Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2014

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 38 to 42



Osteocondromatose sinovial no ombro: achados por métodos de imagem

Autho(rs): Carlos Renato Ticianelli Terazaki1; Cesar Rodrigo Trippia2; Carlos Henrique Trippia3; Maria Fernanda Sales Ferreira Caboclo4; Carla Regina Miranda Medaglia1

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Texto em Português English Text

Descritores: Osteocondromatose sinovial; Achados de imagem; Ombro.

Keywords: Synovial chondromatosis; Image findings; Shoulder.

Resumo:
Osteocondromatose sinovial é uma afecção benigna caracterizada por proliferação e metaplasia sinovial, com formação de nódulos cartilaginosos ou osteocartilaginosos no interior de uma articulação, bursa ou bainha tendinosa. A osteocondromatose sinovial no ombro pode ocorrer no interior da articulação glenoumeral e seus recessos (incluindo a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps) e na bursa subacrômio-deltoidiana. Esta doença pode ser identificada por radiografia, ultrassom ou ressonância magnética, apresentando aspectos característicos em cada um destes métodos. Na radiografia comumente encontramos calcificações anelares do tipo cartilaginoso e aumento de volume das partes moles periarticulares com erosões das margens articulares. No ultrassom os nódulos cartilaginosos apresentam-se hipoecogênicos, e quando calcificados aumentam progressivamente a sua ecogenicidade, até a formação de sombra acústica posterior quando ossificados. A ressonância magnética, além de identificar os nódulos cartilaginosos, também é capaz de mostrar o grau de proliferação sinovial. O objetivo deste trabalho é demonstrar os aspectos de imagem desta doença no ombro.

Abstract:
Synovial chondromatosis is a benign condition characterized by synovial proliferation and metaplasia, with development of cartilaginous or osteocartilaginous nodules within a joint, bursa or tendon sheath. In the shoulder, synovial osteochondromatosis may occur within the glenohumeral joint and its recesses (including the tendon sheath of the biceps long head), and in the subacromial-deltoid bursa. Such condition can be identified either by radiography, ultrasonography or magnetic resonance imaging, showing typical features according to each method. Radiography commonly shows ring-shaped calcified cartilages and periarticular soft tissues swelling with erosion of joint margins. Ultrasonography demonstrates hypoechogenic cartilaginous nodules with progressive increase in echogenicity as they become calcified, with development of posterior acoustic shadow in case of ossification. Besides identifying cartilaginous nodules, magnetic resonance imaging can also demonstrate the degree of synovial proliferation. The present study is aimed at describing the imaging findings of this entity in the shoulder.

INTRODUÇÃO

Osteocondromatose sinovial é uma afecção caracterizada por proliferação e metaplasia sinovial, com formação de múltiplos nódulos cartilaginosos ou osteocartilaginosos no interior de uma articulação, bursa ou bainha tendinosa(1). Pode ser dividida em forma primária e secundária(2).

A forma primária é incomum, de causa desconhecida, e geralmente monoarticular. É duas a quatro vezes mais frequente em homens, podendo ocorrer em qualquer faixa etária, sendo mais frequente entre a 3ª e 5ª décadas de vida(1-4). Qualquer articulação pode ser acometida, sendo mais frequente no joelho (50% a 65% dos casos), cotovelo, quadril e ombro, em ordem decrescente de freqüência(2,5,6).

A forma secundária é uma entidade comum, que ocorre por injúria mecânica da cartilagem hialina intra-articular, desencadeada por anormalidades articulares como osteoartrose, osteonecrose, osteocondrite dissecante, osteoartropatia neuropática, trauma e artrite reumatoide(2,6). É encontrada em pacientes mais idosos, geralmente envolvendo múltiplas articulações, e pode estar relacionada a doença articular degenerativa, sendo mais frequente no joelho, quadril e ombros(2).


