Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 46 nº 3 - Maio / Jun.  of 2013

RELATO DE CASO
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Page(s) 190 to 192



Divertículo de Killian-Jamieson bilateral demonstrado pela videofluoroscopia da deglutição: relato de caso*

Autho(rs): Betina Scheeren1; Renato José Kist de Mello2; Caren Meneghetti Gonçalves2; Antonio Carlos Maciel3

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Texto em Português English Text

Descritores: Transtornos da deglutição; Divertículo.

Keywords: Deglutition disorders; Diverticulum.

Resumo:
Os autores relatam um caso de paciente do sexo masculino, de 56 anos de idade, com queixa de disfagia para sólidos e impactação de alimentos, submetido a videofluoroscopia da deglutição que demonstrou a presença de dois divertículos esofágicos. O estudo da deglutição foi um importante exame para identificar e diagnosticar o divertículo, uma causa esofágica da disfagia.

Abstract:
The authors report the case of a 56-year-old male patient complaining of dysphagia for solids and food impaction, submitted to videofluoroscopic swallowing study that demonstrated the presence of two esophageal diverticula. The videofluoroscopic swallowing study was critical in the identification and diagnosis of the diverticula, an esophageal cause of dysphagia.

INTRODUÇÃO

O divertículo de Killian-Jamieson foi descrito em 1983 por Ekberg et al. e situa-se na parede anterolateral do esôfago cervical, distal ao músculo cricofaríngeo(1). É descrito na literatura como um divertículo raro e geralmente unilateral - somente em 25% dos casos ele ocorre bilateralmente. É distinto do divertículo de Zenker, mais comumente conhecido e que se origina na linha média da parede posterior do esôfago, acima do músculo cricofaríngeo (região também chamada de trígono de Killian), sendo frequente o relato de aspiração neste último. Ambos ocorrem em locais de fraqueza anatômica da hipofaringe ou esôfago cervical(2).

Como sintoma do divertículo de Killian-Jamieson inclui-se a disfagia, principalmente para alimentos sólidos(3). Entretanto, ele é menos suscetível de causar aspiração, devido à sua localização(2). O diagnóstico é realizado por exame contrastado da faringe e do esôfago(4), e a videofluoroscopia da deglutição constitui-se um exame dinâmico que avalia o processo da deglutição e possibilita definir as disfunções anatômicas/funcionais presentes(5-7).

O objetivo deste trabalho é descrever o caso de um paciente com divertículo de Killian-Jamieson bilateral demonstrado pela videofluoroscopia da deglutição.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, encaminhado para realização de videofluoroscopia da deglutição, com queixas de disfagia para alimentos sólidos e impactação alimentar. Havia realizado outros exames para investigação diagnóstica, dentre eles endoscopia digestiva alta, que mostrou somente gastrite erosiva antral leve, e radiografia contrastada do esôfago, cujo laudo descrevia a presença de um divertículo de Zenker. O paciente foi submetido a exame de videofluoroscopia da deglutição, que incluiu imagens dinâmicas das fases oral, faríngea e esofágica da deglutição nas projeções lateral e frontal, obtidas com o paciente em posição ereta. O paciente ingeriu alimento em três consistências - líquida, pastosa e sólida - com contraste sulfato de bário, orientado por fonoaudióloga e por médico radiologista. O exame demonstrou a presença de duas formações diverticulares em comunicação com o esôfago cervical abaixo do esfíncter esofágico superior, com retenção de alimento contrastado (Figuras 1, 2 e 3).


Figura 1. Incidências frontais mostram duas proeminências laterais (setas) que correspondem aos divertículos de Killian-Jamieson.


Figura 2. Incidências laterais mostram o divertículo de Killian-Jamieson (setas brancas), em localização distal ao músculo cricofaríngeo (setas pretas).


Figura 3. Incidências oblíquas mostram duas formações diverticulares (setas) que correspondem aos divertículos de Killian-Jamieson.


Figura 4. Esquema anatômico demonstra regiões de fraqueza muscular por onde protruem o divertículo de Zenker (8) e o de Killian-Jamieson (13). 1, músculo constritor superior; 2, músculo constritor médio; 3, ligamento estilo-hioideo; 4, osso hioide; 5, membrana tireo-hioidea; 6, músculo tireofaríngeo; 7, cartilagem tireoide; 8, deiscência de Killian; 9, cartilagem cricoide; 10, músculo cricofaríngeo; 11, traqueia; 12, esôfago; 13, nervo laríngeo recorrente. (Esquema adaptado de Siddiq et al.(8)).


