Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2013

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 203 to 208



Prevalência de cistos simples e hemangiomas hepáticos em pacientes cirróticos e não cirróticos submetidos a exames de ressonância magnética*

Autho(rs): Breno Victor Tomaz Galvão1; Lucas Rios Torres2; Patrícia Prando Cardia2; Thiago Franchi Nunes2; Priscila Silveira Salvadori1; Giuseppe D'Ippolito3

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Texto em Português English Text

Descritores: Hemangioma; Cistos; Ressonância magnética; Prevalência; Fígado.

Keywords: Hemangioma; Cysts; Magnetic resonance imaging; Prevalence; Liver.

Resumo:
OBJETIVO: Determinar a prevalência de cistos e hemangiomas hepáticos na população geral e em pacientes cirróticos.
MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo retrospectivo, observacional e transversal selecionando exames consecutivos de ressonância magnética de abdome realizados entre fevereiro e julho de 2011. Foram incluídos 303 pacientes (187 mulheres e 116 homens) com idade média de 53,3 anos, excluindo-se os com lesão hepática previamente conhecida. Os exames foram lidos por dois examinadores em consenso, procurando caracterizar cistos hepáticos simples e hemangiomas típicos segundo critérios de imagem universalmente aceitos. Foram medidos a prevalência das lesões, seus diâmetros e localização em pacientes com e sem cirrose hepática.
RESULTADOS: Encontrou-se prevalência de 8,6% para hemangiomas e 14,5% para cistos simples. Não houve diferenças estatisticamente significativas nas prevalências de hemangiomas e cistos entre pacientes cirróticos e não cirróticos (p = 0,954; p = 0,472).
CONCLUSÃO: As prevalências encontradas de cistos e hemangiomas foram mais altas que as das séries de autópsias. Não houve influência da presença de cirrose na prevalência e aspecto dessas lesões incidentais.

Abstract:
OBJECTIVE: To determine the prevalence of liver cysts and hemangiomas in the general population and in cirrhotic patients.
MATERIALS AND METHODS: Retrospective, observational, and cross-sectional study selecting consecutive magnetic resonance imaging studies performed in the period from February to July 2011. A total of 303 patients (187 women and 116 men) with mean age of 53.3 years were included in the present study. Patients with previously known liver lesions were excluded. The images were consensually analyzed by two observers in the search for simple liver cysts and typical liver hemangiomas, according to universally accepted imaging criteria. Lesions prevalence, diameters and location were determined in both cirrhotic and non-cirrhotic individuals.
RESULTS: The authors observed prevalence of 8.6% for hemangiomas and 14.5% for simple cysts. No statistically significant difference was observed in relation to prevalence of hemangiomas and cysts among cirrhotic and non-cirrhotic patients (p = 0.954; p = 0.472).
CONCLUSION: In the present study, the prevalence of cysts and hemangiomas was higher than the prevalence reported by autopsy series. No influence of cirrhosis was observed on the prevalence and appearance of such incidental lesions.

INTRODUÇÃO

O número de exames de ressonância magnética (RM) tem aumentado nos últimos anos, tanto pela sua maior disponibilidade quanto pela ampliação de suas aplicações em diversas situações clínicas. Este fenômeno concorre para o aumento de detecção de lesões hepáticas focais (LHFs) incidentais, também chamadas de incidentalomas. O termo incidentaloma é reservado ao tipo de lesão não relacionada com a suspeita clínica ou com os sinais e sintomas apresentados pelo paciente(1).

Atenção especial tem sido dada a este tipo de lesão na literatura, dada a sua frequência, levando as sociedades médicas a elaborar consensos e protocolos de conduta de seguimento e terapêutica(2).

No que se refere aos incidentalomas hepáticos, os mais frequentemente encontrados são os cistos e os hemangiomas. Embora o diagnóstico dessas lesões, bem como a determinação de sua natureza benigna, com os métodos de imagem disponíveis sejam realizados sem maiores dificuldades na maioria dos casos, a sua prevalência em exames de imagem na população geral não foi estimada de maneira precisa. As referências utilizadas na maioria dos trabalhos sobre o tema usam dados obtidos em estudos de autópsias ou séries cirúrgicas, sendo encontrados dados com ampla disparidade, que vão de 0,4% a 20% para hemangiomas e de 1% a 14% para cistos simples, e datam, por vezes, de décadas atrás(3–5).

