Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2013

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 341 to 345



O conhecimento dos médicos da atenção primária à saúde e da urgência sobre os exames de imagem

Autho(rs): Luciana Mendes Araújo Borém1; Maria Fernanda Santos Figueiredo2; Marise Fagundes Silveira3; João Felício Rodrigues Neto4

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Texto em Português English Text

Descritores: Diagnóstico por imagem; Radiologia; Exames médicos.

Keywords: Imaging diagnosis; Radiology; Imaging studies.

Resumo:
OBJETIVO: Avaliar o conhecimento de médicos da atenção primária à saúde e da urgência sobre os exames de imagem.
MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo realizado com 119 médicos, integrantes da atenção primária à saúde e/ou da urgência hospitalar de Montes Claros, MG, por meio de questionário estruturado contendo questões sobre conhecimentos gerais e indicação dos métodos de imagem. Foi considerado satisfatório um acerto > 80% das questões. Os dados foram analisados pelo modelo de regressão de Poisson (RP).
RESULTADOS: Dos 81 indivíduos que responderam ao questionário, 65% (n = 53) e 44% (n = 36), respectivamente, apresentaram conhecimentos satisfatórios em relação aos conhecimentos gerais e à indicação dos métodos de imagem. Respectivamente, 65% (n = 53) e 51% (n = 41) dos participantes consideram que a radiografia e a tomografia computadorizada não utilizam radiação ionizante. A prevalência de conhecimentos gerais satisfatórios sobre os métodos de imagem apresentou associação com a presença de residência na área de atuação (RP = 4,55; IC 95%: 1,18-16,67; valor-p: 0,03), enquanto a prevalência da indicação satisfatória dos métodos de imagem apresentou associação com a atuação do profissional na atenção primária à saúde (RP = 1,79; IC 95%: 1,16-2,70; valor-p: 0,01).
CONCLUSÃO: Há deficiências importantes no conhecimento dos médicos em relação aos exames de imagem, com melhores resultados obtidos pelos profissionais da atenção primária à saúde e pelos que possuem residência médica na área de atuação.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate the knowledge about diagnostic imaging methods among primary care and medical emergency physicians.
MATERIALS AND METHODS: Study developed with 119 primary care and medical emergency physicians in Montes Claros, MG, Brazil, by means of a structured questionnaire about general knowledge and indications of imaging methods in common clinical settings. A rate of correct responses corresponding to > 80% was considered as satisfactory. The Poisson regression (PR) model was utilized in the data analysis.
RESULTS: Among the 81 individuals who responded the questionnaire, 65% (n = 53) demonstrated to have satisfactory general knowledge and 44% (n = 36) gave correct responses regarding indications of imaging methods. Respectively, 65% (n = 53) and 51% (n = 41) of the respondents consider that radiography and computed tomography do not use ionizing radiation. The prevalence of a satisfactory general knowledge about imaging methods was associated with medical residency in the respondents' work field (PR = 4.55; IC 95%: 1.18-16.67; p-value: 0.03), while the prevalence of correct responses regarding indication of imaging methods was associated with the professional practice in primary health care (PR = 1.79; IC 95%: 1.16-2.70; p-value: 0.01).
CONCLUSION: Major deficiencies were observed as regards the knowledge about imaging methods among physicians, with better results obtained by those involved in primary health care and by residents.

INTRODUÇÃO

Os exames diagnósticos de imagem tiveram crescimento explosivo em volume e variedade de serviços disponíveis durante as últimas décadas(1), ocupando papel crescente no cuidado ao paciente e nas decisões terapêuticas(2,3). Entre os fatores associados a esse crescimento encontram-se os avanços tecnológico-científicos, a maior disponibilidade e funcionalidade dos métodos de imagem, a demanda do paciente por mais exames e o envelhecimento e consequente complexidade clínica da população(1,2). No Brasil, estudos demonstram um aumento na realização de praticamente todos os tipos de exames que empregam diagnóstico por imagem(2,4).

