Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 5 - Set. / Out.  of 2013

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 273 to 278



O papel da ultrassonografia na medida da gordura subcutânea e visceral e sua correlação com a esteatose hepática

Autho(rs): Roberto Velloso Eifler

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Texto em Português English Text

Descritores: Gordura abdominal; Esteatose; Síndrome metabólica; Ultrassonografia.

Keywords: Abdominal fat; Steatosis; Metabolic syndrome; Ultrasonography.

Resumo:
OBJETIVO: Avaliar as medidas ultrassonográficas da gordura subcutânea e da gordura visceral em comparação com o grau de esteatose hepática.
MATERIAIS E MÉTODOS: Foram avaliados 365 pacientes entre outubro de 2012 e janeiro de 2013. A gordura subcutânea e a gordura visceral foram medidas com transdutor convexo de 3 a 4 MHz colocado transversalmente 1 cm acima da cicatriz umbilical. Para a gordura visceral, considerou-se a distância entre a face interna do músculo reto abdominal e a parede posterior da aorta na linha média do abdome. A quantificação da esteatose hepática levou em consideração o aumento da ecogenicidade do fígado, a perda de definição das margens vasculares e o aumento da atenuação acústica.
RESULTADOS: Em 38% da amostra constatou-se esteatose. Na detecção de esteatose moderada a severa, a área sob a curva ROC foi 0,96 para mulheres e 0,99 para homens, indicando pontos de corte para a espessura da gordura visceral de 9 cm e de 10 cm, respectivamente.
CONCLUSÃO: Comprovou-se correlação entre esteatose e espessura da gordura visceral e foram sugeridos valores para a espessura da gordura visceral que permitem distinguir a normalidade da esteatose simples e do risco de esteato-hepatite.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate the sonographic measurement of subcutaneous and visceral fat in correlation with the grade of hepatic steatosis.
MATERIALS AND METHODS: In the period from October 2012 to January 2013, 365 patients were evaluated. The subcutaneous and visceral fat thicknesses were measured with a convex, 3-4 MHz transducer transversely placed 1 cm above the umbilical scar. The distance between the internal aspect of the abdominal rectus muscle and the posterior aortic wall in the abdominal midline was considered for measurement of the visceral fat. Increased liver echogenicity, blurring of vascular margins and increased acoustic attenuation were the parameters considered in the quantification of hepatic steatosis.
RESULTS: Steatosis was found in 38% of the study sample. In the detection of moderate to severe steatosis, the area under the ROC curve was 0.96 for women and 0.99 for men, indicating cut-off values for visceral fat thickness of 9 cm and 10 cm, respectively.
CONCLUSION: The present study evidenced the correlation between steatosis and visceral fat thickness and suggested values for visceral fat thickness to allow the differentiation of normality from risk for steatohepatitis.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas e, especialmente, nos últimos anos vem ocorrendo um aumento crescente das taxas de obesidade nas populações dos países ocidentais, tanto desenvolvidos como emergentes, e tanto em crianças como em adultos(1). Já na década de 80, Reaven(2) observava que a obesidade estava muitas vezes associada a doenças como hipertensão arterial, hiperglicemia, dislipidemia e, principalmente, que essas alterações hemodinâmicas e metabólicas tinham um elo comum: a resistência à insulina. A partir de suas observações consolidou-se o conceito de síndrome metabólica (SM).

A prevalência da SM é estimada, atualmente, entre 20% e 25% da população geral, com índices crescentes(3). A importância do diagnóstico de SM se tornou evidente após a confirmação de sua relação com a doença cardiovascular. Indivíduos com SM têm risco duas a três maior de morbidade cardiovascular do que indivíduos sem SM(4).

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é a manifestação hepática da síndrome metabólica. Ela abrange um amplo espectro de lesões hepáticas, que vão da esteatose benigna até a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), que apresenta alto risco de progressão para a cirrose e o carcinoma hepatocelular(5). A DHGNA pode ser diagnosticada por exames de imagem, tanto pela ultrassonografia (US) como pela tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM). Embora a US demonstre acurácia inferior à TC e à RM para a detecção de DHGNA, seu baixo custo e fácil acesso fazem dela a ferramenta diagnóstica mais utilizada para a avaliação inicial das alterações parenquimatosas hepáticas(6).