Adicionalmente, o aumento do número de pacientes hepatopatas crônicos, seja por causas virais ou tóxicas, levou a um aumento do número de exames de rastreamento(6). Nesses pacientes, a diferenciação de lesões benignas e malignas é crucial, no sentido de se determinar a conduta terapêutica. Neste sentido, recentemente, desenvolveu-se um sistema de caracterização de lesões hepáticas denominado LI-RADS®(7).

Recentemente, estudos têm procurado estabelecer a frequência de cistos pancreáticos incidentalmente encontrados em exames de RM(8), mas carecem pesquisas semelhantes no âmbito da detecção de LHFs.

Um tema que tem sido bastante discutido na literatura e alvo de alguma controvérsia está relacionado à frequência de hemangiomas em fígados cirróticos, que seria inferior à da população geral(9–11). ARM é considerada um método altamente sensível e específico para o diagnóstico de cistos e hemangiomas hepáticos(9). A possibilidade de aquisição de imagens em vários planos, o alto contraste entre as estruturas de partes moles e a análise do comportamento vascular das lesões e órgãos circunstantes potencializam seu uso como ferramenta diagnóstica, inclusive com a adoção de novas técnicas e sequências(12–15), aumentando assim a capacidade do método em detectar e caracterizar lesões focais. Neste sentido, a prevalência de LHFs identificadas em exames de RM poderia ser superior às previamente observadas.

Com base nessas considerações, propusemos realizar um estudo para fornecer dados atuais sobre a frequência de cistos e hemangiomas incidentalmente encontrados em exames de RM em pacientes cirróticos e não cirróticos.


MATERIAIS E MÉTODOS

População


Estudo retrospectivo, transversal e observacional realizado por busca no sistema digital de armazenamento de exames PACS (Synapse®; FujiFilm, EUA) de todos os pacientes que foram submetidos a exames de RM do abdome superior, no período de 1º de fevereiro de 2011 a 10 de julho de 2011, sendo encontrado um total de 363 pacientes. Foram excluídos os pacientes menores de 18 anos, os com indicação de pesquisa de nódulos hepáticos em casos não oncológicos, os exames considerados tecnicamente insatisfatórios, e os exames realizados com protocolos dirigidos que não contemplassem a totalidade do parênquima hepático (protocolos de adrenal e urorressonância, por exemplo). A amostra final do estudo incluiu 303 pacientes, composta de 187 mulheres e 116 homens, com média de idade de 53,3 anos (± 16,5 anos), dos quais 57 (19%) eram cirróticos. Os pacientes foram considerados cirróticos em função de uma combinação de achados clinicolaboratoriais (por exemplo: varizes de esôfago, esplenomegalia, plaquetopenia, elevação de bilirrubinas e enzimas hepáticas), com aspectos de imagem (37 pacientes), ou por biópsia percutânea (20 pacientes).

As informações clínicas dos pacientes foram coletadas no sistema de prontuário eletrônico da instituição com dados sobre consultas, exames anteriores e dados laboratoriais e cirúrgicos quando disponíveis.

A indicação clínica para a realização dos exames avaliados era variável, sendo as mais comuns: avaliação de doenças obstrutivas das vias biliares e estadiamento de pacientes oncológicos.

Foi dispensada a aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido, seguindo orientação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (CEP 1067/11).

Técnica de exame

Todos os pacientes foram submetidos a exames de RM do abdome superior conforme protocolo padrão da instituição, em aparelho operando em alto campo magnético de 1,5 tesla, modelo Magnetom Sonata Maestro Class® (Siemens; Erlangen, Alemanha), com bobina de sinergia e usando técnicas em apneia.