DISCUSSÃO

O divertículo de Killian-Jamieson se origina em consequência de herniação de mucosa e submucosa em uma área de fraqueza da parede anterolateral do esôfago cervical, inferior ao músculo cricofaríngeo e superolateral ao músculo longitudinal do esôfago. Esta falha na musculatura foi inicialmente descrita por Killian como a área em que o nervo laríngeo recorrente penetra na faringe. Jamieson confirmou este achado e, assim, essa área foi chamada de trígono de Killian-Jamieson(3).

Já o divertículo de Zenker ocorre na região proximal ao esfíncter esofágico superior e é classificado como um divertículo faríngeo. Protrui pela região de fraqueza na musculatura entre o cricofaríngeo e o constritor inferior, chamada de trígono de Killian (Figura 4)(8). Quando grande, pode reter alimento e causar regurgitação, disfagia e até pneumonia aspirativa(9).

A localização do músculo cricofaríngeo é importante para definir e então diagnosticar o tipo de divertículo. É possível identificar esse músculo ao nível de C4 a C6 e da cartilagem cricoide localizado ventralmente, sendo observado durante a videofluoroscopia da deglutição no momento do seu relaxamento e consequente abertura do esfíncter esofágico superior. O diagnóstico do divertículo de Killian-Jamieson é geralmente feito com a radiografia contrastada da hipofaringe e do esôfago, em que ele aparece como uma protrusão lateral nas incidências frontais e sobrepondo-se à parede anterior do esôfago nas incidências laterais(2). Há relatos na literatura(10-12) de diagnóstico do divertículo de Killian-Jamieson por meio da ultrassonografia, como um achado ocasional ou simulando um nódulo de tireoide. Na ultrassonografia, o divertículo de Killian-Jamieson geralmente é visto como um nódulo ecogênico e heterogêneo, com alguns pontos hiperecogênicos em seu interior sugestivos de ar e que não se movem durante a deglutição. Em um relato de 13 casos de divertículo de Killian-Jamieson vistos em ultrassonografia(10), em 54% dos pacientes foi possível demonstrar a conexão com a parede esofágica adjacente no momento do diagnóstico inicial. A vantagem da ultrassonografia é em ser uma avaiação menos invasiva, sem utilização de radiação ionizante em relação a outros exames e, ainda, ser possível a sua realização fora do hospital(13). Entretanto, no nosso relato, foi necessária a realização da videofluoroscopia da deglutição para o diagnóstico diferencial com o divertículo de Zenker. Às vezes, pode ser difícil a distinção entre eles com o estudo contrastado do esôfago, pois o divertículo de Zenker pode se estender inferiormente e, quando grande, protruir para a esquerda da linha média(3). O divertículo de Killian-Jamieson, quando unilateral, pode algumas vezes ser confundido com o divertículo de Zenker. Contudo, na visão lateral o divertículo de Killian-Jamieson protrui anteriormente em relação ao esôfago cervical, enquanto o divertículo de Zenker protrui posteriormente(14).

É importante diferenciar os dois divertículos, especialmente do ponto de vista clínico, em relação a complicações e abordagens para o tratamento. Dentre as complicações, a principal diferença é em relação à aspiração traqueal, que é muito mais frequente no divertículo de Zenker por causa de sua localização acima do esfíncter esofágico superior(2,3).

Apenas os pacientes que são sintomáticos ou que têm grandes divertículos devem ser tratados. As opções de tratamento são cirurgia aberta ou endoscópica. Podem ser realizadas diverticulotomia, diverticulectomia ou diverticulopexia. Conforme Chea et al.(4), preconiza-se a diverticulopexia como opção efetiva e preferencial para o divertículo de Killian-Jamieson como indicação de tratamento. Para o tratamento(15), é importante diferenciar o divertículo de Killian-Jamieson do divertículo de Zenker, pois, apesar das opções cirúrgicas e endoscópicas, o tratamento endoscópico é preferível para o divertículo de Zenker (especialmente se menor do que 3 cm), e para o divertículo de Killian-Jamieson a segurança do tratamento endoscópico ainda não foi completamente estabelecida, em grande parte pela raridade de casos. A principal complicação do tratamento endoscópico é a lesão do nervo laríngeo recorrente, já que a base do divertículo de Killian-Jamieson é o ponto de entrada do nervo na laringe.

