Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2014

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 112 to 114



Revisão sobre as diferentes apresentações da bossa carpal na ultrassonografia

Autho(rs): Carlos Frederico Arend

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Texto em Português English Text

Descritores: Ultrassonografia; Bossa carpal; Cisto; Ganglion; Punho.

Keywords: Ultrasonography; Carpal boss; Cyst; Ganglion; Wrist.

Resumo:
A bossa carpal é uma enfermidade incomum, porém de incidência subestimada, frequentemente confundida com outras causas de tumoração no carpo dorsal. Do ponto de vista clínico, o principal obstáculo ao seu reconhecimento reside na inespecificidade dos sintomas, frequentemente atribuídos a cistos dorsais, já que ambos compartilham localização muito semelhante no carpo. A avaliação por ultrassonografia permite diagnóstico correto e manejo específico, que resulta em melhores chances de resolução da queixa clínica e menor probabilidade de piora iatrogênica da lesão. O objetivo deste artigo é revisar as diferentes apresentações ultrassonográficas da bossa carpal.

Abstract:
Carpal boss is an uncommon condition whose incidence is underestimated and that is frequently confused with other causes of development of tumor-like lesions on the dorsum of the wrist. From the clinical point of view, the main obstacle to its recognition is the nonspecificity of symptoms, frequently attributed to dorsal ganglion cysts, since both conditions share a similar location on the dorsum of the wrist. The assessment by ultrasonography allows for a correct diagnosis and appropriate management, with better chances of resolution of the clinical complaint and lower probability of iatrogenic worsening of the lesion. The present review is aimed at describing the different sonographic findings of carpal boss.

INTRODUÇÃO

Tumores palpáveis no dorso do punho são muito comuns na prática clínica e usualmente decorrentes de cistos, que se apresentam como um distúrbio primariamente cosmético, sem repercussão funcional, embora ocasionalmente possam gerar desconforto. A apresentação clínica, todavia, é inespecífica, e o diagnóstico clínico presuntivo de cisto dorsal pode dificultar e retardar a identificação de outras lesões menos prevalentes, como, por exemplo, a bossa carpal. A diferenciação é importante porque o manejo específico resulta em melhores chances de resolução da queixa clínica, sobretudo porque tentativas frustradas de realizar punção aspirativa às cegas do pretenso cisto podem resultar em dano e piora iatrogênica da bossa carpal pela agulha fina. Com este intuito, a ultrassonografia é útil ferramenta adjuvante, pois permite diagnóstico específico e ajuda a nortear corretamente a conduta(1).

O objetivo deste artigo é revisar as diferentes apresentações ultrassonográficas da bossa carpal.


FISIOPATOGENIA

A bossa carpal é uma proeminência óssea localizada no dorso da mão, descrita originariamente como carpe bossu pelo cirurgião francês Fiolle(2). Sua real incidência é desconhecida, seguramente subestimada e frequentemente confundida clinicamente com outras causas de tumoração no carpo dorsal, mas ainda assim reconhecidamente mais comum na mão direita, entre a terceira e quarta décadas de vida, sem definida predileção por gênero.

Fisiopatologicamente, a bossa pode representar osteófitos degenerativos na articulação carpometacarpal do segundo ou terceiro quirodáctilos e/ou a presença de os styloideum, um ossículo acessório que surge durante o desenvolvimento embrionário(3,4). O ossículo, descrito pioneiramente por Saltzmann em 1725, está localizado dorsalmente, entre o trapezoide, capitato, segundo e terceiro metacarpos(5). Em apenas 2% dos casos o os styloideum está completamente isolado dos ossos circunjacentes, sendo mais comumente fusionado com o segundo ou terceiro metacarpos, o que ocorre em 94% dos indivíduos(6).


APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Embora as bossas carpais sejam classificadas em adquiridas (causadas por osteófitos), congênitas (pela presença de os styloideum) ou mistas (causadas pela combinação de osteófitos e os styloideum), a manifestação clínica não parece divergir entre os grupos(7). A imensa maioria se apresenta como distúrbio meramente cosmético, sem repercussão funcional, ainda que ocasionalmente possa gerar desconforto. Nos pacientes sintomáticos, portadores da forma adquirida ou mista, a dor local é usualmente causada pelas modificações degenerativas características da lesão. Nos demais indivíduos, a queixa é frequentemente decorrente da formação de cistos dorsais, neobursas ou tendinopatia friccional(3,7,8).

A forma degenerativa é a mais comum(9) e a congênita a mais rara, porque a presença do os styloideum interfere com a biomecânica usual das articulações adjacentes e potencializa o desenvolvimento de modificações degenerativas secundárias, gerando a forma mista(10). Em nossa experiência, uma relevante parcela dos pacientes é composta por boxeadores, que aplicam repetida sobrecarga mecânica nas articulações carpometacarpais do segundo e terceiro quirodáctilos durante o movimento de soco, predispondo estas articulações à osteartrose(11).

