Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2013

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 242 to 246



Carcinoma mucinoso da mama: ensaio iconográfico com correlação histopatológica*

Autho(rs): Gustavo Nunes Medina Coeli1; Henrique Ferreira dos Reis1; Dayse Ribeiro Bertinetti1; Francesca Maia Faria2; Daniel Guimarães Tiezzi3; Tatiane Mendes Gonçalves de Oliveira4

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Texto em Português English Text

Descritores: Neoplasia mamária; Carcinoma mucinoso; Mamografia; Ultrassonografia; Ressonância magnética.

Keywords: Breast neoplasm; Mucinous carcinoma; Mammography; Ultrasonography; Magnetic resonance imaging.

Resumo:
O objetivo deste artigo é descrever os aspectos de imagem mais característicos do carcinoma mucinoso de mama, destacando-se os padrões relacionados a melhor prognóstico. Foram selecionados casos de carcinoma mucinoso de mama enfatizando as características de imagem que sugiram esse subtipo de neoplasia mamária, seja na mamografia, ultrassonografia ou ressonância magnética.

Abstract:
The present essay is aimed at describing the most characteristic imaging findings of mucinous carcinoma of the breast, with emphasis on the patterns related to better prognosis. The authors selected cases of mucinous carcinoma of the breast whose images were available, highlighting the imaging findings suggestive of this subtype of breast cancer, either at mammography, ultrasonography or magnetic resonance imaging.

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é o tumor maligno mais comum em mulheres. A literatura radiológica brasileira vem recentemente se preocupando muito com a importância dos exames de imagem no aprimoramento do diagnóstico do câncer mamário(1–4).

O carcinoma mucinoso ou coloide da mama (CMM) é um subtipo incomum de carcinoma ductal invasivo (CDI), representando de 1% a 7% do total de neoplasias da mama. Ocorre em larga faixa etária, porém sua incidência é maior em mulheres de idade mais avançada(5).

Histologicamente, esta variante é caracterizada por um arranjo tumoral de células neoplásicas envoltas por mucina extracelular e associa-se, na grande maioria dos casos, a carcinoma ductal in situ (CDIS) periférico(6). A celularidade, bem como a quantidade de mucina, variam muito dentro do grupo dos tumores mucinosos. Quanto maior a quantidade de mucina, melhor o prognóstico(6).

Distinguem-se duas formas histológicas com aspectos de imagem e prognósticos diferentes: a forma pura e a mista. A forma pura compreende as neoplasias que apresentam o arranjo mucinoso em quase toda a extensão tumoral, com menos de 10% de componente não mucinoso ou ainda componente não mucinoso pouco diferenciado(6,7). A forma mista apresenta maior extensão de células neoplásicas não envoltas por mucina, estando em geral associada a menor quantidade de mucina extracelular, o que implica em características intermediárias entre a forma pura e o carcinoma ductal invasivo não especificado (CDINE), por isso algumas vezes denominado "CDI com diferenciação mucinosa"(6,7).

O objetivo deste ensaio é destacar os aspectos de imagem mais característicos deste tipo específico de carcinoma mamário e seus subtipos, assinalando os achados de maior importância prognóstica.

Diagnóstico histológico

O diagnóstico de neoplasia mucinosa pode ser suspeitado na punção biópsia aspirativa por agulha fina (PAAF), porém com baixa acuidade na diferenciação entre lesões mucinosas benignas (mucoceles) e malignas (CMM).

A biópsia por agulha grossa apresenta alta sensibilidade e alto valor preditivo positivo para o diagnóstico de neoplasia mucinosa, principalmente quando guiada por métodos de imagem, chegando próximos a 100%(8,9). No entanto, a diferenciação entre a forma pura e a mista só pode ser concretizada após excisão e avaliação de toda a extensão da lesão(6,9).

Prognóstico

O melhor prognóstico dos CMMs em relação aos CDI-NEs explica a importância diagnóstica desses tumores(7). A forma pura é a que mais se destaca, em razão do seu crescimento indolente, ao passo que a forma mista tem um comportamento biológico intermediário e mais semelhante aos CDI-NEs(10).