À medida que a utilização dos serviços de imagem aumenta, surgem preocupações sobre o seu uso apropriado(1,5). Historicamente, a ordenação de exames complementares tem sido realizada de maneira não padronizada e indiscriminada(6). Uma alta proporção de estudos radiológicos é solicitada e obtida de maneira incorreta(1), com alguns trabalhos sugerindo que essa proporção, nos EUA, estaria entre 30% e 40% no início deste século(7). Um estudo nacional, realizado em 2005 em um hospital universitário, aponta existirem fortes evidências de que as solicitações de radiografia torácica não têm critérios definidos ou são influenciadas por parâmetros aleatórios(5). Do ponto de vista do médico radiologista, as solicitações inadequadas de exames se destacam como potenciais geradoras de conflitos profissionais, uma vez que devemos atender a essas requisições, sob pena de incorrer em infração ética(8).

A atenção primária à saúde (APS), representada primordialmente pelos médicos de família, tem sido considerada importante forma de prevenção do uso indiscriminado de exames complementares(9), em virtude dos princípios que a norteiam(10). Os médicos de família são apontados, pela literatura internacional, como os que geram os menores custos em relação à solicitação de exames complementares dentre todos os médicos(11). No entanto, mesmo entre esse grupo, estudos relatam o uso frequente e abusivo dos exames de imagem, pouco contribuindo para o manejo clínico(12).

Os exames de imagem solicitados em serviços de urgência/emergência se destacam nesse contexto, não só pela alta demanda de procedimentos gerados em seu atendimento, como também pela necessidade de definição imediata de condutas clínicas a partir da interpretação desses exames(9,13). Segundo Cavalcanti et al.(13) , aproximadamente 50% dos pacientes que procuram serviços de pronto-socorro realizam algum exame radiológico.

Entre as medidas testadas no intuito de aprimorar o comportamento médico de ordenação de exames de imagem destacamse medidas educacionais(14,15). Segundo Taha(3), o ensino em radiodiagnóstico vem sofrendo alterações significativas nos últimos anos, em razão do desenvolvimento permanente do método e do crescimento acentuado das suas aplicações.

Este estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento geral sobre os métodos de imagem e a indicação destes por médicos da APS e da urgência médica.


MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) (parecer consubstanciado número 2963/2011).

O estudo foi realizado em todas as equipes urbanas de Estratégia Saúde da Família e nos serviços de urgência de hospitais que fazem parte da rede de atendimento de urgência hospitalar do município de Montes Claros, MG, entre os meses de novembro de 2011 e janeiro de 2012. Trata-se de um estudo de delineamento transversal e quantitativo. Os critérios de inclusão foram: ser médico, atuar nos serviços selecionados há pelo menos seis meses, período considerado mínimo para adaptação, e aceitar participar do estudo, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos os profissionais com menos de seis meses de atuação nos serviços e os que se recusaram a participar do estudo.

O instrumento utilizado foi um questionário estruturado, construído a partir de diretrizes curriculares internacionais para o ensino da radiologia que listam o conteúdo mínimo necessário para aprendizagem em cada área de atuação, no contexto da graduação médica(16,17). As variáveis contempladas no questionário seguem listadas nos tópicos abaixo:

  • Sociodemográficas: sexo, idade, estado conjugal, cor, religião.
  • Relativas à formação profissional: universidade de graduação, especialização, especialização na área de atuação (APS e/ou urgência), residência médica, residência médica na área de atuação (APS e/ou urgência), prova de título de sociedade médica, prova de título de sociedade médica na área de atuação (APS e/ou urgência), mestrado, doutorado, tempo de conclusão do curso médico.
  • Relativas à atuação profissional: área de atuação (APS e/ou urgência), tempo de atuação nessa área, tempo de atuação no atual serviço, trabalha em outro nível de atenção além daquele no qual foi abordado.
  • Relativas à educação profissional: participação em estratégias de aprendizagem, aulas, palestras, cursos, congressos, grupos de estudo, especialização, pós-graduação stricto sensu, seminários e no programa de educação permanente da APS.
  • Relativas à presença de conhecimentos gerais sobre os métodos de imagem: quais utilizam radiação ionizante, podem utilizar contraste intravenoso, provocam mais comumente claustrofobia, devem ser evitados em portadores de implantes metálicos, além da ordem de custo dos métodos de imagem.
  • Relativas à sua indicação correta em situações clínicas comuns na APS (pneumonia, avaliação inicial de dor pélvica em mulheres, cefaleia, colecistite, diverticulite) ou na urgência (pneumotórax, pneumoperitônio, dissecção aórtica, hematoma intracraniano, acidente vascular encefálico, torção de testículo, colecistite aguda, diverticulite aguda, fratura de fêmur proximal).