Foram adquiridas sequências gradiente ponderadas em T1 em fase e fora de fase, single shot fast spin echo (HASTE®), steady state fast field echo (TRUFI®) e 3D turbo field echo fatsat (VIBE®), antes e após injeção de meio de contraste (ácido gadotérico 0,5 mmol/ml – Guerbet Dotarem®), nas fases arterial, portal e de equilíbrio (respectivamente, 30, 60 e 180 segundos após o início da injeção intravenosa do meio de contraste), com velocidade de infusão de 2,0 ml/s e dose de 0,2 ml/kg. Os parâmetros técnicos das sequências se encontram representados na Tabela 1.




Interpretação das imagens

As imagens adquiridas foram disponibilizadas em estação de trabalho digital (Synapse®; FujiFilm, EUA), onde foram avaliadas por dois radiologistas em consenso, entre os cinco que compuseram a equipe de observadores, com tempos de experiência em radiologia variando de 2 a 20 anos. Na ocorrência de mais de um exame do mesmo paciente no período estudado, considerou-se apenas o mais recente.

Os examinadores buscaram ativamente por hemangiomas e cistos hepáticos simples com aspecto característico, conforme amplamente descrito na literatura(8–10). Neste sentido, foram considerados hemangiomas os nódulos com hipersinal nas imagens ponderadas em T2 com tempo de eco longo (TE > 130 ms) e com realce globuliforme, descontínuo, progressivo e centrípeto (tipo progressivo) ou com rápido realce precoce e persistente (tipo flash-filling)(9,10), e considerados cistos simples os nódulos hipointensos em T1, hiperintensos em T2, homogêneos, com fina cápsula, sem septos, vegetações ou áreas de realce após a injeção intravenosa do meio de contraste paramagnético(8). Lesões focais de natureza indeterminada ou de outra natureza não foram contabilizadas. Foi feita a medida do maior diâmetro axial da lesão, na sequência de maior conspicuidade. Foram definidos o número e a localização das lesões, bem como o padrão de realce para os hemangiomas, se do tipo progressivo ou do tipo flash-filling (Figuras 1 e 2)(10). No caso da ocorrência de mais de cinco lesões no mesmo paciente, apenas as cinco maiores foram consideradas. Pacientes com inúmeros pequenos cistos (< 1,5 cm) amplamente disseminados pelo parênquima e com aspecto sugestivo de hamartomas biliares não foram incluídos na amostra.


Figura 1. Hemangioma hepático com padrão de realce do tipo progressivo.


Figura 2. Hemangioma hepático com padrão de realce do tipo flashfilling.



As lesões hepáticas foram caracterizadas, segundo os seus aspectos de imagem, em cisto simples, hemangiomas típicos e nódulos sólidos, incluindo neste último grupo qualquer lesão que não preenchesse os critérios dos dois primeiros. Os cistos considerados atípicos(16) não foram incluídos em nenhum dos grupos. Adicionalmente, foram categorizados os pacientes com fígado de aspecto cirrótico, também seguindo os critérios amplamente adotados na literatura(6,17).

Análise estatística

As associações entre as variáveis qualitativas (sexo, tipo de realce dos hemangiomas e presença ou não de cirrose hepática) foram feitas pelo teste do qui-quadrado (χ2). Para as variáveis quantitativas (idade dos pacientes e dimensões das lesões) foram utilizados testes paramétricos quando era observada distribuição normal, e não-paramétricos quando não era observada distribuição normal.

A comparação das variáveis quantitativas entre os vários grupos foi feita por teste t no caso de dois grupos, ou por análise de variância no caso de mais de dois grupos. No caso de análise de variância significativa, foi feito, a seguir, o teste de comparações múltiplas (teste de Tukey).

O nível de significância adotado foi de 5% e os testes estatísticos foram realizados pelo programa SPSS 11.0.


RESULTADOS

Cistos hepáticos


Entre todos os indivíduos da amostra final do estudo, 44 apresentaram 95 cistos hepáticos, perfazendo uma prevalência de 14,5% na população estudada (em 10 pacientes cirróticos e 34 pacientes não cirróticos). Do total de 44 pacientes com cistos, 23 apresentaram cistos únicos e 21 apresentaram cistos múltiplos. Os segmentos hepáticos mais comumente acometidos foram os segmentos IVa (23%) e VI (17%). O tamanho médio dos cistos foi 1,0 cm (variando de 0,2 cm a 8,8 cm). Do total de 95 cistos encontrados, 66 (69%) foram menores que 1,0 cm.

