ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Cristiano Gonzaga de Souza1; Emerson Leandro Gasparetto2; Edson Marchiori3; Paulo Roberto Valle Bahia4 |
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Descritores: Ressonância magnética; Discite; Disco intervertebral; Tuberculose da coluna vertebral. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A avaliação do sistema musculoesquelético por métodos de imagem tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1-7). Nesses estudos destacam-se alguns relacionados à coluna vertebral(8-10). Espondilodiscites representam 2%-4% de todos os casos de infecções no esqueleto(11) e seu diagnóstico radiológico baseia-se na demonstração do acometimento do corpo vertebral e disco intervertebral adjacente, embora diversas afecções não infecciosas possam mimetizar este quadro(11). São descritos três modos de instalação: via hematogênica de foco séptico distante, inoculação direta (cirurgia ou trauma), contiguidade de foco séptico adjacente. A infecção geralmente se instala na porção anterior do corpo vertebral, em função do seu rico suprimento arterial, e dissemina-se pela medular dele, acometendo o disco intervertebral por contiguidade, sendo as colunas lombar e dorsal os segmentos mais afetados (50% e 35%, respectivamente)(12). Seu diagnóstico geralmente é tardio (média de dois a seis meses a partir do início dos sintomas)(13). A agilidade no diagnóstico possibilita tratamento apropriado e pode evitar complicações, como colapsos vertebrais e síndrome de compressão medular. Nesse contexto, os exames de imagem são fundamentais para o diagnóstico e acompanhamento das lesões, visando, assim, a reduzir a necessidade de procedimentos invasivos, e a ressonância magnética (RM) é o exame de escolha, em virtude de suas elevadas sensibilidade e especificidade(14), bem como de sua boa resolução tecidual e capacidade multiplanar(15). O estudo por RM pode ser útil, ainda, para sugerir a origem da infecção, embora nem sempre isso seja possível, auxiliando na diferenciação entre infecções tuberculosas e piogênicas e, dessa maneira, obter eficácia no tratamento do paciente(16). Os principais achados de imagem na RM são hipossinal em T1 e hipersinal em T2 dos corpos vertebrais e dos discos adjacentes, bem como seu realce após a injeção venosa do contraste paramagnético, além de massas/abscessos paravertebrais, todos inespecíficos(17). No entanto, alguns detalhes corretamente individualizados em cada alteração podem tornar-se ferramentas úteis para que o radiologista se posicione frente ao diagnóstico diferencial, quando adequadamente interpretados. Este ensaio iconográfico tem o objetivo de reunir e demonstrar alguns aspectos, com o intuito de valorizar adequadamente evidências que possibilitem maior grau de suspeição, por imagem, dos agentes etiológicos, seguindo orientações na literatura disponível. ESPONDILODISCITE PIOGÊNICA A espondilodiscite piogênica acomete com maior frequência a coluna lombar, de maneira mais localizada, afetando apenas um segmento vertebral (um disco intervertebral e seus corpos vertebrais apostos). O agente etiológico mais implicado nesses casos é o Staphylococcus aureus, responsável por cerca de 55%-90% dos casos(18). Outros agentes também importantes são: Streptococcus, Pneumococcus, Enterococcus, Escherichia coli, Salmonella, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella(18). Em razão da alta concentração de enzimas proteolíticas, intrínsecas à virulência destes agentes biológicos, o acometimento discal é precoce, já podendo ser demonstrado concomitante à lesão do corpo vertebral correspondente em fases temporais mais iniciais. O acometimento do corpo vertebral tende a ser mais homogêneo no que se refere à alteração do sinal em T1 e T2, e no realce de sua porção medular(19). Tendo em vista a marcante queda do estado geral, bem como as importantes características dos sintomas que afligem o paciente, exames de imagem são solicitados em fase precoce, em que, embora o aspecto da lesão seja mais agressivo, apresenta-se menos disseminado por múltiplos corpos vertebrais, não sendo esperado, assim, o achado de grandes abscessos ou massas paravertebrais. Estes, quando presentes, no entanto, apresentam limites poucos definidos, na dependência direta da agressividade do agente etiológico implicado(11). Assim, os achados