RELATO DE CASO
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Autho(rs): Raphael Reis Pereira-Silva1; Débora Esperancini-Tebar2 |
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Descritores: Nefropatia por lítio; Microcistos renais; Transtorno bipolar. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Desde 1970, quando aprovado pela U. S. Food and Drug Administration, o lítio passou a ser usado amplamente na terapia do transtorno bipolar(1). Atualmente, este é o medicamento de escolha para essa enfermidade, usado para prevenir recorrências e minimizar o risco de suicídio. Sua administração é eficaz em reduzir drasticamente os sintomas depressivos e maníacos em 70-80% dos casos(2). Embora seus benefícios sejam comprovados, o uso do lítio pode acarretar efeitos adversos associados ao aparelho urinário, ao sistema endócrino e neurológico(1). Diversos estudos têm demonstrado complicações renais associadas ao lítio, como diabetes insípido nefrogênico, acidose tubular renal, nefrite tubulointersticial e síndrome nefrótica(1). Parece haver uma relação direta entre a progressão da nefropatia induzida por lítio e o tempo de uso da droga(3), que pode se agravar com o emprego simultâneo de outros fármacos potencialmente nefrotóxicos. Além disso, idade avançada, episódios prévios de intoxicação por lítio e presença de comorbidades, como hipertensão, diabetes melito, hiperparatireoidismo e hiperuricemia, costumam potencializar o risco(4). O tratamento com lítio é a principal causa de diabetes insípido nefrogênico induzido por drogas, afetando 10% dos pacientes com mais de 15 anos de uso(5). O quadro clínico correlacionado com dados laboratoriais poderá, na maior parte dos casos, fornecer os subsídios para o diagnóstico. Em algumas situações, quando os sintomas são atípicos, uma biópsia poderá ser necessária. Porém, recentemente, com o uso crescente das técnicas de imagem, alguns estudiosos têm demonstrado a importância destes exames no diagnóstico e acompanhamento dessas entidades. As principais manifestações clínicas da nefropatia induzida por lítio incluem polidipsia e poliúria, que alertam para essa possibilidade diagnóstica(1). Diante de um contexto clínico adequado, a identificação em exames de imagem de diversos microcistos, menores do que 2,0 mm, simetricamente distribuídos em rins de tamanho normal, sugere o nexo de causalidade(1). Um estudo recente que envolveu pacientes em uso de lítio demonstrou, ao estudo ultrassonográfico, a presença de numerosos microcistos renais e um padrão de focos hiper-refringentes não produtores de sombra acústica posterior(1). Esses pontos hiperecogênicos não tiveram correlação estreita com os achados de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), porém considera-se a possibilidade de traduzirem alterações iniciais dos microcistos(1). Correlacionando essas alterações pelos métodos de imagem com o estudo histopatológico da nefrite tubulointersticial induzida por lítio, nota-se a presença de microcistos no túbulo distal e fibrose intersticial(1,6). A presença de cistos renais engloba uma série de anormalidades congênitas e adquiridas. Sua diferenciação poderá ser feita pela localização e morfologia dos cistos, idade do paciente, tamanho dos rins e grau de função renal(7). A doença renal policística autossômica dominante apresenta-se, na RM, com rins de tamanho aumentado, com múltiplos cistos de tamanho e intensidades variáveis, e em 70-75% das vezes há associação com cistos hepáticos(7). A doença glomerulocística é rara, acomete sobretudo crianças e adultos jovens e se apresenta com pequenos cistos distribuídos exclusivamente na cortical renal e, algumas vezes, associada a insuficiência renal(7). A doença cística medular é caracterizada por insuficiência renal crônica, redução da espessura cortical, cistos na medular e na junção corticomedular(7). A doença cística adquirida ocorre pelo desenvolvimento de cistos em pacientes com insuficiência renal crônica ou que estejam realizando diálise. Os rins são pequenos e os cistos apresentam tamanhos variados distribuídos no córtex e na medula renal(7). A análise cuidadosa dos achados de imagem correlacionados com dados clínicos fornece subsídios para o diagnóstico da nefropatia por lítio. RELATO DO CASO Mulher, 59 anos, com quadro de dor abdominal inespecífica há uma semana, quando foi submetida a TC de abdome. O estudo demonstrou rins de tamanho normal, apresentando múltiplas pequenas imagens císticas intraparenquimatosas (Figura 1). Foi então realizada RM para melhor avaliar esses microcistos (menores do que 2,0 mm), que se apresentavam com hipossinal na sequência ponderada em T1, hipersinal em T2 e que não se impregnavam pelo