RELATO DE CASO
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Autho(rs): Marcela Sales Farias1; Clara Campagnaro Santi1; Aline Aparecida A. de A. Lima2; Sabrina Mendes Teixeira3; Tatiana Co Gomes De Biase4 |
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Descritores: Malformações arteriovenosas; Doppler; Sangramento genital anormal. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Malformação arteriovenosa (MAV) uterina é uma alteração vascular rara, com menos de 100 casos relatados na literatura. Trata-se de dilatação do espaço interviloso na intimidade miometrial que permite fluxo direto do sistema arterial para o venoso, sem participação capilar(1). Representa cerca de 1-2% de todas as hemorragias genitais e intraperitoneais(2). As MAVs uterinas podem ser congênitas ou adquiridas. A forma congênita é rara, resultando do desenvolvimento embriológico anormal das estruturas vasculares primitivas, que determinam múltiplas comunicações anormais entre artérias e veias(3). Contudo, a maioria é adquirida, com grande variedade de causas, incluindo doença trofoblástica gestacional (DTG), trauma pélvico, procedimentos cirúrgicos (cesariana, curetagem), carcinoma de colo ou endométrio, infecção e exposição ao dietilestilbestrol(4,5). A história clínica, aliada aos achados de imagem, são úteis na diferenciação entre causa congênita ou adquirida. RELATO DO CASO Paciente de 18 anos descobriu gestação e, após um mês, apresentou sangramento genital anormal, com ultrassonografia (US) sugestiva de DTG. Foi submetida a três curetagens, mantendo níveis altos de beta-HCG (34.818,00), com diagnóstico de DTG. A US endovaginal demonstrou fístulas arteriovenosas miometriais e pertuito tamponado da cavidade uterina até a serosa (sequela de perfuração em curetagem prévia). Cinco meses após o início dos sintomas, a paciente ainda manteve beta-HCG elevado, sendo iniciado tratamento com metotrexate. Realizou nova US, com achados semelhantes aos do exame anterior (Figuras 1, 2 e 3). Foi realizada ressonância magnética (RM) da pelve, que confirmou a presença de fístulas arteriovenosas (Figura 4). Figura 1. US endovaginal em escala de cinza mostrando útero de volume aumentado com ecotextura miometrial heterogênea devido à presença de múltiplas imagens anecoicas, destacando-se a maior na parede lateral esquerda (seta). Figura 2. US endovaginal em escala de cinza demonstrando volumosa massa anecoica intramiometrial (A). O estudo com color Doppler evidenciou fluxo turbulento no interior da massa (B). Figura 3. US endovaginal com color Doppler demonstrando intensa hipervascularização miometrial com fluxo turbulento. Figura 4. RM de pelve, sequência T2 TSE, nos planos sagital (A,D), axial (B) e coronal (C). O exame mostra útero de volume aumentado, com múltiplas estruturas serpiginosas de aspecto vascular, caracterizadas por flow void (seta em A). Na região fúndica/parede lateral esquerda observa-se lesão arredondada com características semelhantes, que corresponde a volumosa fístula arteriovenosa (seta em B). Nota-se ainda proeminência dos vasos parametriais à direita (setas em C e D). V, cavidade vaginal distendida por gel. Houve boa resposta à monoquimioterapia, com negativação do beta-HCG em sete meses. Uma US de controle após o tratamento mostrou útero com volume normal, pequena quantidade de líquido na cavidade uterina e hematossalpinge. As fístulas arteriovenosas não mais existiam. Após três meses da negativação do beta-HCG, este retornou a níveis elevados. Iniciou-se poliquimioterapia, porém a paciente faleceu por complicações sépticas. DISCUSSÃO MAVs adquiridas são comunicações anormais entre ramos intramurais da artéria uterina e o plexo venoso miometrial, na intimidade do miométrio e endométrio. Podem ter suprimento sanguíneo de uma ou ambas as artérias uterinas, sem suprimento de artérias extrauterinas ou interposição de um plexo vascular. Causas adquiridas incluem curetagem e DTG, sendo que as MAVs persistem em 10-15% das DTGs em remissão por quimioterapia. Estas lesões geralmente ocorrem na idade reprodutiva, com sintomas agudos ou crônicos(2,6). O mais comum é a menorragia ou menometrorragia. Outros incluem abortos espontâneos recorrentes, dor abdominal baixa, dispareunia e anemia secundária à perda sanguínea. Exame pélvico pode demonstrar massa pulsátil(2,4). Acredita-se que o sangramento ocorra quando os vasos da malformação são expostos pela