ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Carlos Frederico Arend |
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Descritores: Ultrassonografia; Bossa carpal; Cisto; Ganglion; Punho. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Tumores palpáveis no dorso do punho são muito comuns na prática clínica e usualmente decorrentes de cistos, que se apresentam como um distúrbio primariamente cosmético, sem repercussão funcional, embora ocasionalmente possam gerar desconforto. A apresentação clínica, todavia, é inespecífica, e o diagnóstico clínico presuntivo de cisto dorsal pode dificultar e retardar a identificação de outras lesões menos prevalentes, como, por exemplo, a bossa carpal. A diferenciação é importante porque o manejo específico resulta em melhores chances de resolução da queixa clínica, sobretudo porque tentativas frustradas de realizar punção aspirativa às cegas do pretenso cisto podem resultar em dano e piora iatrogênica da bossa carpal pela agulha fina. Com este intuito, a ultrassonografia é útil ferramenta adjuvante, pois permite diagnóstico específico e ajuda a nortear corretamente a conduta(1). O objetivo deste artigo é revisar as diferentes apresentações ultrassonográficas da bossa carpal. FISIOPATOGENIA A bossa carpal é uma proeminência óssea localizada no dorso da mão, descrita originariamente como carpe bossu pelo cirurgião francês Fiolle(2). Sua real incidência é desconhecida, seguramente subestimada e frequentemente confundida clinicamente com outras causas de tumoração no carpo dorsal, mas ainda assim reconhecidamente mais comum na mão direita, entre a terceira e quarta décadas de vida, sem definida predileção por gênero. Fisiopatologicamente, a bossa pode representar osteófitos degenerativos na articulação carpometacarpal do segundo ou terceiro quirodáctilos e/ou a presença de os styloideum, um ossículo acessório que surge durante o desenvolvimento embrionário(3,4). O ossículo, descrito pioneiramente por Saltzmann em 1725, está localizado dorsalmente, entre o trapezoide, capitato, segundo e terceiro metacarpos(5). Em apenas 2% dos casos o os styloideum está completamente isolado dos ossos circunjacentes, sendo mais comumente fusionado com o segundo ou terceiro metacarpos, o que ocorre em 94% dos indivíduos(6). APRESENTAÇÃO CLÍNICA Embora as bossas carpais sejam classificadas em adquiridas (causadas por osteófitos), congênitas (pela presença de os styloideum) ou mistas (causadas pela combinação de osteófitos e os styloideum), a manifestação clínica não parece divergir entre os grupos(7). A imensa maioria se apresenta como distúrbio meramente cosmético, sem repercussão funcional, ainda que ocasionalmente possa gerar desconforto. Nos pacientes sintomáticos, portadores da forma adquirida ou mista, a dor local é usualmente causada pelas modificações degenerativas características da lesão. Nos demais indivíduos, a queixa é frequentemente decorrente da formação de cistos dorsais, neobursas ou tendinopatia friccional(3,7,8). A forma degenerativa é a mais comum(9) e a congênita a mais rara, porque a presença do os styloideum interfere com a biomecânica usual das articulações adjacentes e potencializa o desenvolvimento de modificações degenerativas secundárias, gerando a forma mista(10). Em nossa experiência, uma relevante parcela dos pacientes é composta por boxeadores, que aplicam repetida sobrecarga mecânica nas articulações carpometacarpais do segundo e terceiro quirodáctilos durante o movimento de soco, predispondo estas articulações à osteartrose(11). Do ponto de vista clínico, o principal obstáculo ao reconhecimento da bossa carpal reside na inespecificidade dos sintomas, frequentemente atribuídos a cistos dorsais, uma vez que ambos compartilham localização muito semelhante no carpo(1). De fato, a diferenciação entre bossa carpal e cisto dorsal com base no exame físico é frequentemente difícil, senão impossível. A consistência pétrea não é um indicador confiável para o diagnóstico da lesão óssea, visto que cistos frequentemente se apresentam como nódulos endurecidos de conteúdo tenso. Ademais, ambos tendem a ser exacerbados clinicamente por flexão do punho e, quando sintomáticos, apresentam desconforto local que se intensifica durante períodos de atividade manual e diminui com repouso. A transiluminação pode ser profícua ferramenta adjuvante no processo de diferenciação, mas a transluminescência das lesões císticas requer um tamanho mínimo para adequada valorização e este tamanho mínimo é muitas vezes maior do que o tamanho das lesões observadas na prática clínica. A anamnese também pode contribuir, visto que os cistos tipicamente exibem variações cíclicas de aumento e redução de tamanho ou mesmo