A videofluoroscopia da deglutição tradicional geralmente dá ênfase à avaliação da cavidade oral e faringe, porém é uma ferramenta diagnóstica importante também nos distúrbios da hipofaringe e do esôfago, pois a queixa de disfagia cervical pode ter uma causa esofágica dos seus sintomas(16).


CONCLUSÃO

No caso ora descrito, a radiografia contrastada do esôfago não foi capaz de identificar corretamente a natureza da disfagia e a impactação alimentar relatada pelo paciente, sendo essa distinção possível na videofluoroscopia da deglutição. Portanto, salientamos a importância da análise das fases oral, faríngea e esofágica da deglutição para diagnóstico diferencial das queixas orofaríngeas relacionadas a alterações esofágicas.


REFERÊNCIAS

1. Ekberg O, Nylander G. Lateral diverticula from the pharyngo-esophageal junction area. Radiology. 1983;146:117-22.

2. Rubesin SE, Levine MS. Killian-Jamieson diverticula: radiographic findings in 16 patients. AJR Am J Roentgenol. 2001;177:85-9.

3. Boisvert RD, Bethune DC, Acton D, et al. Bilateral Killian-Jamieson diverticula: a case report and literature review. Can J Gastroenterol. 2010;24:173-4.

4. Chea CH, Siow SL, Khor TW, et al. Killian-Jamieson diverticulum: the rarer cervical esophageal diverticulum. Med J Malaysia. 2011;66:73-4.

5. Cappabianca S, Reginelli A, Monaco L, et al. Combined videofluoroscopy and manometry in the diagnosis of oropharyngeal dysphagia: examination technique and preliminary experience. Radiol Med. 2008;113:923-40.

6. Levine MS, Rubesin SE, Laufer I. Barium esophagography: a study for all seasons. Clin Gastroenterol Hepatol. 2008;6:11-25.

7. Martin-Harris B, Jones B. The videofluorographic swallowing study. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:769-85.

8. Siddiq MA, Sood S, Strachan D. Pharyngeal pouch (Zenker's diverticulum). Postrgrad Med J. 2001;77:506-11.

9. Freeny PC, Stevenson GW. Benign structural diseases of the pharynx. In: Margulis AR, Burhenne HJ, editors. Alimentary tract radiology. St. Louis, MO: Mosby; 1994. p. 114-26.

10. Kim HK, Lee JI, Jang HW, et al. Characteristics of Killian-Jamieson diverticula mimicking a thyroid nodule. Head Neck. 2012;34:599-603.

11. Kim MH, Kim EK, Kwak JY, et al. Bilateral Killian-Jamieson diverticula incidentally found on thyroid ultrasonography. Thyroid. 2010;20:1041-2.

12. Pang JC, Chong S, Na HI, et al. Killian-Jamieson diverticulum mimicking a suspicious thyroid nodule: sonographic diagnosis. J Clin Ultrasound. 2009;37:528-30.

13. Sakate M, Yamashita S, Toledo CGC, et al. Avaliação do tempo de trânsito esofágico pelo ultrassom: influência do gênero e índice de massa corpórea. Radiol Bras. 2011;44:360-2.

14. Johnson CD, Schmit GD. Mayo Clinic gastrointestinal imaging review. Rochester, MN: Mayo Clinic Scientific Press; 2005.

15. Kim DC, Hwang JJ, Lee WS, et al. Surgical treatment of Killian-Jamieson diverticulum. Korean J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;45:272-4.

16. Allen JE, White C, Leonard R, et al. Comparison of esophageal screen findings on videofluoroscopy with full esophagram results. Head Neck. 2012;34:264-9.










1. Fonoaudióloga da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Médicos Residentes do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
3. Doutor, Chefe do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Santa Clara e do Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Médico Radiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil.

Endereço para correspondência:
Betina Scheeren
Rua Fernandes Vieira, 353, ap. 46, Bairro Bom Fim
Porto Alegre, RS, Brasil, 90035-091
E-mail: betinascheeren@hotmail.com

Recebido para publicação em 12/6/2012.
Aceito, após revisão, em 28/1/2013.

* Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
 
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