FISIOPATOLOGIA

O desenvolvimento da osteocondromatose sinovial na articulação do ombro é pouco comum, sendo mais frequente na forma secundária da doença. Os nódulos cartilaginosos ou osteocartilaginosos podem ser encontrados no interior da articulação ou dos seus recessos articulares (subescapular, axilar e ao longo da bainha do tendão da cabeça longa do bíceps), e na bursa subacrômio-deltoidiana. Na forma primária da doença os pacientes apresentam dor articular, edema e limitação dos movimentos, que progridem de forma lenta e progressiva ao longo de vários anos(7,8). Na doença secundária os sintomas estão relacionados à doença articular de base, sendo geralmente identificada incidentalmente em exames para avaliação da doença articular degenerativa, ou durante a investigação de pacientes com doença articular já diagnosticada quando apresentam agudização dos sintomas. A fisiopatologia é a mesma para ambas as formas da doença, podendo ser dividida em três fases. Na fase inicial ocorre proliferação sinovial e formação intrassinovial de nódulos cartilaginosos (condromas). Durante a sua evolução estes nódulos cartilaginosos podem calcificar (osteocondromas) ou até mesmo formar nódulos ossificados maduros com medular óssea(3). Na fase tardia da doença não é mais encontrada a doença ativa na sinóvia, sendo que os nódulos podem se destacar para o interior da articulação formando corpos livres. Na forma primária da doença os nódulos condrais costumam ser numerosos, apresentando morfologia e contornos similares (variando de alguns milímetros até alguns centímetros), o que indica que se originaram simultaneamente, podendo inclusive coalescer e adquirir aspecto de massa(2). Devemos ressaltar, porém, que em até 30% dos pacientes não são encontradas calcificações(1). Na forma secundária da doença há um número menor de condromas sinoviais, de tamanhos e formatos variados, apresentando um padrão de calcificação mais irregular ou anelar em camadas concêntricas, além dos sinais de doença degenerativa articular.

O tratamento da forma primária da doença é a remoção cirúrgica dos corpos livres intra-articulares e sinovectomia completa da articulação envolvida(6,9). A taxa de recorrência varia de 3% a 23%, ocorrendo num período de até cinco anos, e a transformação maligna para condrossarcoma é pouco usual (5% dos casos). Na forma secundária o tratamento é direcionado para os sintomas da doença osteodegenerativa, sendo considerada a possibilidade de artroplastia nos casos de doença avançada.


ACHADOS DE IMAGEM

Os achados radiológicos dependem da forma da doença (primária ou secundária), do seu estágio e da presença de calcificação ou ossificação dos nódulos cartilaginosos(1,6). Na osteocondromatose primária o estudo por radiografia convencional pode identificar aumento do espaço articular e aumento de volume das partes moles periarticulares associada a erosões das margens articulares, o que indica a presença de doença de origem intra-articular(6). As calcificações costumam ser numerosas, às vezes incontáveis, e similares em tamanho e formato. Geralmente são do tipo anelar de origem cartilaginosa (Figura 1A), conferindo o aspecto radiográfico característico dessa lesão(2,4,10,11), podendo apresentar foco central calcificado e calcificação anelar da sua periferia, ou aspecto em "alvo" com o centro radiolucente e periferia calcificada. Osteoporose periarticular comumente não é encontrada. Na forma secundária da doença encontramos os sinais de doença articular degenerativa (redução do espaço articular, osteófitos marginais, esclerose e cistos ósseos subcondrais), associados a um número menor de calcificações, as quais apresentam tamanhos variados, geralmente maiores, e calcificam de forma mais irregular ou em camadas concêntricas (Figura 1B)(1,2).


Figura 1. A: Osteocondromatose sinovial primária. Radiografia em anteroposterior do ombro demonstrando múltiplas calcificações anelares características, com tamanho e formato similares, localizadas ao nível do recesso axilar da articulação glenoumeral (seta). B: Osteocondromatose sinovial secundária. Radiografia em anteroposterior do ombro demonstrando alterações osteodegenerativas articulares caracterizada por osteófito na margem articular inferior da cabeça umeral (cabeça de seta) e a presença de múltiplas calcificações arredondadas com tamanhos variados justa-articulares (setas).



Na ultrassonografia os nódulos cartilaginosos apresentam aspecto hipoecogênico (Figura 2), e à medida que calcificam aumentam a sua ecogenicidade, podendo determinar sombra acústica posterior (Figura 3).


Figura 2. Osteocondromatose sinovial secundária. Estudo ultrassonográfico do ombro enfocando o tendão da cabeça longa do bíceps (TCLB) no plano transversal. Presença de nódulos sinoviais com ecogenicidades diferentes projetando-se para o interior da bainha tendinosa, facilmente identificados pela presença de líquido sinovial. A ecogenicidade depende do grau de calcificação, sendo que nódulos hipoecoicos (seta preta) correspondem a condromas não calcificados, e nódulos calcificados aumentam a sua ecogenicidade (cabeça de seta).


Figura 3. Osteocondromatose sinovial secundária. Estudo ultrassonográfico do ombro enfocando a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps no plano longitudinal. Bainha preenchida por líquido e no seu interior identificam-se nódulos calcificados com sombra acústica posterior (setas).