Dessa maneira, os CMMs, particularmente a forma pura, apresentam menor grau histológico (tumores bem diferenciados), maior expressão de receptores hormonais (RH), menor incidência de proto oncogene CERB 2, menor taxa de comprometimento nodal axilar ao diagnóstico e maior sobrevida livre de doença (sem diferença significativa da sobrevida global)(7,11,12).

Aspectos de imagem

O CMM faz parte do grupo de 10% a 20% das lesões malignas que se apresentam como lesões circunscritas, podendo, à primeira vista, ser interpretado de forma errônea como lesão benigna, retardando o diagnóstico e tratamento adequados(5,8,12).

Nesse contexto, a mamografia, a ultrassonografia e a ressonância magnética tornam-se ferramentas fundamentais na tentativa de reconhecer características que, além de sugerir o diagnóstico de CMM, possam ajudar a discriminar as duas formas histológicas da neoplasia, diretamente ligadas a fatores prognósticos diferentes(11,13–15).

Caracteristicamente, o CMM se apresenta como um nódulo ovoide ou redondo, com margens circunscritas. Na mamografia, a forma pura se correlaciona a margens circunscritas ou microlobuladas, que apresentam relação direta com a quantidade de mucina extracelular(16), conforme demonstrado na Figura 1. A forma mista apresenta contornos mais indistintos ou espiculados, secundários a uma maior fibrose e desmoplasia periférica, assemelhando-se a um CDI-NE. Microcalcificações psamomatosas são raras. Na maioria das vezes, microcalcificações estão associadas ao CDIS periférico(6,16,17).


Figura 1. A: Paciente de 69 anos. Mamografia na incidência craniocaudal demonstrando nódulo de margens microlobuladas no quadrante medial da mama direita, diagnosticado como CMM puro. B: Corte histológico da lesão identificando neoplasia mucinosa com células neoplásicas (cabeças de setas) envoltas por moderada quantidade de mucina extracelular (asteriscos).



A ultrassonografia apresenta sensibilidade maior que a mamografia na detecção dos CMMs(16,18). Caracteristicamente, aparece como nódulo ovoide com margens circunscritas ou microlobuladas, podendo ser hipoecoico ou isoecoico, apresentando reforço acústico posterior em 37% a 71% dos casos, como demonstrado na Figura 2.


Figura 2. A: Paciente de 69 anos com CMM puro, de aspecto ultrassonográfico característico: nódulo ovoide e microlobulado, isoecogênico ao tecido gorduroso e com reforço acústico posterior. B: Paciente de 58 anos com nódulo ovoide, de margens indistintas e anguladas, sem microlobulações e com reforço acústico posterior. Diagnóstico de CMM misto. C: Histologia da lesão apresentada em B mostrando neoplasia mucinosa (asteriscos) com focos de CDIS periférico à esquerda (cabeças de setas).



À semelhança dos achados morfológicos da mamografia e ultrassonografia, os CMMs se apresentam, na ressonância magnética, como massas/nódulos ovoides ou lobulados de contornos predominantemente regulares. A intensidade de sinal se mostra variável nas imagens ponderadas em T1 e com acentuado sinal (semelhante ao da água ou vasos) nas imagens ponderadas em T2 (Figura 3). Esse alto sinal em T2 dos CMMs se correlaciona diretamente com a presença de mucina extracelular e tem alta sensibilidade diagnóstica, embora não seja patognomônico, podendo ser encontrado em outras lesões (secundário a necrose, hemorragia, edema, matriz mixoide ou componente cístico)(19). A presença de sinal intermediário T2 em um CMM deve sugerir forma mista.


