ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Carlos Renato Ticianelli Terazaki1; Cesar Rodrigo Trippia2; Carlos Henrique Trippia3; Maria Fernanda Sales Ferreira Caboclo4; Carla Regina Miranda Medaglia1 |
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Descritores: Osteocondromatose sinovial; Achados de imagem; Ombro. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Osteocondromatose sinovial é uma afecção caracterizada por proliferação e metaplasia sinovial, com formação de múltiplos nódulos cartilaginosos ou osteocartilaginosos no interior de uma articulação, bursa ou bainha tendinosa(1). Pode ser dividida em forma primária e secundária(2). A forma primária é incomum, de causa desconhecida, e geralmente monoarticular. É duas a quatro vezes mais frequente em homens, podendo ocorrer em qualquer faixa etária, sendo mais frequente entre a 3ª e 5ª décadas de vida(1-4). Qualquer articulação pode ser acometida, sendo mais frequente no joelho (50% a 65% dos casos), cotovelo, quadril e ombro, em ordem decrescente de freqüência(2,5,6). A forma secundária é uma entidade comum, que ocorre por injúria mecânica da cartilagem hialina intra-articular, desencadeada por anormalidades articulares como osteoartrose, osteonecrose, osteocondrite dissecante, osteoartropatia neuropática, trauma e artrite reumatoide(2,6). É encontrada em pacientes mais idosos, geralmente envolvendo múltiplas articulações, e pode estar relacionada a doença articular degenerativa, sendo mais frequente no joelho, quadril e ombros(2). FISIOPATOLOGIA O desenvolvimento da osteocondromatose sinovial na articulação do ombro é pouco comum, sendo mais frequente na forma secundária da doença. Os nódulos cartilaginosos ou osteocartilaginosos podem ser encontrados no interior da articulação ou dos seus recessos articulares (subescapular, axilar e ao longo da bainha do tendão da cabeça longa do bíceps), e na bursa subacrômio-deltoidiana. Na forma primária da doença os pacientes apresentam dor articular, edema e limitação dos movimentos, que progridem de forma lenta e progressiva ao longo de vários anos(7,8). Na doença secundária os sintomas estão relacionados à doença articular de base, sendo geralmente identificada incidentalmente em exames para avaliação da doença articular degenerativa, ou durante a investigação de pacientes com doença articular já diagnosticada quando apresentam agudização dos sintomas. A fisiopatologia é a mesma para ambas as formas da doença, podendo ser dividida em três fases. Na fase inicial ocorre proliferação sinovial e formação intrassinovial de nódulos cartilaginosos (condromas). Durante a sua evolução estes nódulos cartilaginosos podem calcificar (osteocondromas) ou até mesmo formar nódulos ossificados maduros com medular óssea(3). Na fase tardia da doença não é mais encontrada a doença ativa na sinóvia, sendo que os nódulos podem se destacar para o interior da articulação formando corpos livres. Na forma primária da doença os nódulos condrais costumam ser numerosos, apresentando morfologia e contornos similares (variando de alguns milímetros até alguns centímetros), o que indica que se originaram simultaneamente, podendo inclusive coalescer e adquirir aspecto de massa(2). Devemos ressaltar, porém, que em até 30% dos pacientes não são encontradas calcificações(1). Na forma secundária da doença há um número menor de condromas sinoviais, de tamanhos e formatos variados, apresentando um padrão de calcificação mais irregular ou anelar em camadas concêntricas, além dos sinais de doença degenerativa articular. O tratamento da forma primária da doença é a remoção cirúrgica dos corpos livres intra-articulares e sinovectomia completa da articulação envolvida(6,9). A taxa de recorrência varia de 3% a 23%, ocorrendo num período de até cinco anos, e a transformação maligna para condrossarcoma é pouco usual (5% dos casos). Na forma secundária o tratamento é direcionado para os sintomas da doença osteodegenerativa, sendo considerada a possibilidade de artroplastia nos casos de doença avançada. ACHADOS DE IMAGEM Os achados radiológicos dependem da forma da doença (primária ou secundária), do seu estágio e da presença de calcificação ou ossificação dos nódulos cartilaginosos(1,6). Na osteocondromatose primária o estudo por radiografia convencional pode identificar aumento do espaço articular e aumento de volume das partes moles periarticulares associada a erosões das margens articulares, o que indica a presença de doença de origem intra-articular(6). As calcificações costumam ser numerosas, às vezes incontáveis, e similares em