Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 5 - Set. / Out.  of 2013

EDITORIAL
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Page(s) VII to IX



O trinômio vírus-droga-hospedeiro na caracterização tomográfica da infecção pulmonar por influenza A (H1N1) - uma visão clínicoradiológico-patológica

Autho(rs): Jorge Luiz Pereira e Silva

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Resfriado comum (common cold) e gripe (flu) designam entidades clínicas distintas. Resfriado comum refere-se a uma síndrome benigna e autolimitada que compreende um grupo de doenças causadas por várias famílias de vírus(1). Cerca de 200 subtipos de vírus são associados ao resfriado comum. Rhinovírus, com mais de 100 sorotipos, coletivamente é o mais comum (30% a 50% dos casos), enquanto coronavírus responsabiliza-se por 10% a 15%. Os sintomas predominam nas vias aéreas superiores e há pouca repercussão sistêmica. Não costuma causar complicações, nem mesmo o óbito(1).

A gripe, ou influenza sazonal, é causada pelos vírus influenza A e B e predomina nos meses de inverno, sob a forma de surtos ou epidemias. Manifesta-se com sinais e sintomas de vias aéreas superiores e inferiores, e acentuado envolvimento sistêmico. A forma não complicada, embora acompanhada de sintomas agudos e debilitantes, costuma ser autolimitada. Em indivíduos suscetíveis, a influenza sazonal acarreta maior risco de morbidade e mortalidade (forma complicada). O período de incubação é de 1 a 4 dias(2). Influenza sazonal responsabiliza-se por 200.000 internações hospitalares e 41.000 óbitos por ano nos Estados Unidos da América (sétima causa de óbitos)(3).

Os vírus da influenza sazonal são membros da família Orthomyxoviridae e classificados em A, B ou C. O vírus influenza A pode ser encontrado em humanos, outros mamíferos, e em aves, o único, dentre eles, historicamente responsável por pandemias. Os tipos B e C, embora previamente identificados somente em seres humanos, também foram isolados em focas e porcos, respectivamente. Influenza A e B são mais importantes do que o influenza C para seres humanos e causam infecções de maior gravidade. Esse último pode causar infecção respiratória em crianças com menos de 6 anos de idade. A exposição ao vírus influenza C na infância costuma causar proteção contra novas infecções na idade adulta(2).

Influenza A é de parasitismo intracelular obrigatório, classificado conforme as glicoproteinas de superfície: hemaglutinina e neuraminidase. Enquanto a hemaglutinina une-se ao ácido siálico das células do hospedeiro, para que o vírus seja incorporado, passe a controlar o metabolismo celular e promova sua destruição, a neuraminidase é importante para sua liberação e propagação. Assim, a nomenclatura HxNx deriva do número específico da hemaglutinina e da neuraminidase. Existem atualmente 16 tipos de hemaglutininas (H1-H16) e 9 de neuraminidases (N1-N9), todas elas já identificadas em aves domésticas e silvestres. Três tipos de hemaglutininas (H1-H3) e dois tipos de neuraminidases (N1-N2) causam doença de grande impacto epidemiológico em seres humanos (H1N1, H2N2, H3N2). Casos esporádicos ou surtos de H7N3, H7N7, H9N2 e H10N7 têm ocorrido em seres humanos. Atualmente, dois subtipos de influenza A circulam em seres humanos: H1N1 e H3N2. Essa nomenclatura é de fundamental importância, uma vez que mudanças processadas nos antígenos de hemaglutininas e, em menor escala, de neuraminidases, acarretam exposição a cepas para as quais a população tem pouca ou nenhuma imunidade(2).

Embora várias epidemias de gripe tenham sido reconhecidas no século 20, três pandemias bem-definidas causadas por subtipos antigênicos de influenza A foram descritas, cujo provável foco de origem foi identificado(4). A gripe espanhola (1918), causada por H1N1 (mais de 40 milhões de óbitos), a asiática (1957) por H2N2 (2 milhões de óbitos), e a gripe de Hong Kong (1968), associada a H3N2 (700 mil vítimas fatais)(4). Em março de 2009, originou-se no México a primeira pandemia de influenza A do século 21, causada por H1N1 de origem suina(5). O quadro clínico variou desde uma infecção branda e autolimitada até uma pneumonia rapidamente evolutiva. Nos casos mais graves, a insuficiência respiratória manifestou-se nas primeiras 48 horas. Até dezembro de 2009, 208 países haviam relatado casos dessa pandemia, com o registro de 10.000 óbitos. Em agosto de 2010, a Organização Mundial da Saúde anunciou o controle da pandemia e registrou 18.500 vítimas fatais. Maior número de óbitos ocorreu em indivíduos obesos e naqueles com comorbidades(6). Curiosamente, 6,4% dos casos e 4,3% dos óbitos acometeram gestantes(7). Embora a pandemia tenha sido controlada e a população esteja mais protegida, como consequência da exposição prévia ao vírus e do processo de imunização com vacinas, a infecção por influenza A (H1N1) segue causando novas vítimas em todo o mundo.