Quando se discriminou a prevalência dos cistos hepáticos simples na população com cirrose (10/57; 17,5%) e se confrontou com a prevalência na população não cirrótica (34/246; 13,8%), não se observou diferença estatisticamente significativa (p = 0,472). As dimensões e distribuição dos cistos nessas duas populações também não apresentaram diferenças apreciáveis. Não se observou diferença na prevalência dos cistos hepáticos quanto ao sexo ou idade.

Hemangiomas

Foram detectados 47 hemangiomas em 26 pacientes (prevalência de 8,6%), dos quais 7 pacientes eram cirróticos e 19, não cirróticos. Do total de 26 pacientes com hemangiomas, 17 apresentavam hemangiomas únicos e 9 apresentavam hemangiomas múltiplos. Os segmentos hepáticos mais frequentemente acometidos foram os segmentos VI (21%) e II (19%), e o diâmetro médio dos hemangiomas foi 2,13 cm (variando de 0,4 cm a 13,5 cm), sem diferença significante entre o grupo de pacientes não cirróticos (2,05 cm) e cirróticos (2,51 cm).

O padrão de realce mais comum foi do tipo progressivo, com frequência de 89,4%, sendo o padrão flash-filling observado somente em 10,6% dos hemangiomas da amostra. Em apenas dois pacientes, do total de 26 que apresentaram hemangiomas, constatou-se coexistência dos dois padrões de realce (um deles apresentava dois hemangiomas, sendo um de cada tipo, e o outro apresentava cinco hemangiomas, dos quais apenas um apresentava realce do tipo flash-filling).

Não houve diferenças estatisticamente significativas nas prevalências de hemangiomas hepáticos entre pacientes cirróticos (5/57; 8,8%) e não cirróticos (21/246; 8,5%), com valor de p = 0,954. O mesmo se observou para as dimensões, a distribuição e o comportamento de realce dessas lesões. A idade e o sexo dos pacientes não interferiram na prevalência dos hemangiomas hepáticos na amostra do estudo, isto é, a presença ou ausência de hemangiomas não foi associada ao sexo dos pacientes (χ2 = 0,695; p = 0,659; não significante), tendo ocorrido em 8% das mulheres e em 9,5% dos homens. O tamanho médio dos hemangiomas em mulheres e homens foi, respectivamente, 2,29 cm e 1,75 cm.


DISCUSSÃO

As lesões hepáticas focais benignas mais comuns são os cistos e os hemangiomas(18).

Os cistos hepáticos simples podem ser congênitos ou adquiridos e estão relacionados a anomalias do desenvolvimento e/ou conformação da árvore biliar(19). Traumas abdominais determinando extravasamento de bile para fora da árvore biliar também têm sido referidos como causa plausível de cistos hepáticos(20). Na RM, os cistos se apresentam como lesões de limites bem definidos com hipersinal nas sequências ponderadas em T2 e hipossinal nas sequências ponderadas em T1. Na dependência de conteúdo hemorrágico, pode haver variação da intensidade de sinal. Não se observa realce após a injeção do meio de contraste paramagnético(16).

Existem relatos na literatura de que a prevalência e o número de cistos hepáticos aumentam com a idade, em razão de obstrução e estase de bile em pequenos ductos biliares(21). Um estudo australiano avaliou ultrassonografias obstétricas num período de mais de dez anos e encontrou somente três cistos hepáticos em fetos(22). Existe predominância relatada do sexo feminino, com uma relação de 1,5:1 até 5,5:1(23). Os dados do presente estudo, entretanto, não apresentaram relação entre a idade ou sexo dos pacientes e a ocorrência de cistos.