tamanho e formato. Geralmente são do tipo anelar de origem cartilaginosa (Figura 1A), conferindo o aspecto radiográfico característico dessa lesão(2,4,10,11), podendo apresentar foco central calcificado e calcificação anelar da sua periferia, ou aspecto em "alvo" com o centro radiolucente e periferia calcificada. Osteoporose periarticular comumente não é encontrada. Na forma secundária da doença encontramos os sinais de doença articular degenerativa (redução do espaço articular, osteófitos marginais, esclerose e cistos ósseos subcondrais), associados a um número menor de calcificações, as quais apresentam tamanhos variados, geralmente maiores, e calcificam de forma mais irregular ou em camadas concêntricas (Figura 1B)(1,2). ![]() Figura 1. A: Osteocondromatose sinovial primária. Radiografia em anteroposterior do ombro demonstrando múltiplas calcificações anelares características, com tamanho e formato similares, localizadas ao nível do recesso axilar da articulação glenoumeral (seta). B: Osteocondromatose sinovial secundária. Radiografia em anteroposterior do ombro demonstrando alterações osteodegenerativas articulares caracterizada por osteófito na margem articular inferior da cabeça umeral (cabeça de seta) e a presença de múltiplas calcificações arredondadas com tamanhos variados justa-articulares (setas). Na ultrassonografia os nódulos cartilaginosos apresentam aspecto hipoecogênico (Figura 2), e à medida que calcificam aumentam a sua ecogenicidade, podendo determinar sombra acústica posterior (Figura 3). ![]() Figura 2. Osteocondromatose sinovial secundária. Estudo ultrassonográfico do ombro enfocando o tendão da cabeça longa do bíceps (TCLB) no plano transversal. Presença de nódulos sinoviais com ecogenicidades diferentes projetando-se para o interior da bainha tendinosa, facilmente identificados pela presença de líquido sinovial. A ecogenicidade depende do grau de calcificação, sendo que nódulos hipoecoicos (seta preta) correspondem a condromas não calcificados, e nódulos calcificados aumentam a sua ecogenicidade (cabeça de seta). ![]() Figura 3. Osteocondromatose sinovial secundária. Estudo ultrassonográfico do ombro enfocando a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps no plano longitudinal. Bainha preenchida por líquido e no seu interior identificam-se nódulos calcificados com sombra acústica posterior (setas). No ombro, a ultrassonografia possui particular sensibilidade para a detecção da doença acometendo a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps ao demonstrar nódulos aderidos à superfície sinovial, sendo este achado geralmente facilitado pela presença de líquido no interior da bainha sinovial. Corpos livres são frequentemente encontrados ao longo do sulco bicipital(9). Esses pacientes frequentemente apresentam a forma secundária da doença, associada a outras alterações encontradas no exame do ombro, tais como derrame articular e na bursa subacrômio-deltoidiana, tendinopatias e rupturas tendinosas (Figura 4). ![]() Figura 4. Osteocondromatose sinovial secundária associada a tendinopatia do supraespinhoso. A: Estudo ultrassonográfico do ombro enfocando o tendão da cabeça longa do bíceps no plano longitudinal, que se apresenta roto, identificando-se apenas o seu coto proximal. Observam-se múltiplos pequenos condromas sinoviais e derrame no interior da bainha sinovial. B: Corte longitudinal do tendão supraespinhoso. Tendão espessado, hipoecoico e heterogêneo, com perda da sua estrutura fibrilar, caracterizando processo de tendinopatia. Os achados na ressonância magnética dependem da intensidade da proliferação sinovial, da presença dos nódulos cartilaginosos, e das calcificações(3). As lesões não calcificadas formam um espessamento sinovial (Figura 5) ou uma massa intra-articular isointensa ao músculo nas sequências ponderadas em T1, e hiperintensa nas sequências ponderadas em T2(1-3,12). ![]() Figura 5. Osteocondromatose sinovial secundária. RM do ombro no plano coronal ponderada em T1 (A), coronal T2 fat sat (B), e axial T2 fat sat (C) demonstrando acentuada alteração osteodegenerativa glenoumeral caracterizada por irregularidade da superfície articular e osteófito marginal na cabeça umeral. Presença de espessamento sinovial no recesso articular axilar com sinal intermediário em T2 (cabeça de seta) e pequenos osteocondromas sinoviais (seta). Estas lesões podem ser diferenciadas do derrame articular ou de outros tumores de partes moles, pela presença de impregnação característica das lesões condrais com padrão periférico e septal após contraste intravenoso à base de