Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 5 - Set. / Out.  of 2013

RELATO DE CASO
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Page(s) 320 to 322



Perfuração espontânea da vesícula biliar com formação de biloma intra-hepático: sinais ultrassonográficos e correlação com tomografia computadorizada

Autho(rs): Erick Sabbagh de Hollanda1; Ulysses dos Santos Torres1; Fabiana Gual1; Eduardo Portela de Oliveira1; Luciana Vargas Cardoso2; Divanei Aparecida Bottaro Criado3

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Texto em Português English Text

Descritores: Vesícula biliar; Ruptura espontânea; Ultrassonografia; Tomografia computadorizada.

Keywords: Gallbladder; Spontaneous rupture; Ultrasonography; Computed tomography.

Resumo:
A perfuração espontânea da vesícula biliar é uma complicação grave e pouco frequente da colecistite aguda, que exige diagnóstico rápido e preciso; a formação concomitante de coleções intra-hepáticas nesses casos é rara. O presente relato enfatiza a importância dos exames de imagem nesse contexto, demonstrando sinais ultrassonográficos e tomográficos típicos para o diagnóstico.

Abstract:
Spontaneous perforation of gallbladder is a severe and infrequent complication of acute cholecystitis that requires early and accurate diagnosis. Concomitant development of intrahepatic collections is rarely observed in such cases. The present report emphasizes the relevance of imaging studies in this setting, describing the typical sonographic and tomographic findings for the diagnosis of such condition.

INTRODUÇÃO

A perfuração espontânea da vesícula biliar (VB) é uma das complicações mais graves da colecistite aguda, de ocorrência rara, associada a elevada morbimortalidade, e com taxas de mortalidade relatadas variando entre 12% e 42%(1,2). Embora o diagnóstico e tratamento precoces sejam fundamentais, o diagnóstico pré-operatório ainda é considerado difícil, com a maioria dos casos sendo diagnosticada apenas durante a cirurgia(1). A perfuração da VB cursando com formação de bilomas ou abscessos intra-hepáticos, objeto deste relato, é ainda mais rara, com poucos casos descritos na literatura(3,4).

O presente relato aborda um caso diagnosticado pré-operatoriamente, enfatizando sinais ultrassonográficos típicos em correlação com achados tomográficos.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 50 anos de idade, deu entrada ao setor de pronto-atendimento com quadro de dor abdominal em hipocôndrio direito com cinco dias de duração, febre não aferida, náuseas, vômitos e icterícia. Ao exame físico mostrava-se febril, levemente ictérico, com dor à palpação em hipocôndrio direito e presença de sinal de Murphy. Os exames laboratoriais revelaram leucocitose, elevação dos níveis séricos de gama glutamil transferase e hiperbilirrubinemia direta.

Foi realizada ultrassonografia abdominal, que evidenciou sinais de colecistite aguda, bem como extensa falha de continuidade da parede anterior da VB com formação de coleção anecoica circunjacente, em íntimo contato com o lobo direito hepático (Figura 1); notou-se, ainda, dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas, sem determinação do local da obstrução. Com a hipótese diagnóstica de perfuração da VB com biloma associado, foi realizada tomografia computadorizada (TC) de abdome, que confirmou a perfuração parietal da VB e permitiu a caracterização da coleção como um biloma intra-hepático subcapsular, além da visualização de cálculo impactado na papila duodenal (Figura 2).


Figura 1. A: Achados ultrassonográficos mostrando discreto espessamento parietal da vesícula biliar, líquido perivesicular e presença de bile espessa em seu interior. B,C: Observa-se também extensa área de descontinuidade (perfuração) da parede anterior (hole sign) cursando com formação de coleção peri-hepática predominantemente anecoica, sugestiva de biloma.


Figura 2. A,B: Cortes axiais da fase portal de tomografia computadorizada do abdome revelando vesícula biliar de paredes espessadas e com realce pelo meio de contraste, líquido perivesicular, área de descontinuidade (perfuração) parietal (hole sign tomográfico), além de coleção intra-hepática subcapsular homogeneamente hipodensa que não sofre realce significativo pelo meio de contraste, sugestiva de biloma; notem-se os achados adicionais de focos de calcificações pancreáticas grosseiras e dilatação dos ductos pancreático e colédoco. C,D: Reconstruções coronais da fase portal confirmam os achados anteriores, demonstrando a causa do processo (cálculo impactado na papila duodenal) e evidenciam mais claramente a natureza intra-hepática subcapsular do biloma.



O paciente foi submetido a colecistectomia aberta com drenagem do biloma, e posteriormente a uma colangiopancreatografia endoscópica retrógrada, com retirada do cálculo impactado na papila duodenal maior. O paciente apresentou boa evolução e obteve alta assintomático uma semana após a admissão.