A US, do mesmo modo que a TC e a RM, não pode diferenciar esteatose de EHNA, o que ainda é privilégio do exame histopatológico(7). Mas a esteatose pode ser quantificada pela US em leve (grau 1), moderada (grau 2) e acentuada (grau 3), sendo que essa quantificação encontra muito boa correlação com a TC, a RM e o exame histopatológico(8,9). A utilização da US na identificação da esteatose pode apresentar sensibilidade de 89% e especificidade de 93% segundo alguns autores(10), e segundo outros(11), sensibilidade de até 94% e especificidade de até 100%.

Os critérios para quantificação dos graus de esteatose apresentam pequenas variações entre os diversos autores. A classificação de Saadeh et al.(9) serve como um bom exemplo:

- Grau 1 (leve): Aumento difuso da ecogenicidade hepática com visualização normal dos vasos intra-hepáticos e do diafragma.

- Grau 2 (moderada): Borramento na visualização dos vasos intra-hepáticos e do diafragma.

- Grau 3 (acentuada): Não se visualizam vasos intra-hepáticos, diafragma e região posterior do fígado.


Trabalhos recentes, correlacionando US e exame histopatológico, confirmam a US como uma importante ferramenta não invasiva para a avaliação de DHGNA(12,13) e propõem-se a demonstrar que ecogenicidade hepática normal ou grau 1 excluem DHGNA histológica e afastam a necessidade de biópsia hepática(14,15).

Nos últimos anos, vem sendo atribuído à US outro importante papel na avaliação da SM, além da quantificação da esteatose. Como já vimos, a obesidade está estreitamente ligada ao diagnóstico de SM. Por outro lado, começou-se a observar que a obesidade, usualmente avaliada por medidas antropométricas, tinha idiossincrasias que escapavam ao senso comum. Por exemplo, indivíduos com baixo índice de massa corporal podiam apresentar elevada incidência de alterações típicas da SM. Isso despertou a atenção para o fato de que não seria o excesso de gordura corporal total e sim a distribuição dessa gordura que estaria relacionada à resistência à insulina e, por consequência, à SM(3). Desde então, têm sido bastante estudadas as relações da gordura subcutânea, glúteo-femoral e visceral com a ação da insulina e, presentemente, já se pode afirmar que pelo menos a associação da gordura visceral com os componentes da SM está bem estabelecida(16,17). Os exames de imagem são os métodos de eleição para avaliar e quantificar a gordura visceral. Já em 1983, Tokunaga et al. estabeleciam critérios para a avaliação da gordura corporal por TC. Atualmente, a TC é considerada o padrão ouro para a avaliação da gordura intra-abdominal(16), mas na verdade é um método de alto custo, pouco prático e que submete os pacientes à radiação ionizante. A RM também desenvolveu critérios para avaliar a gordura visceral, com boa acurácia, mas está mais sujeita a artefatos que a TC e seu coeficiente de variação também é maior(18). As medidas antropométricas são os métodos mais utilizados na avaliação da adiposidade corporal; mostram-se, no entanto, incapazes de diferenciar a gordura visceral da subcutânea e apresentam variabilidade intra e interexaminador relativamente elevadas(19).

Contrastando com as desvantagens da TC, da RM e das medidas antropométricas, a US tem-se afirmado um método simples, de baixo custo, sem risco de radiação e com reprodutibilidade e confiabilidade já comprovadas na quantificação da gordura visceral(20-22). A técnica ultrassonográfica consiste em medir a espessura da gordura abdominal subcutânea e visceral, separadamente, utilizando-se um transdutor de 3 a 4 MHz colocado 1 cm acima da cicatriz umbilical. Desde os trabalhos de Armellini et al.(20) está demonstrado que a espessura do tecido adiposo visceral obtida com essa técnica tem boa correlação com a área desse mesmo tecido quantificada pela tomografia. Em 2002, Leite et al. definiram os valores de 8 cm de espessura da gordura visceral para mulheres e 9 cm para homens como associados a maior risco cardiovascular(23). Em 2003, Ribeiro Filho et al. propuseram o valor de 7 cm para o diagnóstico de obesidade visceral em mulheres(24). Em 2009, Diniz et al., analisando 50 pacientes, sem distinção de sexo, estabeleceram valores médios, com os respectivos desvios-padrão, de 2,64 cm ± 1,37 para a espessura da gordura subcutânea e 6,84 cm ± 2,38 para a espessura da gordura visceral(25).