Os primeiros relatos de prevalência de cistos hepáticos simples foram registrados em estudos de autópsia. Numa série de 20.000 autópsias, encontrou-se prevalência de 0,14% (28 cistos)(24). Outros estudos semelhantes relataram valores de 0,17% e 0,53%(25,26). Dados mais recentes, derivados de estudos por imagem, apresentaram valores um pouco mais altos. Em 1989, um estudo europeu de prevalência em estudos de ultrassonografia registrou prevalência de 2,5% (43 pacientes de um total de 1.695)(27). Outro estudo, de 1993, encontrou 755 pacientes com cistos hepáticos de um total de 26.000 exames de ultrassonografia, perfazendo uma prevalência de 2,9%(28). Por outro lado, esta prevalência pode chegar a 5%–14%, como foi demonstrado em ao menos uma publicação(29). Uma série tomográfica de 2003 aponta uma prevalência de 18% de cistos hepáticos simples em 617 pacientes(30). Estudos mais recentes enfocando abordagem terapêutica dessas lesões referem valores que variam de 0,1% a 7%, comumente citando referências de décadas atrás(31,32). Não há na literatura referências sobre a prevalência de cistos hepáticos encontrados em exames de RM. Os resultados do presente estudo (14,5%) mostram uma prevalência maior do que a média de trabalhos anteriores, porém semelhante à dos que utilizaram tomografia computadorizada(30), supostamente relacionada à alta capacidade de detecção desses métodos diagnósticos. Não foram incluídos, no presente estudo, pacientes portadores de hamartomas biliares, por entendermos que se trata de uma entidade distinta dos cistos hepáticos(29). No entanto, nos 363 exames de RM inicialmente estudados, não foi encontrado nenhum paciente com aspecto de imagem sugestivo de hamartomas biliares.

Os hemangiomas correspondem a espaços vasculares preenchidos por sangue de fluxo lento. Apresentam hipersinal nas sequências ponderadas em T2, que se mostra mais conspícuo à medida que se aumenta o tempo de eco das sequências, pela queda de sinal do parênquima hepático circunjacente(33,34). Após a injeção do meio de contraste, pode-se observar três padrões de realce(34). O primeiro padrão se refere a lesões com realce intenso nas fases mais precoces, que se mantém nas fases tardias e denominado flash-filling. O segundo padrão é o mais comum e se caracteriza por realce periférico, descontínuo e progressivo. O terceiro padrão compreende as lesões com realce progressivo, porém com o centro persistentemente sem realce. Para fins de cálculo, optou-se por agrupar o segundo e terceiro padrões em um único grupo, assim como o fizeram outros autores(10), e encontrou-se uma clara predominância do tipo progressivo sobre o tipo flash-filling (89,4% versus 10,6%). O padrão clássico de realce associado à sua estabilidade cronológica tem sido empregado como padrão de referência na determinação deste diagnóstico(10,35) e foi o recurso utilizado para definir os hemangiomas típicos encontrados na presente amostra.

As referências citadas por autores que descrevem a prevalência de hemangiomas comumente tratam de estudos de décadas atrás, com séries de autópsias ou cirúrgicas. Por exemplo, um estudo de 1999 descreveu que em 508 hepatectomias de indivíduos cirróticos foram encontrados apenas 9 hemangiomas, com prevalência de 1,7%(11). Em 1997, outra série encontrou prevalência de 1,2% em uma série de 596 autópsias(3). Valores maiores são relatados em um estudo de 1986(4), e nas referências citadas por Semelka et al., em 1997, que chegam a 20%(36). Em adição, alguns estudos ainda se valem de referências que datam de décadas atrás, como um atlas norte-americano de 1958, que aponta prevalência de hemangiomas em 0,4% dos indivíduos(37).

Embora não tenhamos realizado um estudo populacional, ainda não havia sido tentado estabelecer a prevalência destas lesões por meio da RM. A ampla variação dos dados apresentados na literatura, de 0,4% até 20% para hemangiomas e de 0,1% até 18% para cistos simples, associada à atenção especial que se tem dado às lesões incidentais hepáticas, nos motivou a buscar dados mais atuais e lançando mão das ferramentas diagnósticas modernas e não-invasivas.