descamação do endométrio durante a menstruação ou iatrogenicamente, durante dilatação e curetagem(6). Historicamente, o diagnóstico era feito após laparotomia. Subsequentemente, a angiografia tornou-se padrão ouro. Atualmente, o método mais utilizado é a US endovaginal com Doppler, reservando-se angiografia para casos submetidos a tratamento cirúrgico ou embolização terapêutica(4). Os achados à US incluem massa mal definida, heterogênea, com múltiplas estruturas hipoecoicas císticas ou tubularifomes de tamanhos variados, além de espessamento endometrial e miometrial focal ou assimétrico. O Doppler mostra shunt arteriovenoso com fluxo de baixa resistência e alta velocidade. A análise espectral pode predizer o grau de arterialização da lesão vascular e ajudar a definir o tratamento(3). Embora a US com Doppler possa sugerir fortemente presença de MAV, sua habilidade em determinar precisamente a extensão da lesão na pelve pode ser limitada. A RM é um excelente método para determinar extensão da doença e ajudar na confirmação diagnóstica por métodos não invasivos(6). Achados incluem útero volumoso, massa mal definida, interrupção focal ou difusa da zona juncional, flow voids serpiginosos e vasos parametriais proeminentes(2). Diagnósticos diferenciais com achados ultrassonográficos semelhantes incluem DTG e outras lesões hipervasculares, como produtos retidos da concepção e placentação anormal(2). Esta diferenciação é importante, uma vez que a curetagem não é terapêutica nos casos de MAV e pode exacerbar o sangramento(7). Pacientes estáveis podem ser tratadas conservadoramente, com regressão espontânea da lesão. Embolização terapêutica está indicada em pacientes anêmicas ou hemodinamicamente instáveis(2,7). MAVs uterinas são lesões incomuns, mas podem ser causa de sangramento genital grave(2). Este diagnóstico deve ser considerado em pacientes em idade reprodutiva com história de instrumentação uterina ou outros fatores de risco (como DTG), que apresentam sangramento anormal. A US com Doppler é um método não invasivo e amplamente disponível, sendo essencial o conhecimento e diagnóstico desta entidade clínica, apesar de sua raridade. REFERÊNCIAS 1. Belfort P, Braga A, Freire NS. Malformação arteriovenosa uterina após doença trofoblástica gestacional. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28:112-21. 2. Cura M, Martinez N, Cura A, et al. Arteriovenous malformations of the uterus. Acta Radiol. 2009;50:823-9. 3. O'Brien P, Neyastani A, Buckley AR, et al. Uterine arteriovenous malformations: from diagnosis to treatment. J Ultrasound Med. 2006;25:1387-92; quiz 1394-5. 4. Timmerman D, Wauters J, Van Calenbergh S, et al. Color Doppler imaging is a valuable tool for the diagnosis and management of uterine vascular malformations. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;21:570-7. 5. Meilstrup JW, Fisher ME. Women's health case of the day. Uterine arteriovenous malformation. AJR Am J Roentgenol. 1994;162:1457-8. 6. Huang MW, Muradali D, Thurston WA, et al. Uterine arteriovenous malformations: gray-scale and Doppler US features with MR imaging correlation. Radiology. 1998;206:115-23. 7. Poli-Neto OB, Víbrio Neto JB, Nogueira AA, et al. Embolização arterial seletiva em fístula arteriovenosa uterina pós-traumática. Radiol Bras. 2004;37:303-5. 1. Médicas Residentes de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) / Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), Vitória, ES, Brasil 2. Médica Residente de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) / Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), Vitória, ES, Brasil 3. Médica Ginecologista e Obstetra, Residente de Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) / Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), Vitória, ES, Brasil 4. Médica Ginecologista e Ultrassonografista, Preceptora de Ultrassonografia nos Programas de Residência Médica de Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia e Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) / Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), Vitória, ES, Brasil Endereço para correspondência: Dra. Marcela Sales Farias Rua Doutor Delmiro Coimbra, 80, cobertura 2A, Mata da Praia Vitória, ES, Brasil, 29065-360 E-mail: lelasf@gmail.com Recebido para publicação em 24/9/2012. Aceito, após revisão, em 22/7/2013. Trabalho realizado no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil. |