Em virtude de trabalharmos com US em clínica gastroenterológica, esses trabalhos nos chamaram a atenção por sua originalidade, simplicidade e eficácia. Principalmente, porém, nos chamaram a atenção porque, apesar de mostrarem um caminho promissor, permaneceram em grande parte como experiências isoladas e sem seguimento. A conclusão a que chegamos é a de que se trata de mais um exemplo do que acontece hoje no campo da medicina: a compartimentalização do conhecimento. A avaliação da gordura visceral é de alto interesse para várias especialidades médicas, como a gastroenterologia, a hepatologia, a endocrinologia, a cardiologia e mais áreas voltadas para o estudo da obesidade e do metabolismo, mas não faz parte da rotina ultrassonográfica. Ultrassonografistas seguem protocolos corretos, os quais, no entanto, estão deixando de atender às necessidades específicas de um grupo cada vez maior de especialidades.

Nosso objetivo é dar continuidade ao trabalho desses pesquisadores, principalmente os brasileiros, como Leite et al.(23), Ribeiro Filho et al.(24) e Diniz et al.(25), que se preocuparam em definir valores normais e de risco para a espessura das gorduras subcutânea e visceral. Usaremos a correlação com o grau de esteatose estabelecido por US, cujo critério já está bem definido, para buscar determinar um ponto de corte que possa identificar indivíduos com maior risco para esteato-hepatite.


MATERIAIS E MÉTODOS

Foram examinados de forma consecutiva e aleatória 365 pacientes usuários de uma clínica especializada em gastroenterologia de Porto Alegre, RS, no período de 15 de outubro de 2012 a 25 de janeiro de 2013, independentemente das queixas e sintomas. Só foram excluídos portadores de doenças crônicas como alcoolismo, cirrose, linfoma, insuficiência renal e pessoas submetidas a cirurgia bariátrica ou estética.

Todos os pacientes foram examinados por um ultrassonografista experiente que pelo menos há dez anos pratica diariamente a quantificação da esteatose e que realizou diariamente a medida da gordura subcutânea e visceral durante dez meses antes de iniciar este trabalho. Não foi empregada a medida da gordura perirrenal em razão de sua reprodutibilidade ainda controversa.

Os exames foram feitos em um mesmo aparelho de US, de marca Toshiba, modelo Nemio XG, com transdutor convexo de 3 a 4 MHz. Não se julgou necessário utilizar transdutor linear para a medida da gordura subcutânea, optando-se pela técnica de Radominski et al.(21), uma vez que as diferenças entre as medidas por transdutor convexo e transdutor linear mostraram-se insignificantes.

Os critérios para quantificação da esteatose seguiram a classificação de Saadeh et al.(9), com a diferença de que, para a caracterização de esteatose leve (grau 1), deu-se mais valor à presença de pequenas áreas hipoecoicas focais no parênquima hepático, principalmente nas regiões periportal e perivesicular, do que à distinção entre a textura hepática e a textura da cortical do rim direito, distinção essa muito dependente da subjetividade e de uma textura renal idealmente padronizada. As áreas hipoecoicas focais são causadas por sistemas venosos independentes ou relativamente independentes do sistema portal (geralmente colecísticos ou parabiliares), que reduzem localizadamente a perfusão portal e, por consequência, determinam alterações metabólicas focais que geram áreas livres de acumulação de tecido adiposo(26).