Os resultados encontrados neste estudo permitem concluir que a frequência de cistos e hemangiomas encontrados em exames de RM é elevada e superior à observada em estudos de autópsia, talvez pela procura diligente deste achado em exames de RM e pela facilidade em se caracterizar este tipo de lesão.

Em decorrência das alterações vasculares observadas na doença hepática crônica, aventou-se a possibilidade de que, nestes pacientes, pudesse haver diferenças na apresentação dos hemangiomas hepáticos(10,38). Relatos sugeriram que os hemangiomas poderiam degenerar e reduzir de tamanho com a progressão da cirrose(11,39). Por outro lado, pelo menos um estudo demonstrou que a apresentação de dimensões, número, localização e realce dos hemangiomas não diferem nos pacientes cirróticos(10). De maneira análoga, não encontramos, na nossa casuística, nenhuma diferença para a frequência ou apresentação dos hemangiomas em fígados cirróticos e não cirróticos.

Adicionalmente, foi aventado que as supostas alterações dos hemangiomas nos cirróticos poderiam diminuir sua detectabilidade e, portanto, reduzir a sua prevalência em exames de imagem(9,11). Nossos resultados, no entanto, refutam esta possibilidade, mostrando prevalências semelhantes nos dois grupos.

Embora hemangiomas e cistos hepáticos sejam facilmente diagnosticados por ultrassonografia, tomografia computadorizada e RM, e diferenciados de outras lesões hepáticas, é sabido que pequenos hepatocarcinomas podem apresentar realce homogêneo e precoce, semelhante ao padrão de flash-filling que pode ocorrer em alguns hemangiomas(40,41) e como o observado em cerca de 10% da nossa amostra.

A principal limitação do nosso estudo reside nos critérios de inclusão da amostra. Pode-se alegar que a população referenciada a um centro de saúde terciário não é representativo da população geral, por se tratar de pacientes reconhecidamente não sadios, o que poderia interferir na aferição da frequência das LHFs. No entanto, considerando-se a não existência de estudos de prevalência recentes que utilizassem métodos de diagnóstico por imagem, acreditamos que demos uma contribuição significativa no entendimento do comportamento dos cistos e hemangiomas. Estudos populacionais posteriores poderão esclarecer essas questões.

Adicionalmente, não utilizamos estudo anatomopatológico como padrão de referência. Contudo, a utilização dos parâmetros de imagem para o diagnóstico dos cistos e hemangiomas já está amplamente difundida na literatura, dispensando-se a utilização do padrão ouro pelo custo-benefício questionável de se utilizar procedimentos invasivos para se obter um diagnóstico de pouca repercussão prognóstica para os sujeitos da pesquisa. Por outro lado, a análise de explantes hepáticos nos pacientes cirróticos poderia contribuir para estabelecer a real frequência de cistos e hemangiomas neste grupo de pacientes. Finalmente, os critérios diagnósticos utilizados para incluir os pacientes no grupo de cirróticos consideraram parâmetros clinicolaboratoriais em uma parte da amostra (65%), e estudo anatomopatológico (35%) em outra, com graus menos avançados da doença, o que, de certa forma, reflete as características da população atendida na nossa Instituição.


CONCLUSÕES

Os valores de prevalência de cistos e hemangiomas que encontramos são mais altos do que os de séries de autópsias previamente publicadas, o que atribuímos à alta capacidade diagnóstica da RM para as LHFs descritas. Valores que possam ser extrapolados para a população geral aguardam estudos populacionais.

A prevalência e o comportamento dessas lesões nos pacientes cirróticos não parecem diferir da população não cirrótica, contrariamente do que sugeriam relatos iniciais.


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1. Médicos Residentes do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
2. Médicos Radiologistas, Pós-graduandos do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
3. Livre-docente, Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência:
Dr. Giuseppe D'Ippolito
Departamento de Diagnóstico por Imagem – EPM-Unifesp
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil, 04508-011
E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br

Recebido para publicação em 21/9/2012.
Aceito, após revisão, em 19/3/2013.

* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
 
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