DISCUSSÃO

As perfurações espontâneas (não-traumáticas) da VB são pouco frequentes, ocorrendo em 2% a 10% dos casos de colecistite aguda(4). Em razão do aumento de colecistectomias realizadas em pacientes com colelitíase nas últimas décadas, essa complicação vem se tornando ainda mais rara, com séries recentes apontando índices em torno de 0,8%(3). O mecanismo de ocorrência dessa complicação seria uma cascata de eventos iniciando-se com obstrução do ducto cístico (mais frequentemente por cálculo), levando a estase biliar e distensão vesicular, com consequente aumento da pressão intravesicular, comprometimento da drenagem venosa e linfática, sofrimento vascular, colonização bacteriana e infecção, necrose e perfuração(4,5). A formação concomitante de abscessos ou bilomas intra-hepáticos nesses casos tem sido raramente descrita(3,4). Alguns autores denominam essa ocorrência como "comunicação colecisto-hepática"(3), em detrimento do termo "fístula colecisto-hepática"(2), uma vez que este é considerado incorreto por não caracterizar uma comunicação entre duas vísceras ocas ou entre uma víscera oca e um meio externo (pele, por exemplo)(2); ainda assim, deve-se considerar que esse tipo de "comunicação" nada mais é que a perfuração de uma VB parcialmente ou totalmente intra-hepática, com a ruptura ocorrendo na face hepática da VB, em vez de intraperitonealmente(2).

Na medida em que os achados clínicos de perfuração da VB são inespecíficos, sobrepondo-se aos encontrados em casos de colecistite aguda não complicada(3,5), os exames de imagem podem ser ferramentas úteis no diagnóstico precoce, contribuindo diretamente para o tratamento imediato e redução da morbimortalidade(2,5). Em muitos casos os sinais ultrassonográficos de perfuração da VB também não diferem dos encontrados na colecistite aguda (espessamento parietal e distensão da VB, líquido perivesicular, sinal de Murphy ultrassonográfico(3,6), uma vez que normalmente as áreas de descontinuidade e irregularidade parietais são pequenas e focais(6); de fato, os sinais ultrassonográficos mais precoces de perfuração iminente podem incluir apenas distensão e edema parietal da VB(3). Em alguns casos, contudo, as áreas de descontinuidade parietais podem ser suficientemente extensas para permitir a identificação ultrassonográfica, caracterizando o hole sign(6) demonstrado no presente caso, considerado o único sinal ultrassonográfico confiável para o diagnóstico de perfuração da VB(6).

Embora a ultrassonografia seja recomendada como método de imagem inicial em pacientes com suspeita de perfuração da VB(6), limitações determinadas por meteorismo e dor, por exemplo, podem prejudicar a identificação da perfuração(3). ATC possui elevada sensibilidade para detecção da área de descontinuidade parietal (hole sign tomográfico), da ordem de 88% em um estudo(5), sendo superior à da ultra-sonografia(1). A TC pode detectar alterações primárias da VB (perfuração, espessamento e realce parietal pelo meio de contraste, gás e abscessos intramurais, além de cálculos radiodensos), alterações perivesiculares (obliteração de gordura, abscessos, bilomas) e alterações extravesiculares (trombose da veia porta, ascite, pneumoperitônio)(1,5), sendo recomendada também por alguns autores em todos os casos suspeitos(5). Considerando-se as alterações perivesiculares, um estudo demonstrou que apenas a formação de abscessos ou bilomas se associa significantemente à perfuração da VB(1), ocorrendo pela passagem de bactérias ou bile infectada através do local de perfuração, levando a alterações inflamatórias reacionais perivesiculares e, finalmente, à formação de bilomas ou abscessos(1). Embora a drenagem percutânea com antibioticoterapia e posterior colecistectomia eletiva possa ser uma alternativa(2,3), no presente caso o paciente possuía condições cirúrgicas, tendo sido optado pela colecistectomia aberta(2,4) e drenagem do biloma.

O presente relato destaca uma complicação rara e grave da colecistite aguda, cujo diagnóstico deve ser rápido e preciso, com a finalidade de se instituir o tratamento adequado. Em virtude da importância do diagnóstico pré-operatório por métodos de imagem, é necessário que o radiologista reconheça e esteja atento aos sinais ultrassonográficos e tomográficos que sugerem este diagnóstico.


REFERÊNCIAS

1. Tsai MJ, Chen JD, Tiu CM, et al. Can acute cholecystitis with gallbladder perforation be detected preoperatively by computed tomography in ED? Correlation with clinical data and computed tomography features. Am J Emerg Med. 2009;27:574-81.

2. Date RS, Thrumurthy SG, Whiteside S, et al. Gallbladder perforation: case series and systematic review. Int J Surg. 2012;10:63-8.

3. Kochar K, Vallance K, Mathew G, et al. Intrahepatic perforation of the gall bladder presenting as liver abscess: case report, review of literature and Niemeier's classification. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2008;20:240-4.

4. Taneja S, Sharma A, Duseja AK, et al. Spontaneous perforation of gallbladder with intrahepatic bilioma. JCEH. 2011;1:210-1.

5. Morris BS, Balpande PR, Morani AC, et al. The CT appearances of gallbladder perforation. Br J Radiol. 2007;80:898-901.

6. Sood BP, Kalra N, Gupta S, et al. Role of sonography in the diagnosis of gallbladder perforation. J Clin Ultrasound. 2002;30:270-4.










1. Médicos Residentes do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil
2. Médica Radiologista, Chefe do Setor de Tomografia Computadorizada do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil
3. Mestranda em Ciências da Saúde, Médica Radiologista do Setor de Ultrassonografia do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Ulysses dos Santos Torres
Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5544, Vila São Pedro
São José do Rio Preto, SP, Brasil, 15090-000
E-mail: usantor@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 5/1/2013.
Aceito, após revisão, em 1/4/2013.

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil.
 
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