de imagem em RM suspeitos para espondilodiscite piogênica são acometimento segmentar (Figuras 1 e 2), massa paravertebral de limites pouco precisos (Figura 3), disco intervertebral precocemente acometido (Figura 2), e realce/alteração de sinal homogênea dos corpos vertebrais acometidos (Figuras 1 e 2). Figura 1. Acometimento segmentar de L5-S1 e do disco intervertebral interposto. Lesão com hipossinal em T1 (A) e hipersinal em STIR (B) do disco L5-S1, com realce e irregularidades nos platôs vertebrais apostos (C). Cultura do material puncionado no corpo vertebral revelou Staphylococcus aureus. Figura 2. Acometimento segmentar de L3-L4 e do disco intervertebral interposto nos planos coronal (A) e sagital (B). Acentuada irregularidade dos platôs vertebrais associada a hipersinal homogêneo do corpo vertebral em STIR. Cultura do material puncionado do disco intervertebral revelou Enterococcus sp. Figura 3. Acometimento segmentar de L5-S1 e do disco intervertebral interposto. Coleção paravertebral de limites pouco precisos, com intenso realce pelo gadolínio em T1 com supressão de gordura nos planos axial (A) e sagital (B). Notar o acometimento discal precoce. Cultura do material colhido revelou Pneumococcus sp. ESPONDILODISCITE TUBERCULOSA A coluna é o principal sítio de acometimento ósseo da tuberculose, responsável por cerca de 50% dos casos(20). O diagnóstico diferencial com etiologia piogênica é difícil, clínica e radiologicamente, principalmente nos casos de agentes pouco agressivos, tal como ocorre na brucelose. A escassez de enzimas proteolíticas, característica intrínseca do Mycobacterium tuberculosis, resulta em infecção indolente, notadamente tardia do disco intervertebral(21). Dessa forma, a espondilodiscite tuberculosa pode originar grandes abscessos ou massas granulomatosas paravertebrais, com bordas bem definidas(17), estendendo-se no espaço subligamentar por vários (tipicamente mais de três) corpos vertebrais na época do diagnóstico por imagem, podendo também apresentar aspecto de acometimento salteado(15), além de acometer os corpos vertebrais de forma mais heterogênea, uma vez que pode haver tempo para o tecido ósseo promover reação para limitar a infecção. São encontradas, então, áreas focais com sinal alterado em T1 e T2, além de realce também focal de partes da medular do corpo vertebral. Tais características tornam possível a demonstração de graus discrepantes entre o acometimento discal e demais estruturas adjacentes, tais como os corpos vertebrais e a região paravertebral. O acometimento discal, assim, apresenta-se evidente em fases temporais mais tardias. Nas fases precoces o disco encontra-se usualmente poupado, apesar de já ser possível identificar extenso acometimento ósseo ou grandes abscessos/massas paravertebrais, que, caracteristicamente, tendem a apresentar contornos bem definidos. Nas fases precoces, o diagnóstico diferencial pode ser difícil com etiologias neoplásica (Figura 6), degenerativa (Figura 7) ou inflamatória, por exemplo. Nestes casos, os critérios morfológicos, sinal em T2 das re giões acometidas e características do realce pelo gadolínio podem auxiliar a estreitar a lista de possibilidades diagnósticas(22). Figura 4. Acometimento multissegmentar. Massa paravertebral com extensão subligamentar em STIR (A) e realce intenso e heterogêneo pelo meio de contraste em L5-S1 a S2-S3, com formação de abscessos intraósseos em S1 e S2 na sequência T1 com supressão de gordura pósgadolínio (B). Notar o aspecto preservado do disco intervertebral correspondente. PCR do material positivo para Mycobacterium tuberculosis. Figura 5. Acometimento multissegmentar. Colapso total de L1 e parcial de L2, associado a realce heterogêneo da medular após a injeção venosa do gadolínio evidenciando abscesso intraósseo em L2 e formação expansiva heterogênea paravertebral de L1 a L3 com hipersinal em STIR (A) e realce periférico (B). A lesão estende-se para a região paravertebral e comprime o saco dural posteriormente. Cultura do material revelou Mycobacterium tuberculosis. Figura 6. Volumosa massa paravertebral pouco definida em T1 (A), com realce heterogêneo em T1 pós-contraste com supressão de gordura (B), acometendo os corpos vertebrais T8 e T9, associada a disco intervertebral preservado. Biópsia do corpo vertebral revelou etiologia neoplásica (implante). Figura 7. Acentuada