  • Faz-se necessário esclarecer que o termo "área de atuação" foi utilizado para se referir ao nível de atenção no qual o profissional foi abordado. Dessa forma, a presença de residência médica e/ou especialização na área de atuação se refere a pós-graduação realizada especificamente em saúde da família e comunidade e/ou em medicina de urgência. Portanto, o profissional com residência médica em cirurgia geral que trabalha no pronto-socorro foi classificado como possuidor de residência médica, mas não de residência médica na área de atuação, caso não possuísse a titulação em medicina de urgência.

    Os dados foram coletados por dois pesquisadores da área da saúde (uma doutoranda e uma mestranda), após a realização do teste piloto, para treinamento da equipe e identificação das questões de difícil compreensão. Foi identificada a necessidade de mudança do enunciado de cinco questões. Os profissionais foram abordados em seus locais de trabalho, onde os questionários foram aplicados nas formas de entrevista, autoaplicáveis no momento em que foram entregues ou devolvidos posteriormente, de acordo com a conveniência do entrevistado.

    As respostas consideradas corretas foram definidas por consenso entre três radiologistas com atuação nas áreas de estudo. O coeficiente de concordância foi 100%. A análise descritiva foi realizada por meio de frequências absolutas e relativas, seguindose à categorização do acerto das questões em conhecimentos satisfatórios (> 80%) ou não satisfatórios (< 80%). Foi utilizado o modelo de regressão de Poisson (RP) múltiplo para o cálculo das razões de prevalência do acerto. Procedeu-se, inicialmente, à análise bivariada, selecionando-se para análise múltipla as variáveis que apresentaram nível descritivo (valor-p do teste de hipótese) de até 25%. O nível de significância estatística considerado para o modelo múltiplo foi p < 0,05 e o intervalo de confiança utilizado foi 95% (IC 95%). Toda a análise estatística foi realizada por meio do programa SPSS for Windows versão 18.


    RESULTADOS

    A população foi composta por 119 médicos, sendo 57 da APS e 62 da urgência. Foram excluídos 20 profissionais (17%), por atuarem há menos de seis meses nas áreas pesquisadas (APS = 6; urgência = 14). A taxa de recusa foi 15% (n = 18; APS = 9, urgência = 9), totalizando 81 profissionais que preencheram o questionário, sendo 52% (n = 42) da APS e 48% (n = 39) da urgência hospitalar. A maioria dos indivíduos pesquisados é do sexo masculino (59%; n = 48), tem idade inferior a 40 anos (74%; n = 58) e graduou-se em instituição pública (63%; n = 51). Quanto à pós-graduação, a maioria da população não possui residência médica ou especialização de qualquer tipo (53%; n = 42 e 58%; n = 46, respectivamente) ou em sua área de atuação (74%; n = 60 e 90%; n = 71, respectivamente).

    Enquanto a maioria dos participantes (n = 53; 65%) mostrou conhecimentos gerais satisfatórios sobre os métodos de imagem, o mesmo não ocorreu em relação à indicação correta em situações clínicas comuns, observando-se frequência de 44% (n = 36) de acerto considerado satisfatório. Proporção significativa dos profissionais estudados considera que a radiografia (RX) (n = 53; 65%) e a tomografia computadorizada (TC) (n = 41; 51%) não utilizam radiação ionizante, enquanto 43% (n = 35) e 42% (n = 34) consideram que o ultrassom (US) e a ressonância magnética (RM), respectivamente, a utilizam. Ainda, 16% (n = 13) dos participantes não foram capazes de ordenar corretamente os métodos de RX, US, TC e RM em relação aos seus custos.

    A prevalência de conhecimentos gerais satisfatórios sobre os métodos de imagem apresentou associação no modelo múltiplo com a presença de residência médica na área de atuação, controladas as demais variáveis, com um valor-p de 0,03 (RP = 4,55; IC 95%: 1,18–16,67) (Tabela 1).




    A prevalência da indicação satisfatória dos métodos de imagem apresentou associação positiva no modelo múltiplo com a atuação do profissional no nível da APS, controladas as demais variáveis, com um valor-p de 0,01 (RP = 1,79; IC 95%: 1,16– 2,70) (Tabela 2).