No ombro, a ultrassonografia possui particular sensibilidade para a detecção da doença acometendo a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps ao demonstrar nódulos aderidos à superfície sinovial, sendo este achado geralmente facilitado pela presença de líquido no interior da bainha sinovial. Corpos livres são frequentemente encontrados ao longo do sulco bicipital(9). Esses pacientes frequentemente apresentam a forma secundária da doença, associada a outras alterações encontradas no exame do ombro, tais como derrame articular e na bursa subacrômio-deltoidiana, tendinopatias e rupturas tendinosas (Figura 4).


Figura 4. Osteocondromatose sinovial secundária associada a tendinopatia do supraespinhoso. A: Estudo ultrassonográfico do ombro enfocando o tendão da cabeça longa do bíceps no plano longitudinal, que se apresenta roto, identificando-se apenas o seu coto proximal. Observam-se múltiplos pequenos condromas sinoviais e derrame no interior da bainha sinovial. B: Corte longitudinal do tendão supraespinhoso. Tendão espessado, hipoecoico e heterogêneo, com perda da sua estrutura fibrilar, caracterizando processo de tendinopatia.



Os achados na ressonância magnética dependem da intensidade da proliferação sinovial, da presença dos nódulos cartilaginosos, e das calcificações(3). As lesões não calcificadas formam um espessamento sinovial (Figura 5) ou uma massa intra-articular isointensa ao músculo nas sequências ponderadas em T1, e hiperintensa nas sequências ponderadas em T2(1-3,12).


Figura 5. Osteocondromatose sinovial secundária. RM do ombro no plano coronal ponderada em T1 (A), coronal T2 fat sat (B), e axial T2 fat sat (C) demonstrando acentuada alteração osteodegenerativa glenoumeral caracterizada por irregularidade da superfície articular e osteófito marginal na cabeça umeral. Presença de espessamento sinovial no recesso articular axilar com sinal intermediário em T2 (cabeça de seta) e pequenos osteocondromas sinoviais (seta).



Estas lesões podem ser diferenciadas do derrame articular ou de outros tumores de partes moles, pela presença de impregnação característica das lesões condrais com padrão periférico e septal após contraste intravenoso à base de gadolínio(1,4). O contraste também auxilia na detecção de atividade inflamatória da doença, pela presença de impregnação da sinóvia (Figura 6). Nódulos calcificados possuem baixo sinal em todas as sequências utilizadas (Figura 7)(2,12).


Figura 6. Condromatose sinovial primária. RM do ombro em cortes coronal ponderado em T2 (A) e coronal T1 fat sat após gadolínio intravenoso (B). Múltiplos condromas sinoviais no interior da bursa subacrômio-deltoidiana não calcificados, hiperintensos na sequência ponderada em T2 e isointensos ao músculo na sequência T1 pós-contraste, simétricos em tamanho e formato. Presença de proliferação com espessamento sinovial na parede da bursa, apresentando sinal intermediário em T2 e impregnação pelo contraste intravenoso, indicando doença em atividade.


Figura 7. Osteocondromatose sinovial secundária. RM do ombro em corte sagital ponderado em T1 (A) e sagital T2 fat sat (B). Presença de nódulos calcificados (osteocondromas sinoviais) na bursa subacrômio-deltoidiana (setas) e no recesso articular subescapular (cabeças de setas) com aspecto característico nodular e apresentando marcado hipossinal em T1 e T2.



Nódulos intra-articulares que sofrem ossificação encondral são formados por osso maduro, apresentam cortical óssea na periferia com baixa intensidade de sinal, e medula óssea amarela hiperintensa no seu interior nas sequências ponderadas em T1(2,12).


CONCLUSÃO

Apesar de menos comum que em outras articulações do corpo, a osteocondromatose sinovial pode ser encontrada no ombro ao nível dos recessos articulares (incluindo a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps) e na bursa subacrômio-deltoidiana. As formas primária e secundária da doença podem ser sugeridas pelo número, forma e tamanho dos nódulos condrais, bem como pela ausência ou presença de doença articular pré-existente. O seu diagnóstico pode ser feito com base apenas nos seus aspectos característicos de imagem, os quais, dependendo da fase da doença, podem corresponder a proliferação sinovial, nódulos cartilaginosos (condromas) e nódulos calcificados ou ossificados (osteocondromas).


REFERÊNCIAS

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1. Médicos Residentes do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil
2. Médico Radiologista do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil. Médico Radiologista, Preceptor da Residência Médica do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil
3. Médica Radiologista, Preceptora Chefe da Residência Médica do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Carlos Renato Ticianelli Terazaki
Rua Itajubá, 480, ap. 502, Portão
Curitiba, PR, Brasil, 81070-190
E-mail: reticianelli@hotmail.com

Recebido para publicação em 19/12/2012.
Aceito, após revisão, em 25/7/2013.

Trabalho realizado no Hospital São Vicente - Funef, Curitiba, PR, Brasil.
 
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