A caracterização dos padrões tomográficos da pneumonia por influenza A (H1N1) depende diretamente das alterações histopatológicas que, por seu turno, resultam de interações entre a virulência do patógeno e a resposta imune do hospedeiro. Ademais, a terapia eficaz e precocemente instituída é capaz de reduzir os sintomas, abreviar o curso da doença e reduzir as taxas de mortalidade e complicações, podendo produzir impacto significativo nos exames de imagem. A coinfecção bacteriana, presente na maioria dos casos, dificulta a interpretação dos achados tomográficos.

Em 2011, Sheng et al.(8) revisaram os achados clínicos, patológicos, bacteriológicos e virológicos de casos fatais de militares norte-americanos vítimas da pandemia de influenza ocorrida em 1918 (gripe espanhola). Em todos eles havia evidências histológicas de pneumonia bacteriana e número abundante de bactérias coradas ao Gram em 94% dos casos (coinfecção). As bactérias mais frequentemente identificadas foram Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenese Staphlyococcus aureus. Os achados histológicos predominantes foram bronquite, bronquiolite e dano alveolar difuso (fases aguda, proliferativa e crônica), além das evidências de reparo e remodelamento tecidual. Gill et al.(9) analisaram autópsias de 34 casos fatais comprovados de influenza A (H1N1) ocorridos na pandemia de 2009. Traqueíte, bronquite e bronquiolite com ulceração, desnudamento epitelial, infiltrados inflamatórios na submucosa e metaplasia escamosa focal foram os principais achados histológicos nas vias aéreas. Dano alveolar difuso - composto por edema, hemorragia alveolar aguda e formação de membrana hialina - foi registrado na maioria dos casos. O dano alveolar difuso agudo ou em fase de organização foi identificado em indivíduos que permaneceram internados por 3,7 e 11,7 dias, em média, respectivamente. Coinfecção bacteriana esteve presente em 55% dos casos. Mauad et al.(10) descreveram os achados clínicos, laboratoriais e histopatológicos de 21 casos fatais de infecção por influenza A (H1N1) ocorridos no Brasil. Dano alveolar difuso, bronquiolite necrosante e hemorragia alveolar foram as principais alterações histopatológicas encontradas. Também foi identificado o efeito citopático nos brônquios e células epiteliais dos alvéolos; bem como necrose, hiperplasia epitelial e metaplasia escamosa de traqueia e brônquios. Os autores demonstraram, ainda, proeminente expressão de TLR-3 e IFN-g, além de grande acúmulo de células T CD8 e granzimas no tecido pulmonar. Esses achados reforçam a hipótese de que uma resposta imune aberrante poderia ser responsável pelo comportamento clínico e histopatológico apresentado por alguns pacientes com pneumonia por influenza A (H1N1).

Modernas técnicas de investigação têm demonstrado a etiologia híbrida das pneumonias adquiridas na comunidade em 35% dos casos, comumente envolvendo bactérias e vírus(11). Infecções bacterianas ocorreram em todos os casos fatais na pandemia de influenza A (H1N1) de 1918(8), e em 34% daqueles admitidos em UTI na pandemia de 2009(5). Uma análise de 683 casos tratados em 35 unidades de terapia intensiva norte-americanas demonstrou que a coinfecção bacteriana costuma acontecer nos primeiros seis dias de sintomas. Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e Streptococcus pyogenes foram os principais patógenos isolados(12). Tasher et al.(13) demonstraram maior incidência de infecções invasivas por Streptococcus pyogenese Staphlyococcus aureus, independentemente da idade, e de S. pneumoniae nas crianças infectadas por influenza A (H1N1) na pandemia de 2009. Rice et al.(14) demonstraram que a coinfecção bacteriana em indivíduos acometidos por pneumonia por influenza H1N1 nas primeiras 72 horas de admissão na UTI é fator de mau prognóstico.

A infecção por influenza A (H1N1) costuma ter um curso clínico mais grave e de pior prognóstico do que se observa na influenza sazonal. As radiografias realizadas à admissão hospitalar de pacientes com infecção pelo H1N1 revelam pneumonia em mais de 40% dos casos. Aproximadamente 10% a 30% dos indivíduos hospitalizados com infecção pelo H1N1 precisaram de internação na UTI e ventilação mecânica(6).

O uso de inibidores de neuraminidases(15), quando instituído nas primeiras 48 horas de sintomas, mostrou-se vantajoso quando comparado àqueles em que a terapia foi iniciada tardiamente (mais de 48 horas)(16). Segundo dados do CDC(17), 98,6% dos vírus H1N1-2009 testados mostraram-se sensíveis ao oseltimivir e 100% ao zanamivir. Além disso, 100% das cepas de influenza A (H3N2) testadas foram sensíveis a ambas as drogas. Tanto o H1N1 quanto o H3N2 mostraram resistência elevada a amantadina e rimantadina(17).