As medidas da espessura da gordura subcutânea e da gordura visceral foram feitas com o paciente em decúbito dorsal, com elevação do braço direito, posicionando-se o transdutor convexo de 3 a 4 MHz transversalmente 1 cm acima da cicatriz umbilical, na linha média, em fase expiratória normal, sem exercer pressão com o transdutor sobre o abdome para não distorcer a medida(25). Considerou-se espessura da gordura subcutânea a distância, quantificada em centímetros, entre a pele e a superfície superior da linha alba, que é a rafe tendinosa que une as duas metades do músculo reto abdominal. Considerou-se espessura da gordura visceral a distância, quantificada em centímetros, entre a superfície inferior da linha alba e o plano da parede posterior da aorta (Figura 1). Convém observar que a linha alba muitas vezes é espessa, permitindo distinguir a superfície superior da inferior, e muitas vezes é delgada, aparecendo na imagem como um traço; nesse último caso, o traço é considerado como suas superfícies superior e inferior para fins de medida. Geralmente há um acúmulo de gordura extraperitoneal na linha média, logo abaixo da linha alba, que aparece como uma imagem elipsoide e hipoecoica; essa gordura é incluída, para fins de medida, na espessura da gordura visceral. A aorta localiza-se usualmente à esquerda da linha média, e tendo sido identificada sua imagem, traça-se uma linha horizontal que passa por sua parede posterior até a linha média, e é aí, no encontro dessa linha com a que desce da linha alba (primeiro caliper) que se coloca o segundo caliper para a medida da espessura da gordura visceral.


Figura 1. A: Esquema das medidas da espessura das gorduras subcutânea e visceral. B: Ultrassonografia com as medidas da espessura das gorduras subcutânea e visceral.



RESULTADOS

Foram examinados 365 pacientes, na faixa etária de 16 a 92 anos, com idade média de 52,9 anos, e se fez uma correlação entre o sexo dos pacientes e a presença de esteatose (Tabela 1).




Em torno de 38% da população examinada apresentou esteatose, não havendo diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres.

Partindo-se dos dados que mostram que a US pode apresentar sensibilidade e especificidade altas na identificação da esteatose(11), e que a ecogenicidade hepática normal praticamente exclui a DHGNA histológica(14,15), avaliou-se a espessura da gordura subcutânea e da gordura visceral das pessoas sem esteatose. Para as mulheres, obteve-se gordura subcutânea de 2,51 cm ± 1,94, e para os homens, gordura subcutânea de 2,14 cm ± 1,38 (p = 0,004; teste t de Student). A espessura da gordura visceral foi 5,38 cm ± 2,74 para as mulheres e 6,78 cm ± 2,66 para os homens (p < 0,001; teste t de Student).

Pôde-se constatar que a gordura subcutânea é em média 17% mais espessa nas mulheres do que nos homens sem esteatose. Em contrapartida, a gordura visceral dos homens mostrou-se, na média, 26% mais espessa do que nas mulheres sem esteatose. Tendo esse dado como referência, decidiu-se dar atenção especial à diferença entre os sexos ao quantificar a espessura da gordura subcutânea e da gordura visceral por grupos etários.

Sexo feminino

Partindo de estudos que mostram que a obesidade apresenta seu maior pico entre 45 e 64 anos, estudou-se a amostragem das 149 mulheres sem esteatose até se chegar a um recorte definitivo de três distintos e mais homogêneos grupos etários (Tabela 2).




A média da espessura da gordura visceral para todas as 149 mulheres sem esteatose foi 5,38 cm ± 2,74. A espessura da gordura subcutânea não apresentou variação estatisticamente significativa entre os grupos etários nas mulheres sem esteatose.

As 85 mulheres com esteatose foram distribuídas de acordo com o grau de infiltração gordurosa (Tabela 3).




Houve aumento progressivo e estatisticamente significativo da espessura da gordura visceral com o aumento do grau de esteatose nas mulheres. Já a espessura da gordura subcutânea não apresentou alterações relevantes entre os vários graus de esteatose.

Sexo masculino

Assim como entre as mulheres, dividiuse a amostragem de 131 pacientes do sexo masculino sem esteatose em três grupos etários (Tabela 4).




Também não se demonstrou variação expressiva da espessura da gordura subcutânea entre os vários grupos etários masculinos sem esteatose. Quanto à gordura visceral, embora se encontre significado estatístico na variação de sua espessura entre os grupos etários, não se considera que tal variação seja clinicamente relevante.

A média da espessura da gordura visceral para todos os homens sem esteatose foi 6,78 cm ± 2,66.