gadolínio(1,4). O contraste também auxilia na detecção de atividade inflamatória da doença, pela presença de impregnação da sinóvia (Figura 6). Nódulos calcificados possuem baixo sinal em todas as sequências utilizadas (Figura 7)(2,12). ![]() Figura 6. Condromatose sinovial primária. RM do ombro em cortes coronal ponderado em T2 (A) e coronal T1 fat sat após gadolínio intravenoso (B). Múltiplos condromas sinoviais no interior da bursa subacrômio-deltoidiana não calcificados, hiperintensos na sequência ponderada em T2 e isointensos ao músculo na sequência T1 pós-contraste, simétricos em tamanho e formato. Presença de proliferação com espessamento sinovial na parede da bursa, apresentando sinal intermediário em T2 e impregnação pelo contraste intravenoso, indicando doença em atividade. ![]() Figura 7. Osteocondromatose sinovial secundária. RM do ombro em corte sagital ponderado em T1 (A) e sagital T2 fat sat (B). Presença de nódulos calcificados (osteocondromas sinoviais) na bursa subacrômio-deltoidiana (setas) e no recesso articular subescapular (cabeças de setas) com aspecto característico nodular e apresentando marcado hipossinal em T1 e T2. Nódulos intra-articulares que sofrem ossificação encondral são formados por osso maduro, apresentam cortical óssea na periferia com baixa intensidade de sinal, e medula óssea amarela hiperintensa no seu interior nas sequências ponderadas em T1(2,12). CONCLUSÃO Apesar de menos comum que em outras articulações do corpo, a osteocondromatose sinovial pode ser encontrada no ombro ao nível dos recessos articulares (incluindo a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps) e na bursa subacrômio-deltoidiana. As formas primária e secundária da doença podem ser sugeridas pelo número, forma e tamanho dos nódulos condrais, bem como pela ausência ou presença de doença articular pré-existente. O seu diagnóstico pode ser feito com base apenas nos seus aspectos característicos de imagem, os quais, dependendo da fase da doença, podem corresponder a proliferação sinovial, nódulos cartilaginosos (condromas) e nódulos calcificados ou ossificados (osteocondromas). REFERÊNCIAS 1. Llauger J, Palmer J, Rosón N, et al. Nonseptic monoarthritis: imaging features with clinical and histopathologic correlation. Radiographics. 2000;20 Spec No:S263-78. 2. Murphey MD, Vidal JA, Fanburg-Smith JC, et al. Imaging of synovial chondromatosis with radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2007;27:1465-88. 3. Sheldon PJ, Forrester DM, Learch TJ. Imaging of intraarticular masses. Radiographics. 2005;25:105-19. 4. Walker EA, Murphey MD, Fetsch JF. Imaging characteristics of tenosynovial and bursal chondromatosis. Skeletal Radiol. 2011;40:317-25. 5. Kransdorf MJ, Meis JM. Fom the archives of the AFIP. Extraskeletal osseous and cartilaginous tumors of the extremities. Radiographics. 1993;13:853-84. 6. Mohana-Borges AV, Chung CB, Resnick D. Monoarticular arthritis. Radiol Clin North Am. 2004;42:135-49. 7. Milgram JW. Synovial osteochondromatosis: a histopatological study of thirty cases. J Bone Joint Surg Am. 1977;59:792-801. 8. Trajkovski T, Mayne IP, Deheshi BM, et al. Synovial chondromatosis of the shoulder: open synovectomy and insertion of osteoarticular allograft with internal fixation to repair intraoperative glenohumeral joint instability. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 2011;40:E154-8. 9. Lunn JV, Castellanos-Rosas J, Walch G. Arthroscopic synovectomy, removal of loose bodies and selective biceps tenodesis for synovial chondromatosis of the shoulder. J Bone Joint Surg Br. 2007;89:1329-35. 10. Olsen KM, Chew FS. Tumoral calcinosis: pearls, polemics, and alternative possibilities. Radiographics. 2006;26:871-85. 11. Lasmar NP, Vieira RB, Rosa JO, et al. Condromatose sinovial. Rev Bras Ortop. 2010;45:490-2. 12. Domingues RC, Domingues RC, Brandão LA. Imagenologia do quadril. Radiol Bras. 2001;34:347-67. 1. Médicos Residentes do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil 2. Médico Radiologista do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil. Médico Radiologista, Preceptor da Residência Médica do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil 3. Médica Radiologista, Preceptora Chefe da Residência Médica do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Carlos Renato Ticianelli Terazaki Rua Itajubá, 480, ap. 502, Portão Curitiba, PR, Brasil, 81070-190 E-mail: reticianelli@hotmail.com Recebido para publicação em 19/12/2012. Aceito, após revisão, em 25/7/2013. Trabalho realizado no Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil. |