Do ponto de vista clínico, o principal obstáculo ao reconhecimento da bossa carpal reside na inespecificidade dos sintomas, frequentemente atribuídos a cistos dorsais, uma vez que ambos compartilham localização muito semelhante no carpo(1). De fato, a diferenciação entre bossa carpal e cisto dorsal com base no exame físico é frequentemente difícil, senão impossível. A consistência pétrea não é um indicador confiável para o diagnóstico da lesão óssea, visto que cistos frequentemente se apresentam como nódulos endurecidos de conteúdo tenso. Ademais, ambos tendem a ser exacerbados clinicamente por flexão do punho e, quando sintomáticos, apresentam desconforto local que se intensifica durante períodos de atividade manual e diminui com repouso. A transiluminação pode ser profícua ferramenta adjuvante no processo de diferenciação, mas a transluminescência das lesões císticas requer um tamanho mínimo para adequada valorização e este tamanho mínimo é muitas vezes maior do que o tamanho das lesões observadas na prática clínica. A anamnese também pode contribuir, visto que os cistos tipicamente exibem variações cíclicas de aumento e redução de tamanho ou mesmo desaparecimento, ao passo que a bossa carpal tem tamanho mais estável, sem relatos de remissão espontânea(12). Em casos de dúvida, a avaliação complementar por imagem permite diagnóstico específico, o que ajuda a nortear corretamente a conduta. No entanto, as radiografias obtidas como rotina na avaliação do punho não são ideais para a demonstração da bossa, sendo preferível uma incidência lateral específica, realizada com a mão supinada em 30º e em mínimo desvio ulnar(13).


DIAGNÓSTICO ULTRASSONOGRÁFICO

Em nossas rotinas, a avaliação é realizada enquanto o paciente repousa confortavelmente a palma da mão sobre a mesa de exame, utilizando apenas uma zona focal no equipamento, ajustada para a profundidade dos ossos do carpo. A investigação frequentemente exige aplicação de generosa quantidade de gel condutor sobre a superfície epidérmica, para trazer a região de interesse para dentro da zona focal. O transdutor é então posicionado no plano longitudinal sobre o abaulamento palpável (Figura 1) e a proeminência óssea prontamente detectada, seja ela degenerativa (Figura 2), congênita (Figura 3) ou mista (Figura 4). Uma vez estabelecido o diagnóstico, o manejo tende a ser conservador, com anti-inflamatório e eventual imobilização, reservando-se a excisão operatória para os casos refratários.


Figura 1. Posicionamento do transdutor para avaliação longitudinal da bossa carpal.


Figura 2. Bossa carpal, forma adquirida. Imagem longitudinal demonstrando o capitato (cap), o metacarpo (met) e os osteófitos nas margens da articulação carpometacarpal (cabeças de setas), estes últimos decorrentes de osteartrose. A proeminência óssea determinada pelos osteófitos caracteriza a bossa carpal adquirida.


Figura 3. Bossa carpal, forma congênita. A: Imagem longitudinal demonstrando os styloideum (cabeça de seta), em correspondência ao achado palpável no exame clínico. Notar ainda o capitato (cap) e o metacarpo (met), formando a articulação carpometacarpal. B: Radiografia em perfil confirmando a presença do ossículo acessório.


Figura 4. Bossa carpal, forma mista. A: Imagem longitudinal demonstrando o capitato (cap), o metacarpo (met) e o osteófito na margem carpal da articulação carpometacarpal (seta). Notar ainda a presença de os styloideum (cabeça de seta). A combinação do achado congênito com o adquirido caracteriza a forma mista de bossa carpal. B: Apresentação clínica documentando a proeminência de consistência pétrea na face dorsal da articulação metacarpofalângica do terceiro quirodáctilo (cabeças de setas).



CONCLUSÃO

A bossa carpal é uma entidade incomum, porém de incidência subestimada pela avaliação clínica, frequentemente confundida com cistos dorsais ou outras causas de tumoração na face dorsal do carpo. A avaliação complementar por ultrassonografia permite estabelecer o diagnóstico de forma rápida, norteando corretamente a conduta.


REFERÊNCIAS

1. Arend CF. MASTER Ultrassonografia musculoesquelética. 2ª ed. São Paulo: Revinter; 2012.

2. Fiolle J. Le "carpe bossu". Bull Mem Soc Natl Chir. 1931;57:1687-90.

3. Cuono CB, Watson HK. The carpal boss: surgical treatment and etiological considerations. Plast Reconstr Surg. 1979;63:88-93.

4. Zimmer EA. Eine krankhafte Veränderung am Os styloideum. Fortschr Geb Rontgenstr. 1940;61:187-92.

5. Grumbach A. Das Handskelett im Lichte den Röntgenstrahlen. Vienna: Braumüller, 1921.

6. Bizzaro AH. On sesamoid and supernumerary bones of the limb. J Anat. 1921;55(Pt 4):256-68.

7. Conway WF, Destouet JM, Gilula LA, et al. The carpal boss: an overview of radiographic evaluation. Radiology. 1985;156:29-31.

8. Koostra G, Huffstadt JC, Kauer JM. The styloid bone. A clinical and embryological study. Hand. 1974;6:185-9.

9. Zanetti M, Saupe N, Nagy L. Role of MR imaging in chronic wrist pain. Eur Radiol. 2007;17:927-38.

10. Park MJ, Namdari S, Weiss AP. The carpal boss: review of diagnosis and treatment. J Hand Surg Am. 2008;33:446-9.

11. Melone CP Jr, Polatsch DB, Beldner S. Disabling hand injuries in boxing: boxer's knuckle and traumatic carpal boss. Clin Sports Med. 2009;28:609-21.

12. Kissel P. Conservative management of symptomatic carpal bossing in an elite hockey player: a case report. J Can Chiropr Assoc. 2009;53:282-9.

13. Bhat AK, Kumar B, Acharya A. Radiographic imaging of the wrist. Indian J Plast Surg. 2011;44:186-96.










Médico Radiologista da Radimagem - Diagnóstico por Imagem, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Carlos Frederico Arend
Avenida Cristóvão Colombo, 1691, Floresta
Porto Alegre, RS, Brasil, 90560-004
E-mail: carlos_arend@hotmail.com

Recebido para publicação em 7/5/2013.
Aceito, após revisão, em 22/7/2013.

Trabalho realizado na Radimagem - Diagnóstico por Imagem, Porto Alegre, RS, Brasil.
 
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