meio de contraste paramagnético, distribuídos tanto na cortical quanto na medular de ambos os rins (Figura 2). Figura 1. Imagens de TC demonstrando múltiplas pequenas imagens císticas intraparenquimatosas em rins de tamanhos normais. Figura 2. Imagens de RM ponderada em T2 demonstrando múltiplos microcistos com hipersinal distribuídos em ambos os rins. Analisando o histórico clínico da paciente, verificou-se que ela fazia uso regular, há mais de 15 anos, de carbonato de lítio para tratamento de transtorno bipolar. Além disso, referia hipotireoidismo e um quadro de polaciúria e polidipsia que se agravou nos últimos tempos. Negava história familiar de doença cística renal, não apresentava insuficiência renal, nem tampouco estava em terapia renal substitutiva. Correlacionando com esses dados, a nefropatia por lítio foi considerada a principal hipótese diagnóstica. DISCUSSÃO Apesar dos seus efeitos colaterais, o lítio permanece como uma droga amplamente usada. Seu mecanismo de ação e de suas complicações não está totalmente estabelecido, porém grandes avanços aconteceram nos últimos anos. Deve-se estar atento ao monitoramento desses efeitos adversos, pois uma identificação precoce reduz o impacto desses malefícios(8). Porém, a interrupção do seu uso muitas vezes se torna um dilema, pois aumenta o risco de recorrência precoce do transtorno bipolar(9). Assim, a decisão de substituir o lítio por outro estabilizador de humor deve ser tomada conjuntamente pelo paciente e seu médico, embora o prognóstico da doença renal após seu desuso é desconhecido(1). Estudos científicos demonstraram que o diagnóstico da nefropatia por lítio é rara, pois 85% dos pacientes em tratamento não apresentavam disfunção renal(3) e apenas 0,37% demonstraram alterações apreciáveis pelo estudo histopatológico(1). Por isso, a importância de uma correlação clínicoradiológico-patológica(1). Há uma série de doenças que cursam com cistos renais em exames de imagem, dentre elas a doença renal policística autossômica dominante, a doença cística medular, a doença cística adquirida e a doença glomerulocística A presença de diversos microcistos distribuídos em ambos os rins em métodos de imagem, num paciente em terapia com lítio, sugere fortemente o diagnóstico, permitindo prescindir-se da biópsia(7). As imagens de ultrassom demonstram alguns microcistos e focos hiper-refringentes, que apesar de incerto, podem representar alterações iniciais dos microcistos(1). Ao estudo tomográfico, os microcistos são bem caracterizados, porém a RM tem a capacidade de demonstrar as alterações renais, com maior sensibilidade para identificar os microcistos da nefropatia induzida por lítio(1,7). O presente relato serve de alerta a uma nefropatia que tende a se tornar prevalente e ainda é pouco conhecida pela maioria dos radiologistas gerais. REFERÊNCIAS 1. Di Salvo DN, Park J, Laing FC. Lithium nephropathy: unique sonographic findings. J Ultrasound Med. 2012;31:637–44. 2. Müller-Oerlinghausen B, Berghöfer A, Bauer M. Bipolar disorder. Lancet. 2002;359:241–7. 3. Presne C, Fakhouri F, Noël LH, et al. Lithium-induced nephropathy: rate of progression and prognostic factors. Kidney Int. 2003;64:585–92. 4. Tuazon J, Casalino D, Syed E, et al. Lithium-associated kidney microcysts. ScientificWorldJournal. 2008;8:828–9. 5. Bendz H, Aurell M. Drug-induced diabetes insipidus: incidence, prevention and management. Drug Saf. 1999;21:449–56. 6. Alexander MP, Farag YM, Mittal BV, et al. Lithium toxicity: a doubleedged sword. Kidney Int. 2008;73:233–7. 7. Farres MT, Ronco P, Saadoun D, et al. Chronic lithium nephropathy: MR imaging for diagnosis. Radiology. 2003;229:570–4. 8. Livingstone C, Rampes H. Lithium: a review of its metabolic adverse effects. J Psychopharmacol. 2006;20:347–55. 9. Suppes T, Baldessarini RJ, Faedda GL, et al. Risk of recurrence following discontinuation of lithium treatment in bipolar disorder. Arch Gen Psychiatry. 1991;48:1082–8. 1. Médico Radiologista Residente do Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto – Ultra-X, São José do Rio Preto, SP, Brasil 2. Médica Radiologista Assistente do Departamento de Imagem do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), Radiologista do Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto – Ultra-X, São José do Rio Preto, SP, Brasil Endereço para correspondência: Dr. Raphael Reis Pereira-Silva Rua Conselheiro Correa de Menezes, 91, Horto Florestal Salvador, BA, Brasil, 40295-030 E-mail: raphaelrpereira@hotmail.com Recebido para publicação em 15/1/2013. Aceito, após revisão, em 1/7/2013. Trabalho realizado no Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto - Ultra-X, São José do Rio Preto, SP, Brasil. |