irregularidade e hipossinal dos platôs vertebrais L2-L3 em T1 (A), com intenso realce do disco em T1 pós-gadolínio com supressão de gordura (B). Os platôs vertebrais não apresentam realce pelo contraste. Várias punções para avaliar o material foram realizadas, sem crescimento de microorganismos. Biópsia do corpo vertebral revelou doença articular degenerativa mimetizando espondilodiscite infecciosa. As espondilites inflamatórias, tais como espondilite anquilosante, psoriásica e reativa, podem, no decorrer de sua história natural, apresentar alterações semelhantes às da espondilite degenerativa. No entanto, o acometimento vertebral tipicamente é acompanhado e, por vezes, precedido, por sacroileíte bilateral, podendo ser simétrica ou assimétrica, na dependência de cada origem etiológica(23). As lesões neoplásicas líticas metastáticas para o esqueleto axial usualmente não são acompanhadas por esclerose reativa ou reação periosteal, além do acometimento típico iniciar-se nos pedículos vertebrais(23). As espondilites degenerativas podem, assim como os casos infecciosos, cursar com realce do disco intervertebral nas sequências pós-gadolínio. No entanto, os platôs vertebrais acometidos tendem a apresentar hipossinal em T2 e não sofrer realce após a injeção venosa do gadolínio(23). Em razão da complexidade da disseminação do agente etiológico da tuberculose pelo organismo, seguindo diferentes padrões de disseminação na dependência da fase de instalação, são descritos alguns padrões atípicos (classificados segundo o modo e epicentro de instalação da infecção), além do paradiscal clássico, em que o acometimento discal ocorre por contiguidade à alteração nos platôs vertebrais apostos, classificados com base em seu acometimento inicial(23). Desta forma, observam-se os padrões central, subperiosteal anterior e apendicular, todos com sobreposição dos achados em foco neste artigo, sendo que sua descrição foge ao interesse e importância deste trabalho. Os achados de imagem em RM suspeitos para espondilodiscite tuberculosa são: acometimento subligamentar multissegmentar (Figura 4), massa/abscesso paravertebral de limites bem definidos (Figuras 5 e 8), disco relativamente poupado em fases precoces (Figura 4), e realce/alteração de sinal heterogênea dos corpos vertebrais (Figuras 5 e 8). Figura 8. Coleção paravertebral de paredes finas e limites bem definidos na sequência T1 pós-gadolínio. Notar o exuberante realce periférico, típico das coleções. Cultura do material puncionado revelou Mycobacterium tuberculosis. CONCLUSÃO As características dos achados da RM apresentam importante papel para o diagnóstico de complicações inerentes aos processos infecciosos estabelecidos na coluna vertebral, bem como no estabelecimento da extensão do acometimento. No entanto, não é rara a pesquisa pelos radiologistas por evidências que sugiram o provável agente etiológico implicado. É difícil estabelecer o diagnóstico etiológico das espondilodiscites com base isoladamente nos critérios de achados de imagem, sendo os achados às vezes inespecíficos. Porém, valorizar adequadamente a desproporção entre o grau de acometimento do disco intervertebral em relação aos platôs vertebrais correspondentes, a homogeneidade do sinal e do realce dos corpos vertebrais, bem como o volume e contornos das massas paravertebrais(19) mostram-se ferramentas úteis, embora não definitivas, na busca para se considerar a hipótese do agente etiológico (Tabela 1). A especificidade da imagem por RM para o diagnóstico de espondilodiscites depende, assim, diretamente das características do sinal, da distribuição anatômica, da proporcionalidade entre o acometimento dos corpos vertebrais e discos intervertebrais, da homogeneidade do realce da medular dos corpos vertebrais e, invariavelmente, da história clínica do paciente, embora nem sempre disponível no momento da confecção dos laudos(17). 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Professor Titular de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 4. Professor Adjunto do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Cristiano Gonzaga de Souza Rua Nossa Senhora do Carmo, 155, Vila Tereza Cataguases, MG, Brasil, 36772-016 E-mail: souzacataguases@gmail.com Recebido para publicação em 24/11/2012. Aceito, após revisão, em 18/1/2013. * Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |