RELATO DE CASO
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Autho(rs): Beatriz Regina Alvares1; Mônica Carvalho Sanchez Stopiglia2; Maria Aparecida Mezzacappa3 |
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Descritores: Cateter umbilical venoso; Recém-nascido; Ar portal; Enterocolite necrosante; Exame radiológico. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O cateterismo umbilical venoso é um procedimento comum no manejo de recém-nascidos prematuros, sendo considerado um procedimento rápido e confiável(1), porém a sua utilização também é associada a complicações como trombose, embolia, hemorragias, arritmias cardíacas, efusões, hipertensão portal e sepse(1-4). Para evitar tais complicações, é importante que a extremidade do cateter umbilical venoso (CUV) esteja localizado na veia cava inferior, próxima à entrada do átrio direito(5). Radiografias de tórax e abdome são rotineiramente realizadas para identificar a exata localização do CUV, utilizandose referências anatômicas previamente determinadas(2-5), e considerando-se a sua extremidade corretamente posicionada quando for visualizada à direita dos corpos vertebrais de T8 a T9, localização anatômica da veia cava inferior, próxima ao átrio direito(5). Durante a introdução do CUV, especialmente quando sua extremidade estiver localizada próxima à veia porta, pequena quantidade de ar pode ser inadvertidamente introduzida pela veia umbilical, podendo migrar para o sistema portal e ser visualizada de forma transitória em radiografias de controle(3,4). Apresentamos um caso relacionado a posicionamento inadequado do CUV e à introdução inadvertida de ar no sistema porta hepático, ocorrendo em um recém-nascido prematuro, sendo a hipótese de enterocolite necrosante avaliada inicialmente, em razão do alto risco desta doença nesta faixa etária. RELATO DO CASO Recém-nascido do sexo masculino, com 32 semanas de idade gestacional e pesando 1.160 gramas, foi submetido a cateterismo umbilical venoso com 70 minutos de vida. A extremidade do CUV foi identificada radiologicamente à direita dos corpos vertebrais de T7-T8, acima da localização considerada correta (T8-T9), sendo então o cateter tracionado cerca de 1 cm. No quarto dia de vida o recém-nascido apresentou resíduos biliosos, sendo realizadas radiografias simples de tórax e abdome na incidência frontal. A extremidade do CUV foi então visualizada no nível do corpo vertebral de T10, associada à presença de ar no sistema porta hepático (Figura 1), sendo então removido. O recém-nascido ainda manteve resíduos biliosos e, após cinco horas, foi realizada nova radiografia, que demonstrou persistência de ar portal (Figura 2) e leve distensão de alças intestinais, sendo então considerada a possibilidade de enterocolite necrosante. Após seis horas, foi realizada nova radiografia, sendo ainda visualizada presença de ar portal, que desapareceu espontaneamente no controle radiológico subsequente, realizado no quinto dia de vida (Figura 3). "" Figura 1. Cateter umbilical venoso à direita do corpo vertebral de T10, na altura do ducto venoso, próximo à veia porta. Observa-se, em projeção hepática, presença de ar no sistema porta. Figura 2. Radiografia efetuada cinco horas após a retirada do cateter ainda demonstra presença de ar no sistema porta. Figura 3. Nova radiografia, realizada cerca de 20 horas depois, demonstra o desaparecimento do ar no sistema porta. A evolução clínica e os exames laboratoriais do recémnascido possibilitaram descartar enterocolite necrosante. Com base na evolução dos quadros clínico e radiológico, o diagnóstico final foi de ar no sistema portal atribuído ao mal posicionamento do cateter umbilical por ocasião do tracionamento. DISCUSSÃO A veia umbilical estende-se do umbigo até a região hepática, onde passa a denominar-se recesso umbilical, apresentando comunicação com ramos da veia porta e desembocando posteriormente na veia cava inferior através do ducto venoso(3). Durante a introdução do cateter umbilical, especialmente nos casos em que ele está localizado próximo à veia porta, pode haver a entrada inadvertida de ar, com disseminação para o sistema portal, representando um achado ocasional durante as radiografias de controle, e desaparecendo posteriormente(2,3). No presente caso, a extremidade do cateter umbilical, após o tracionamento, foi identificada ao nível de T10, próxima à região do recesso umbilical, o que pode ter ocasionado a passagem de ar pelo cateter para o sistema portal. A presença radiológica de ar no sistema porta, quando associada a enterocolite necrosante, é quase sempre acompanhada de pneumatose intestinal(6,7). No presente caso, apesar de não ter sido evidenciada pneumatose intestinal nas radiografias, como o ar portal, representa um achado radiológico associado à enterocolite necrosante e, estando presente em um recém-nascido de alto risco para esta doença, foi levantada esta suspeita diagnóstica, a qual precisou ser descartada(5-8). Na radiografia subsequente, o ar desapareceu e os achados clínicos e laboratoriais não confirmaram a hipótese de enterocolite necrosante. Na avaliação final deste caso, o ar portal foi inadvertidamente introduzido após o tracionamento do cateter, situando-se em região próxima à veia porta. CONCLUSÃO A presença de ar no sistema portal, na ausência de achados clínicos, radiológicos e laboratoriais de enterocolite necrosante, pode ser atribuída ao mal posicionamento do cateter umbilical e à introdução inadvertida de ar nas linhas de infusão. O diagnóstico diferencial deste achado com enterocolite necrosante pode evitar condutas clínicas desnecessárias. REFERÊNCIAS 1. Butler-O'Hara M, Buzzard CJ, Reubens L, et al. A randomized trial comparing long-term and short-term use of umbilical venous catheters in premature infants with birth weights of less than 1251 grams. Pediatrics. 2006;118:e25–35. 2. Schlesinger AE, Braverman RM, DiPietro MA. Pictorial essay. Neonates and umbilical venous catheters: normal appearance, anomalous positions, complications, and potential aid to diagnosis. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1147–53. 3. Oestreich AE. Umbilical vein catheterization – appropriate and inappropriate placement. Pediatr Radiol. 2010;40:1941–9. 4. Verheij GH, Te Pas AB, Witlox RS, et al. Poor accuracy of methods currently used to determine umbilical catheter insertion length. Int J Pediatr. 2010;2010:873167. 5. Alvares BR, Pereira ICMR, Araújo Neto SA, et al. Achados normais no exame radiológico de tórax do recém-nascido. Radiol Bras. 2006;39:435–40. 6. Alvares BR, Martins DL, Roma RL, et al. Aspectos radiológicos relevantes no diagnóstico da enterocolite necrosante e suas complicações. Radiol Bras. 2007;40:127–30. 7. Neu J, Walker WA. Necrotizing enterocolitis. N Engl J Med. 2011;364:255–64. 8. Berman L, Moss RL. Necrotizing enterocolitis: an update. Semin Fetal Neonatal Med. 2011;16:145–50. 1. Doutora, Professora do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil 2. Mestre, Fisioterapeuta do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti – CAISM-Unicamp, Campinas, SP, Brasil 3. Doutora, Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dra. Beatriz Regina Alvares Rua Alberto de Salvo, 238, Distrito de Barão Geraldo Campinas, SP, Brasil, 13084-759 E-mail: alvares@terra.com.br Recebido para publicação em 19/12/2012. Aceito, após revisão, em 5/6/2013. Trabalho realizado no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti - CAISM-Unicamp, Campinas, SP, Brasil. |