Os 55 homens com esteatose foram distribuídos de acordo com o grau de infiltração gordurosa (Tabela 5).




Da mesma forma que entre as mulheres, a espessura da gordura subcutânea entre os diferentes graus de esteatose nos homens não apresentou diferença estatisticamente significante. Já no que se refere à gordura visceral, identificou-se um aumento progressivo e estatisticamente significativo de sua espessura com o aumento da esteatose.

Análise estatística

Deixou-se de lado a gordura subcutânea, por não ter relevância estatística, e fez-se a análise da espessura da gordura visceral através da área sob a curva ROC, buscando definir: a) um ponto de corte ótimo entre pessoas sem esteatose e pessoas com esteatose simples (E1); b) um ponto de corte ótimo entre pessoas sem risco e pessoas com risco de esteato-hepatite. Para esse último ponto, optou-se por usar como referência o conjunto das pessoas sem esteatose e com E1 em relação ao grupo que engloba as pessoas com esteatose moderada (E2) e grave (E3), de acordo com o trabalho de Shannon et al.(15), que mostrou que 92% dos pacientes com E2 e E3 na US tinham esteatose de moderada a grave na biópsia e que a maioria dos pacientes sem esteatose ou com E1 na US não tinha esteatose ou tinha apenas esteatose leve na biópsia. Os resultados estão na Tabela 6.




DISCUSSÃO

Considerando que tanto a prevalência da SM(3) como a prevalência da DHGNA(27) giram em torno de 20% a 25% da população geral, e que, em pacientes com DHGNA selecionados para biópsia hepática (critério: esteatose à US e valores de TGP/TGO séricos maiores do que 1,5 o nível normal em mais do que duas ocasiões, separadas por pelo menos um mês) a esteato-hepatite sem fibrose pode atingir 31,1% dos indivíduos e a esteato-hepatite com fibrose ou cirrose pode chegar a 27% dos casos(28), procurou-se estabelecer um método não invasivo e de baixo custo que auxiliasse na identificação de pacientes com maior risco de apresentar as formas evolutivas dessas doenças.

Com base na acurácia da US para detectar esteatose(10,11), deve-se considerar a possibilidade de torná-la ferramenta inicial de screening para DHGNA, mesmo em face de enzimas hepáticas normais(15). Por outro lado, considerando-se a relação da esteatose com a medida da espessura da gordura visceral(13,25), procurou-se definir valores da espessura do tecido adiposo abdominal que pudessem distinguir a normalidade da esteatose simples e da suspeita de esteatohepatite(14). Já foi demonstrado que o acúmulo de gordura visceral está relacionado ao desenvolvimento da esteato-hepatite e que esse acúmulo influencia continuamente as alterações histológicas na DHGNA, desde o início da deposição de gordura em hepatócitos até o surgimento das alterações inflamatórias(29). Uma das vantagens da medida da espessura da gordura visceral é sua simplicidade e objetividade, permitindo esquivar-se das variáveis subjetivas da quantificação da esteatose, demasiado operadordependente. Tanto a esteatose como a gordura visceral abdominal são correlatos independentes de risco cardiometabólico, mas as associações são mais fortes para a gordura visceral do que para a esteatose(30).

Nos 365 pacientes examinados, a espessura da gordura subcutânea não apresentou diferença estatisticamente relevante entre os sexos, entre os grupos etários e em relação à presença ou não de esteatose. Já a espessura da gordura visceral, que nos homens sem esteatose não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários, nas mulheres mostrou aumento significativo das jovens (menos de 29 anos) para as adultas e das adultas para as idosas (mais de 70 anos). Em contrapartida, nos pacientes com esteatose a espessura da gordura visceral apresentou aumento significativo, proporcional ao grau de esteatose, tanto em mulheres como em homens.

Com o auxílio da análise da curva ROC obtiveram-se os seguintes pontos de corte:

1. Para mulheres, espessura da gordura visceral igual ou acima de 7 cm sugere esteatose leve e espessura da gordura visceral igual ou acima de 9 cm sugere esteatose de moderada a grave com risco de esteatohepatite e de síndrome metabólica.