Figura 3. Paciente de 32 anos, com CMM puro. A: Mamografia em mediolateral oblíqua mostrando nódulo ovoide e microlobulado na união dos quadrantes mediais da mama direita. B: Imagem de ressonância magnética axial STIR do nódulo descrito demonstrando intenso hipersinal em T2 com septos hipointensos no seu interior, características comuns nos carcinomas mucinosos. C: Corte histológico à microscopia identificando neoplasia mucinosa com acentuada quantidade de mucina (asteriscos) e pequena celularidade (cabeças de setas). D,E: Imagens dinâmicas após contraste T1 com supressão de gordura e subtração, no segundo e quinto minutos, evidenciando realce predominantemente anelar e progressivo, notando-se ainda intenso realce dos septos no interior do nódulo. F: Reconstrução sagital volumétrica.



Nas sequências após injeção de meio de contraste, embora qualquer morfologia de realce possa ocorrer, é mais característico o realce anelar, heterogêneo e progressivo (Figura 3). A forma pura dos CMMs geralmente apresenta realce discreto a moderado nas fases precoces, com tendência centrípeta, determinando curvas do tipo 1 (progressiva), aspecto demonstrado na Figura 4, ou do tipo 2 (platô)(19). O padrão progressivo de realce está relacionado com a baixa celularidade do tumor, o baixo grau nuclear e a alta quantidade de mucina extracelular. Dessa maneira, um realce intenso nos primeiros dois minutos após a injeção de gadolínio ou uma curva do tipo 3 (washout) deve levantar suspeita para a forma mista do CMM ou tumor puro com alta celularidade(10).


Figura 4. Paciente de 54 anos com diagnóstico anatomopatológico de CMM puro. A: Imagem sagital T2 SPAIR demonstrando nódulo lobulado com alto sinal T2. Mapa de cores de washin (B) e curva cinética (C) mostrando realce discreto na fase precoce com padrão progressivo.



Em comparação com os outros subtipos de câncer de mama, os CMMs, em geral, apresentam baixo sinal nas imagens com ponderação em difusão. A análise quantitativa com a mensuração do coeficiente de difusão aparente (ADC – apparent diffusion coefficient) mostra valores de ADC elevados em relação aos CDI-NEs. O alto valor de ADC pode estar associado à presença de mucina extracelular e baixa celularidade tumoral. Entretanto, esta característica parece se relacionar mais aos CMMs puros que apresentam alto valor de ADC, semelhante ou maior que as lesões benignas. Os tumores mucinosos mistos têm valor de ADC menor, semelhante aos outros subtipos de câncer de mama. A difusão e o cálculo do ADC são mais uma ferramenta para aumentar a especificidade da ressonância magnética(19–21) (Figura 5).


Figura 5. Paciente de 54 anos apresentando tumor mucinoso puro representado em imagens ponderada em difusão, com valor de b = 0 em A e b = 700 em B, notando-se baixo sinal associado a pequena restrição à movimentação das moléculas de água.



CONCLUSÃO

A suspeita diagnóstica de neoplasia mucinosa implica a avaliação de achados de imagem que têm correlação com a histopatologia e implicação direta no prognóstico da paciente.

As características de imagem podem sugerir as formas pura e mista dos CMMs. A mamografia e a ultrassonografia permitem avaliação satisfatória da morfologia da lesão, mas a ressonância magnética, além da morfologia, fornece informações a respeito de composição tecidual e padrão de realce após administração de meio de contraste à base de gadolínio, contribuindo para melhor caracterização da lesão e acurácia diagnóstica.


REFERÊNCIAS

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1. Radiologistas, Médicos Residentes do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRPUSP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
2. Patologista, Médica Assistente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRPUSP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
3. Professor Doutor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Divisão de Mastologia, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRPUSP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
4. Médica Assistente Radiologista do Centro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRPUSP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Gustavo Nunes Medina Coeli
Avenida Anna Cardoso de Miranda, 185, Jardim Inconfidência
Uberlândia, MG, Brasil, 38411-231
E-mail: gustavonmc@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 26/9/2012.
Aceito, após revisão, em 7/3/2013.

* Trabalho realizado no Centro de Ciências das Imagens e Física Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRPUSP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
 
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