desaparecimento, ao passo que a bossa carpal tem tamanho mais estável, sem relatos de remissão espontânea(12). Em casos de dúvida, a avaliação complementar por imagem permite diagnóstico específico, o que ajuda a nortear corretamente a conduta. No entanto, as radiografias obtidas como rotina na avaliação do punho não são ideais para a demonstração da bossa, sendo preferível uma incidência lateral específica, realizada com a mão supinada em 30º e em mínimo desvio ulnar(13). DIAGNÓSTICO ULTRASSONOGRÁFICO Em nossas rotinas, a avaliação é realizada enquanto o paciente repousa confortavelmente a palma da mão sobre a mesa de exame, utilizando apenas uma zona focal no equipamento, ajustada para a profundidade dos ossos do carpo. A investigação frequentemente exige aplicação de generosa quantidade de gel condutor sobre a superfície epidérmica, para trazer a região de interesse para dentro da zona focal. O transdutor é então posicionado no plano longitudinal sobre o abaulamento palpável (Figura 1) e a proeminência óssea prontamente detectada, seja ela degenerativa (Figura 2), congênita (Figura 3) ou mista (Figura 4). Uma vez estabelecido o diagnóstico, o manejo tende a ser conservador, com anti-inflamatório e eventual imobilização, reservando-se a excisão operatória para os casos refratários. Figura 1. Posicionamento do transdutor para avaliação longitudinal da bossa carpal. Figura 2. Bossa carpal, forma adquirida. Imagem longitudinal demonstrando o capitato (cap), o metacarpo (met) e os osteófitos nas margens da articulação carpometacarpal (cabeças de setas), estes últimos decorrentes de osteartrose. A proeminência óssea determinada pelos osteófitos caracteriza a bossa carpal adquirida. Figura 3. Bossa carpal, forma congênita. A: Imagem longitudinal demonstrando os styloideum (cabeça de seta), em correspondência ao achado palpável no exame clínico. Notar ainda o capitato (cap) e o metacarpo (met), formando a articulação carpometacarpal. B: Radiografia em perfil confirmando a presença do ossículo acessório. Figura 4. Bossa carpal, forma mista. A: Imagem longitudinal demonstrando o capitato (cap), o metacarpo (met) e o osteófito na margem carpal da articulação carpometacarpal (seta). Notar ainda a presença de os styloideum (cabeça de seta). A combinação do achado congênito com o adquirido caracteriza a forma mista de bossa carpal. B: Apresentação clínica documentando a proeminência de consistência pétrea na face dorsal da articulação metacarpofalângica do terceiro quirodáctilo (cabeças de setas). CONCLUSÃO A bossa carpal é uma entidade incomum, porém de incidência subestimada pela avaliação clínica, frequentemente confundida com cistos dorsais ou outras causas de tumoração na face dorsal do carpo. A avaliação complementar por ultrassonografia permite estabelecer o diagnóstico de forma rápida, norteando corretamente a conduta. REFERÊNCIAS 1. Arend CF. MASTER Ultrassonografia musculoesquelética. 2ª ed. São Paulo: Revinter; 2012. 2. Fiolle J. Le "carpe bossu". Bull Mem Soc Natl Chir. 1931;57:1687-90. 3. Cuono CB, Watson HK. The carpal boss: surgical treatment and etiological considerations. Plast Reconstr Surg. 1979;63:88-93. 4. Zimmer EA. Eine krankhafte Veränderung am Os styloideum. Fortschr Geb Rontgenstr. 1940;61:187-92. 5. Grumbach A. Das Handskelett im Lichte den Röntgenstrahlen. Vienna: Braumüller, 1921. 6. Bizzaro AH. On sesamoid and supernumerary bones of the limb. J Anat. 1921;55(Pt 4):256-68. 7. Conway WF, Destouet JM, Gilula LA, et al. The carpal boss: an overview of radiographic evaluation. Radiology. 1985;156:29-31. 8. Koostra G, Huffstadt JC, Kauer JM. The styloid bone. A clinical and embryological study. Hand. 1974;6:185-9. 9. Zanetti M, Saupe N, Nagy L. Role of MR imaging in chronic wrist pain. Eur Radiol. 2007;17:927-38. 10. Park MJ, Namdari S, Weiss AP. The carpal boss: review of diagnosis and treatment. J Hand Surg Am. 2008;33:446-9. 11. Melone CP Jr, Polatsch DB, Beldner S. Disabling hand injuries in boxing: boxer's knuckle and traumatic carpal boss. Clin Sports Med. 2009;28:609-21. 12. Kissel P. Conservative management of symptomatic carpal bossing in an elite hockey player: a case report. J Can Chiropr Assoc. 2009;53:282-9. 13. Bhat AK, Kumar B, Acharya A. Radiographic imaging of the wrist. Indian J Plast Surg. 2011;44:186-96. Médico Radiologista da Radimagem - Diagnóstico por Imagem, Porto Alegre, RS, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Carlos Frederico Arend Avenida Cristóvão Colombo, 1691, Floresta Porto Alegre, RS, Brasil, 90560-004 E-mail: carlos_arend@hotmail.com Recebido para publicação em 7/5/2013. Aceito, após revisão, em 22/7/2013. Trabalho realizado na Radimagem - Diagnóstico por Imagem, Porto Alegre, RS, Brasil. |