    DISCUSSÃO

    O perfil dos profissionais do presente estudo revela uma maioria de médicos com menos de 40 anos de idade, menos de 10 anos de formado e sem residência médica na área de atuação, em concordância com estudos prévios. Estudo que avaliou o perfil dos médicos da APS no Estado de São Paulo(18) registrou porcentagem de 44% de profissionais com até 35 anos de idade, sendo 42% deles com 5 anos de formado ou menos e 73% sem residência médica.

    A solicitação adequada de exames complementares é essencial para um atendimento médico de qualidade e com relação custo-efetiva(11). O uso inapropriado dos testes diagnósticos tem implicações importantes no cuidado ao paciente(19), expondo-o a riscos desnecessários como reação alérgica ao meio de contraste, hemorragia após biópsias e exposição à radiação ionizante(5,9,20). Destaca-se, ainda, a possibilidade de atraso no diagnóstico e/ou na terapia(19) ou mesmo de diagnósticos equivocados, uma vez que cada exame apresenta variadas proporções de resultados falso-positivos e falso-negativos(9,20).

    Mais da metade dos entrevistados não mostrou conhecimentos satisfatórios sobre a indicação correta dos métodos de imagem em situações clínicas comuns, em concordância com estudos prévios, que relatam alta proporção de exames radiológicos solicitados de maneira incorreta(1,7). O ponto de corte de 80% utilizado no presente estudo, apesar de relativamente alto, foi definido por tratarem-se de questões consideradas de nível básico(16,17) e pela importância de se indicar corretamente exames que têm riscos e custos consideráveis. Uma vez que o radiologista, na maioria das vezes, não possui informação clínica suficiente para contestar a indicação de um exame, o conflito ético descrito por Scatigno Neto(8) de fato se configura, pois o radiologista estaria realizando elevada proporção de estudos indicados inapropriadamente.

    Muita atenção tem sido dada aos altos custos da assistência médica contemporânea e à necessidade de economia no uso dos recursos(15,20). Os métodos de imagem ocupam posição de destaque no custo gerado pelos métodos propedêuticos ao sistema de saúde(1,8,15,19). Assim, a proporção de 16,25% de erro dos profissionais pesquisados em ordenar corretamente os métodos de RX, US, TC e RM em relação aos seus custos, apesar de relativamente baixa, merece ser considerada, uma vez que compromete a avaliação do custo-benefício no momento da indicação desses exames.

    Em tempos em que o controle da radiação ionizante decorrente dos métodos de imagem torna-se cada vez mais imperativo, com a introdução dos princípios ALARA (As Low As Reasonably Achievable) para guiar os protocolos de exames(21), pode-se considerar alarmante o fato de a maioria dos indivíduos pesquisados considerar que o RX e a TC não utilizam radiação ionizante, e proporção significativa deles considera que o US e a RM a utilizam. Estes achados evidenciam uma clara deficiência na formação dos profissionais estudados, que solicitam cada vez mais exames cujos princípios básicos a maioria desconhece. No Brasil, o treinamento em radiologia e diagnóstico por imagem não é obrigatório nas escolas médicas, o que dá margem a enorme variedade e heterogeneidade de currículos, oferecendo, segundo alguns autores, menos do que seria necessário(22).

    As duas áreas de atuação estudadas apresentam, em comum, o fato de serem porta de entrada frequente dos médicos no mercado de trabalho, refletindo, nesse sentido, os conhecimentos e as habilidades adquiridos durante a graduação. Segundo alguns autores(23), a APS é encarada como opção para entrar diretamente no mercado de trabalho, em definitivo ou para prover algum acúmulo financeiro antes de optar por uma especialidade. Cabana et al.(24) compartilham dessa opinião em relação ao setor de urgência, e acrescentam que este é o setor com maior concentração de médicos jovens dentre todos os setores do hospital estudado, com profissionais com me-nor tempo de formado e com menor tempo de serviço na instituição.

    A educação profissional do médico, após a graduação, dá-se, sobretudo, por meio dos programas de residência médica. Segundo Nunes(25), a residência médica está consagrada como a melhor forma de inserção dos médicos na vida profissional e de capacitação em uma especialidade. Os nossos resultados reforçam esse ponto de vista, uma vez que a chance de apresentar conhecimentos gerais satisfatórios sobre os métodos de imagem em profissionais com residência médica na área de atuação é 4,55 vezes a de profissionais que não a possuem, controladas as demais variáveis. Infere-se, portanto, que existem deficiências na formação de radiologia na graduação médica que são supridas, ao menos em parte, pelos programas de residência médica. Em relação às áreas de atuação estudadas, tem sido constatado que o perfil dos profissionais formados não é adequado o suficiente para prepará-los para atuar na APS e na urgência médica, reforçando-se a necessidade de se investir na complementação da formação deles(26,27). Deve-se ressaltar, todavia, que entre as dificuldades enfrentadas por esses setores incluem-se a dificuldade de se encontrar profissionais capacitados para preencher as vagas disponíveis e a alta rotatividade dos profissionais(26).

