografia. O estudo anatomopatológico revelou carcinoma neuroendócrino sólido com padrão carcinoid-like (Figura 3a), com positividade para os marcadores enolase neuronal específica, cromogranina e sinaptofisina (Figura 3b).


Figura 3. Tumor neuroendócrino com padrão carcinoid-like. Células tumorais distribuídas em roseta e algumas células mostram citoplasma com grânulos eosinófilos (a). Coloração imuno-histoquímica positiva para sinaptofisina (b).



Foi realizada RM mamária pré-operatória (Figura 4), que confirmou a presença de uma lesão com 20 mm de diâmetro, hipointensa e de morfologia irregular em T2, com realce periférico em anel após administração intravenosa de gadolínio, com curva cinética demonstrando captação intensa precoce, seguida de wash-out. Foi identificado ainda outro pequeno foco nodular adjacente com 5 mm, com características sobreponíveis.


Figura 4. Confirma-se em RM mamária a lesão no quadrante superointerno da mama esquerda. a: RM no plano axial ponderada em T2 demonstrando a lesão, hipointensa e de morfologia irregular. b: RM no plano axial ponderada em T1, com supressão de gordura, após administração intravenosa de gadolínio, mostrando o realce intenso em anel e identificando um outro pequeno nódulo mais anterior, de reduzidas dimensões. c: Na curva cinética a lesão de maiores dimensões tem realce intenso precoce, seguido de wash-out, concordante com lesão maligna.



Para exclusão de eventual localização extramamária de carcinoma neuroendócrino, foi efetuada tomografia computadorizada (TC) tóraco-abdômino-pélvica, que não revelou outras lesões.

A doente foi submetida a cirurgia conservadora da mama e o estudo anatomopatológico da peça operatória confirmou o diagnóstico de carcinoma neuroendócrino multifocal, moderadamente diferenciado.


DISCUSSÃO

O carcinoma neuroendócrino com localização primária na mama é uma entidade extremamente rara. Embora não existam dados exatos sobre a sua incidência, numa série publicada por Günhan-Bilgen et al.(5) de 1.845 casos comprovados de tumores da mama a incidência foi apenas 0,27%. Tem características morfológicas específicas, exprimindo marcadores neuroendócrinos numa percentagem elevada (> 50%) das células(3,6). A enolase neuronal específica, sinaptofisina e cromogranina são os marcadores normalmente utilizados, sendo o primeiro considerado menos específico(7). Em 2003, a Organização Mundial da Saúde classificou os carcinomas neuroendócrinos da mama em três subtipos: sólido, de pequenas células e de grandes células(2,7). No entanto, na revisão recente de 2012(8) os tumores neuroendócrinos, incluídos nos tumores epiteliais raros, têm os subtipos: tumor neuroendócrino bem diferenciado, carcinoma neuroendócrino pouco diferenciado (carcinoma de pequenas células), carcinoma com diferenciação neuroendócrina. No caso aqui apresentado verificou-se positividade para os três marcadores neuroendócrinos, sendo o subtipo histológico sólido com padrão carcinoid-like (avaliação prévia à revisão de 2012).

Os casos publicados de carcinoma neuroendócrino primário da mama referem-se sobretudo a mulheres com idades compreendidas entre os 40 e 70 anos(7), existindo um ou outro caso descrito em doentes do sexo masculino(5).

O diagnóstico de carcinoma neuroendócrino primário da mama apenas pode ser feito quando excluída uma localização extramamária ou demonstrado um componente in situ(3,7,9). No nosso caso, embora não tenha sido demonstrado um componente in situ, foram excluídas por TC outras localizações, nomeadamente pulmonares ou intestinais.

O carcinoma neuroendócrino não tem características imaginológicas particulares, sendo em muitos casos os achados sobreponíveis aos de outros tipos de tumores mamários(10). Na mamografia, como referido no caso descrito por Ogawa et al.(1), podem apresentar-se como lesões bem circunscritas, sem microcalcificações associadas, mimetizando lesões benignas. Estes aspectos são concordantes com os observados no presente caso, no qual a lesão se traduzia por nódulo de média densidade, com contornos bem definidos e sem microcalcificações. Na ecografia, estes tumores podem apresentar-se como lesões sólidas ou com componente cístico, de morfologia irregular, limites mal definidos e vascularização aumentada(1,4,5). A avaliação ecográfica no nosso caso revelou também um nódulo sólido hipoecogênico, com morfologia irregular e contornos mal definidos, sem componente cístico. A RM demonstrou, como em outros casos descritos na literatura(4,5), uma lesão de morfologia irregular com realce intenso e precoce em anel, com características morfológicas e cinética de captação concordantes com lesão maligna.

Assim, apesar de o carcinoma neuroendócrino ser uma entidade rara, com características imaginológicas inespecíficas, deve ser incluído no diagnóstico diferencial de uma lesão nodular sem microcalcificações associadas no estudo mamográfico e ecograficamente traduzida por nódulo hipoecogênico, com contornos microlobulados ou irregulares.


REFERÊNCIAS

1. Ogawa H, Nishio A, Satake H, et al. Neuroendocrine tumor in the breast. Radiat Med. 2008;26:28-32.

2. Menéndez P, García E, Rabadán L, et al. Primary neuroendocrine breast carcinoma. Clin Breast Cancer. 2012;12:300-3.

3. Kinoshita S, Hirano A, Komine K, et al. Primary small-cell neuroendocrine carcinoma of the breast: report of a case. Surg Today. 2008;38:734-8.

4. Fujimoto Y, Yagyu R, Murase K, et al. A case of solid neuroendocrine carcinoma of the breast in a 40-year-old woman. Breast Cancer. 2007;14:250-3.

5. Günhan-Bilgen I, Zekioglu O, Ustün EE, et al. Neuroendocrine differentiated breast carcinoma: imaging features correlated with clinical and histopathological findings. Eur Radiol. 2003;13:788-93.

6. Nozoe T, Sueishi K, Mori E, et al. Primary neuroendocrine carcinoma of the breast: report of a case. Surg Today. 2011;41:829-31.

7. Kim JW, Woo OH, Cho KR, et al. Primary large cell neuroendocrine carcinoma of the breast: radiologic and pathologic findings. J Korean Med Sci. 2008;23:1118-20.

8. Gobbi H. Classificação dos tumores da mama: atualização baseada na nova classificação da Organização Mundial da Saúde de 2012. J Bras Patol Med Lab. 2012;48:463-74.

9. Graça S, Esteves J, Costa S, et al. Neuroendocrine breast cancer. BMJ Case Rep. 2012 Aug 13;2012.

10. Alkaied H, Harris K, Azab B, et al. Primary neuroendocrine breast cancer, how much do we know so far? Med Oncol. 2012;29:2613-8.










1. Médica Interna do Internato Complementar de Radiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
2. Médica Especialista de Radiologia do Hospital Beatriz Ângelo, Loures, Portugal
3. Médico Especialista de Radiologia, Assistente Graduado do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência:
Dra. Maria Helena Valentim
Alameda Fernão Lopes, 29, 3º Dto
Lisboa, Portugal
E-mail: mariahelenavalentim@gmail.com

Recebido para publicação em 16/10/2012.
Aceito, após revisão, em 18/7/2013.

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, Lisboa, Portugal.
 
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