2. Para homens, espessura da gordura visceral igual ou acima de 8 cm sugere esteatose leve e espessura da gordura visceral igual ou acima de 10 cm sugere esteatose de moderada a grave com risco de esteato-hepatite e de síndrome metabólica.

O risco de esteato-hepatite com espessura da gordura visceral acima de 9 cm para mulheres e acima de 10 cm para homens levanta a possibilidade de indicação para biópsia hepática.

Esses valores praticamente se superpõem aos números obtidos por Leite et al.(23), que examinaram 422 pacientes em busca de correlação entre espessura da gordura visceral e risco cardiovascular. Seu trabalho indicou ponto de corte de 7 cm para predizer risco cardiovascular moderado para ambos os sexos, enquanto o nosso estudo encontrou ponto de corte de 7 cm para mulheres e 8 cm para homens para indicar esteatose leve. O trabalho de Leite et al.(23) ainda definiu pontos de corte de 8 cm para mulheres e de 9 cm para homens para predizer alto risco cardiovascular. Nosso trabalho estabeleceu ponto de corte de 9 cm para mulheres e de 10 cm para homens para predizer alto risco de esteato-hepatite.

Ribeiro Filho et al.(24), que também fizeram um exemplar trabalho correlacionando a espessura da gordura visceral com os componentes da síndrome metabólica, examinaram 100 pacientes, mas só do sexo feminino, definindo 7 cm como o ponto de corte acima do qual as pacientes apresentam risco cardiovascular.

Quanto ao trabalho de Diniz et al.(25), destinado principalmente a estudar a variabilidade interobservador do método ultrassonográfico, o fato de não ter feito distinção entre sexos e graus de esteatose põe seus valores médios obtidos para a espessura da gordura visceral (6,84 cm ± 2,38) dentro do espectro do presente estudo.

Os trabalhos anteriores a esses, referentes à avaliação da gordura visceral pela US, concentram-se praticamente na validação do exame ultrassonográfico em comparação com a TC, a RM e a antropometria. Armellini et al.(20), por exemplo, que é a primeira referência de todos os estudos que envolvem gordura visceral e US, chegaram a usar, em seus trabalhos, três parâmetros diferentes para medir a gordura visceral desde a linha alba: a veia esplênica, a parede anterior da aorta e a parede posterior da aorta. Atualmente se usa a parede posterior da aorta porque se acredita que os valores de espessura intra-abdominal por ela determinados são mais representativos da quantidade de gordura visceral.

A medida da espessura da gordura subcutânea não se mostrou estatisticamente relevante nem em homens nem em mulheres. Ela pode ser usada como controle de tratamento em casos individuais. Apesar da aparente disparidade entre o aumento da gordura visceral e o aumento da gordura subcutânea com a evolução da obesidade, a proposição de um índice para medir a relação gordura visceral/gordura subcutânea não encontrou relevância estatística.

A limitação deste estudo consiste em não terem sido feitas correlações com parâmetros séricos nem com exames histológicos.


CONCLUSÃO

Demonstrou-se a correlação entre esteatose e a medida da espessura da gordura visceral em 365 pacientes, sugerindo-se a preferência por esta última na avaliação de DHGNA, não só por sua objetividade e reprodutibilidade, mas por permitir a definição de critérios quantitativos diferenciados para homens e mulheres, assim como para diferentes grupos etários, e por permitir controle de evolução de tratamento através de uma escala mais graduada.

No que diz respeito à gordura visceral, foram sugeridos, tanto para o sexo masculino como para o feminino, valores para a normalidade e valores para o risco de esteato-hepatite.

Sugere-se, ademais, que a medida da espessura da gordura visceral seja incluída nos exames de US abdominal de rotina, considerando-se sua praticidade e sua eficácia como preditor de esteato-hepatite e de síndrome metabólica.


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Médico Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia (Fugast), Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Roberto Velloso Eifler
Rua Cabral, 983/302, Rio Branco
Porto Alegre, RS, Brasil, 90420-121
E-mail: eifler2010@hotmail.com

Recebido para publicação em 7/3/2013.
Aceito, após revisão, em 27/5/2013.

Trabalho realizado no Serviço de Ultrassonografia da Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia (Fugast), Porto Alegre, RS, Brasil.
 
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