    Observamos uma maior quantidade de profissionais da APS com residência médica na área de atuação em relação aos profissionais da urgência, em que apenas um indivíduo a possui. Segundo Oliveira(28), estamos vivendo um saudável período de rápida expansão de programas de residência em APS. Entre os profissionais da urgência médica, entretanto, a realidade é bem diferente. A medicina de urgência é considerada, pelo Conselho Federal de Medicina, como área de atuação e não como especialidade médica(29). Apesar de alguns autores reconhecerem a ineficácia do modelo do "médico que faz plantões na emergência durante um período transitório de sua vida", reforçando a necessidade de se investir na formação de médicos especialistas na área, existiam, em 2010, apenas três Estados brasileiros com residência em medicina de emergência, mesmo sem contar com o reconhecimento dos programas de especialidade(27). A discrepância da formação profissional entre os médicos da APS e da urgência se reflete nos resultados do presente estudo, que evidenciou superioridade no desempenho dos profissionais da APS, com chance de apresentar índices satisfatórios de indicação correta dos métodos de imagem de 1,82 vez aquela dos profissionais da urgência médica, controladas as demais variáveis.

    Qual seria, nesse contexto, o papel do médico radiologista? Cavalcanti et al.(13) relatam a necessidade de uma forte integração do radiologista com as diferentes especialidades que atuam em um serviço de urgência/emergência, com um fluxo rápido e preciso de informações entre as partes e com a participação ativa do radiologista nas decisões que determinam a conduta terapêutica. Da mesma forma, Scatigno Neto(8) afirma que os especialistas da radiologia e diagnóstico por imagem devem ter uma participação ativa também na atenção básica à saúde, por meio de reuniões multidisciplinares com as demais especialidades médicas, discutindo e divulgando os novos métodos de diagnóstico, permitindo a outros especialistas o conhecimento e a indicação do melhor exame para cada situação.

    É interessante ressaltar a dificuldade de acesso e aceitação da categoria médica enquanto alvo de estudo. Acreditamos que a garantia do anonimato das respostas e a utilização de questionários autoaplicáveis facilitaram o processo, além do fato de a maioria dos contatos ter sido realizada por um colega de classe. Destaca-se como possível viés o fato de alguns profissionais terem preenchido o questionário em seus locais de trabalho, enquanto outros o fizeram fora desse ambiente, o que pode ter lhes conferido mais tempo ou mesmo a possibilidade de consultas a eventuais referenciais teóricos.

    Como se trata de um estudo transversal, tem-se como limitação a impossibilidade de se determinar uma relação causal entre as variáveis estudadas, devendo-se interpretar os resultados obtidos com cautela.


    CONCLUSÕES

    Os resultados evidenciam deficiências importantes no conhecimento dos médicos da APS e da urgência em relação à indicação correta de exames de imagem e às noções básicas sobre estes. Resultados melhores foram obtidos entre os profissionais da APS em relação aos da urgência e entre os que possuem residência médica na área de atuação. Os dados não nos permitem, entretanto, estabelecer uma relação causal entre esses fatores.


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    1. Mestre, Doutoranda em Ciências da Saúde na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Médica Radiologista da Santa Casa de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil
    2. Mestre, Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil
    3. Doutora, Bioestatística do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Departamento de Ciências Exatas, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil
    4. Doutor, Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde e do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil

    Endereço para correspondência:
    Dra. Luciana Mendes Araújo Borém
    Radiologia e Diagnóstico por Imagem - Santa Casa de Montes Claros - Setor de Radiologia
    Praça Honorato Alves, 22, Centro
    Montes Claros, MG, Brasil, 39400-103
    E-mail: lmendesab@hotmail.com

    Recebido para publicação em 27/2/2013.
    Aceito, após revisão, em 22/7/2013.

    Trabalho realizado na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil.
     
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