Os estudos que procuram caracterizar os padrões tomográficos das pneumonias por influenza A (H1N1) são habitualmente observacionais e retrospectivos, compreendendo revisões, relatos de casos e pequenas séries(18-20). Novos estudos prospectivos, controlados, são necessários para melhor caracterizar os achados e definir sua aplicabilidade clínica. Considerando-se a superioridade da terapêutica com inibidores de neuraminidases sobre o vírus influenza quando introduzidos nas primeiras 48 horas de sintomas, é possível supor que os achados tomográficos possam diferir entre esses grupos (terapia precoce ou tardia). Embora o vírus influenza A isoladamente possa causar dano alveolar difuso, hemorragia e edema, responsáveis pelas alterações tomográficas descritas, a coinfecção bacteriana presente em muitos desses casos é uma variável confundidora na interpretação desses achados. Considerando-se a baixa acurácia dos critérios que permitiriam distinguir as alterações pulmonares associadas a essas etiologias (vírus e bactérias), a caracterização tomográfica da infecção pulmonar supostamente causada pelo vírus influenza A (H1N1) isoladamente, se não empregada de forma criteriosa, poderá resultar em omissão terapêutica, ao se prescrever a monoterapia com inibidor de neuraminidases sem a devida cobertura antibacteriana associada. A realização de estudos com maior número de indivíduos imunocompetentes e imunocomprometidos, com ou sem HIV, poderia demonstrar eventuais aspectos distintos nas formas de apresentação. A definição e validação de escores tomográficos de gravidade, quando aplicáveis aos parâmetros clínicos e laboratoriais, poderiam constituir-se em grandes aliados à condução dos casos. Finalmente, para que se possa caracterizar uniformemente os padrões tomográficos, seria desejável estabelecer de forma prospectiva e sistematizada uma padronização técnica para a realização dos exames, compreendendo os tipos de equipamentos, espessura de cortes finos (1 mm), inclusão de imagens em apneia inspiratória e expiratória, bem como, para sua interpretação, considerando-se as variações intra e interindividuais dos observadores.

A revisão de Amorim et al.(21), publicada neste número da Radiologia Brasileira, é muito bem vinda, por permitir ampliar e sedimentar o conhecimento acerca dos padrões tomográficos das infecções pulmonares causadas por influenza A (H1N1), e por estimular a discussão e a realização de novos estudos que possam responder a algumas das questões pendentes aqui assinaladas.


REFERÊNCIAS

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2. Beigel JH. Influenza. Crit Care Med. 2008;36:2660-6.

3. Dushoff J, Plotkin JB, Viboud C, et al. Mortality due to influenza in the United States - an annualized regression approach using multiple-cause mortality data. Am J Epidemiol. 2006;163:181-7.

4. Kilbourne ED. Influenza pandemics of the 20th century. Emerg Infect Dis. 2006;12:9-14.

5. Perez-Padilla R, de la Rosa-Zamboni D, Ponce de Leon S, et al. Pneumonia and respiratory failure from swine-origin influenza A (H1N1) in Mexico. N Engl J Med. 2009;361:680-9.

6. Nicolini A, Cillóniz C, Cuenca E, et al. Influenza A (H1N1) pneumonia: a review and update. Clinical Pulmonary Medicine. 2012;19:246-53.

7. Jamieson DJ, Honein MA, Rasmussen SA, et al. H1N1 2009 influenza virus infection during pregnancy in the USA. Lancet. 2009;374:451-8.

8. Sheng ZM, Chertow DS, Ambroggio X, et al. Autopsy series of 68 cases dying before and during the 1918 influenza pandemic peak. Proc Natl Acad Sci USA. 2011;108:16416-21.

9. Gill JR, Sheng ZM, Ely SF, et al. Pulmonary pathologic findings of fatal 2009 pandemic influenza A/H1N1 viral infections. Arch Pathol Lab Med. 2010;134:235-43.

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11. Johansson N, Kalin M, Tiveljung-Lindell A, et al. Etiology of community-acquired pneumonia: increased microbiological yield with new diagnostic methods. Clin Infect Dis. 2010;50:202-9.

12. Chertow DS, Memoli MJ. Bacterial coinfection in influenza: a grand rounds review. JAMA. 2013;309:275-82.

13. Tasher D, Stein M, Simões EAF, et al. Invasive bacterial infections in relation to influenza outbreaks, 2006-2010. Clin Infect Dis. 2011;53:1199-207.

14. Rice TW, Rubinson L, Uyeki TM, et al. Critical illness from 2009 pandemic influenza A virus and bacterial coinfection in the United States. Crit Care Med. 2012;40:1487-98.

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16. Rodríguez A, Alvarez-Rocha L, Sirvent JM, et al. Recommendations of the Infectious Diseases Work Group (GTEI) of the Spanish Society of Intensive and Critical Care Medicine and Coronary Units (SEMICYUC) and the Infections in Critically Ill Patients Study Group (GEIPC) of the Spanish Society of Infectious Diseases and Clinical Microbiology (SEIMC) for the diagnosis and treatment of influenza A/H1N1 in seriously ill adults admitted to the intensive care unit. Med Intensiva. 2012;36:103-37.

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MD, PhD, Professor Associado do Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil. E-mail: jorgepereira.ba@gmail.com
 
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