EDITORIAL
|
|
|
|
Autho(rs): Walther Ishikawa |
|
O planejamento da estratégia de investigação por exames de imagem deve ter como objetivo elucidar a dúvida do médico solicitante, da forma mais rápida, precisa e segura, além de custoefetiva. O único beneficiado desta investigação deve ser o próprio paciente, e talvez de forma indireta, seu médico clínico, que tem sua dúvida respondida.
Havendo mais de um método de diagnóstico de imagem que permita a análise de uma mesma estrutura, a escolha de um exame em detrimento a outro se deve basear somente na eficácia relativa destes em melhor responder àquela dúvida diagnóstica específica. Nos dias atuais, o papel do médico especialista em imagem tem se modificado, deixando de ser um mero especialista na realização e análise do exame diagnóstico, e passando a ser um médico consultor, participando de forma cada vez mais ativa na escolha do melhor algoritmo diagnóstico para a investigação do doente. Neste momento, seu parecer deve ser totalmente técnico e imparcial, isento de qualquer outro interesse que possa haver além do bem estar do paciente. Infelizmente, de forma consciente ou não, muitas vezes permitimos que outros privilégios e preconceitos permeiem esta decisão. Isto é mais nítido quando diferentes modalidades de exame estão sob a responsabilidade de especialidades médicas diferentes. Muitas vezes esta decisão contaminada por segundos interesses é intencional, e abominável. Outras vezes, é decorrente de uma falta de conhecimento adequado dos métodos realizados por outras especialidades, ou seja, escolhemos o método que estamos mais familiarizados. Embora menos condenável, também não é justificável. Somos todos seres humanos. É notoriamente difícil tomar esta decisão de forma totalmente imparcial. E este viés também está presente em publicações científicas, com uma tendência a um maior número de publicações que valorizam os métodos cujos autores estão diretamente envolvidos. Dito tudo isto, foi uma grata surpresa a leitura do artigo publicado nesta edição da Radiologia Brasileira, de Metzger e colegas, analisando o papel da realização pré-operatória da angiotomografia (ATG) isolada ou associada à angiografia convencional (AG) no tratamento endovascular das doenças da aorta(1). De forma bastante corajosa, o trabalho mostra que a AG pré-operatória não modificou os desfechos analisados, devendo ser reservada somente aos casos em que a ATG não for capaz de fornecer todas as informações necessárias no planejamento da intervenção terapêutica, ou quando existam adversidades anatômicas para se conseguir o objetivo do tratamento desejado. Radiologistas especialistas em ATG e imagem cardiovascular têm noção clara do quão robusta é esta ferramenta na avaliação das doenças da aorta. Assim, não foi surpresa o fato de haver pouco impacto na realização concomitante de AG à ATG de aorta. Porém, uma leitura mais cuidadosa do artigo nos revela algumas surpresas. Para o leitor mais atento, é interessante notar também o que o trabalho não mostra de forma explícita: a sugestão de que apesar do notável avanço da ATG, em situações específicas, a AG pode contribuir com valiosas informações adicionais diagnósticas. Muito destaque tem sido dado à AG como ferramenta terapêutica, mas do ponto de vista diagnóstico, a AG tem sido relegada a um segundo plano, uma ferramenta que pouco auxilia na tomada de decisões. No estudo há dois achados interessantes, com nível de significância estatística limítrofe, talvez pela pequena amostragem populacional do trabalho. Ambos são vistos naquele subgrupo que avaliou a aorta torácica. O primeiro é o maior número de complicações no subgrupo que não utilizou a AG associada à ATG, algumas delas bastante graves (dois casos de paraplegia, e um óbito). Parte destas complicações é explicada pela sabida superioridade da AG para o estudo das artérias espinhais(2). O segundo achado é a maior precisão do cálculo da prótese no subgrupo com AG pré-operatória, demonstrando que a AG pode ser um recurso útil para uma melhor programação da intervenção. Diferente do primeiro achado, este fato pode gerar surpresa na maioria dos colegas habituados a relatarem exames de ATG de aorta na sua rotina diária, que certamente consideram a ATG superior à AG quanto à precisão das medidas vasculares. Entretanto, uma fonte de erro comum da ATG tem ganhado bastante destaque em publicações recentes: Imprecisões decorrentes da realização de medidas vasculares em momentos diferentes do ciclo cardíaco, limitação que não existe na AG. Rotineiramente, a avaliação da aorta por ATG vinha sendo realizada em estudos não sincronizados com o eletrocardiograma (ECG), com a presença de artefatos relacionados à movimentação cardíaca degradando as imagens da aorta ascendente proximal, impossibilitando uma medida precisa. Com o advento de tomógrafos mais rápidos, e a possibilidade de sincronizar a aquisição de dados com o ECG, muitos centros têm adotado este protocolo, como, por exemplo, em avaliações pré-implante percutâneo de próteses valvares aórticas. Geralmente é escolhida a imagem obtida ao final da diástole, que é o momento do ciclo cardíaco em que há menor movimentação, e, por conseguinte, menos artefatos. Porém, diversos trabalhos têm demonstrado que a medida deve ser realizada ao final de sístole, com diferenças significativas nas medidas obtidas em diferentes momentos do ciclo cardíaco, o que poderia levar a erros no cálculo da prótese(3,4). Outros trabalhos demonstram que este erro não se restringe à aorta proximal, ocorrendo também ao longo da aorta descendente torácica(5). Isto tudo nos mostra o quão vasto e repleto de nuances é a arte da radiologia. Conceitos bem estabelecidos precisam ser revistos de tempos em tempos, especialmente aqueles que se baseiam em intuição e aparente bom senso. Certamente, teremos surpresas bem interessantes, especialmente com cientistas comprometidos com a verdade, como Metzger e seus colegas. REFERÊNCIAS 1. Metzger PB, Novero ER, Rossi FH, et al. Avaliação da realização pré-operatória da angiotomografia associada a angiografia convencional versus angiotomografia apenas no tratamento endovascular das doenças da aorta. Radiol Bras. 2013;46:265-72. 2. Novero ER, Metzger PB, Obregon J, et al. Tratamento endovascular das doenças da aorta torácica: análise dos resultados de um centro. Radiol Bras. 2012;45:251-8. 3. de Heer LM, Budde RP, Mali WP, et al. Aortic root dimension changes during systole and diastole: evaluation with ECG-gated multidetector row computed tomography. Int J Cardiovasc Imaging. 2011;27:1195-204. 4. Bertaso AG, Wong DT, Liew GY, et al. Aortic annulus dimension assessment by computed tomography for transcatheter aortic valve implantation: differences between systole and diastole. Int J Cardiovasc Imaging. 2012;28:2091-8. 5. Parodi J, Berguer R, Carrascosa P, et al. Sources of error in the measurement of aortic diameter in computed tomography scans. J Vasc Surg. 2013 Aug 16. pii: S0741-5214(13)01293-7. doi: 10.1016/j.jvs.2013.07.005. [Epub ahead of print] Médico Assistente do Setor de Urgências do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HCFMUSP), Médico Radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: wishikawa2@gmail.com |