ARTIGO ORIGINAL
|
|
|
|
Autho(rs): Chiang Jeng Tyng1; Almir Galvão Vieira Bitencourt2; Maria Fernanda Arruda Almeida3; Paula Nicole Vieira Barbosa1; Eduardo Bruno Lobato Martins2; João Paulo Kawaoka Matushita Junior4; Rubens Chojniak5; Felipe José Fernandez Coimbra6 |
|
Descritores: Neoplasias pancreáticas; Biópsia por agulha; Tomografia computadorizada. |
|
Resumo: INTRODUÇÃO
Lesões pancreáticas focais podem estar relacionadas a diversas condições patológicas, com diferentes opções terapêuticas. Com os avanços nos métodos de imagens, incluindo avaliação funcional por tomografia por emissão de pósitrons ou por ressonância magnética(1), o diagnóstico pode ser sugerido sem necessidade de procedimentos invasivos. Em alguns casos a avaliação por métodos de imagem não-invasivos não é capaz de firmar um diagnóstico acurado e a avaliação histológica é necessária antes do tratamento. Existem várias técnicas para obtenção de material para análise histológica de lesões pancreáticas, como biópsias percutâneas guiadas por métodos de imagem, biópsias endoscópicas ou cirúrgicas(2). Trabalhos recentes publicados no Brasil têm ressaltado a importância da radiologia intervencionista para o diagnóstico e tratamento de enfermidades em diferentes compartimentos do organismo(3-10). A biópsia percutânea guiada por tomografia computadorizada (TC) é técnica segura e bem estabelecida, com elevada acurácia no diagnóstico de lesões pancreáticas focais e baixas taxas de complicações(11,12). A maioria das biópsias pancreáticas é realizada por acesso direto ao órgão. No entanto, diferentes estruturas anatômicas, como estômago, alças intestinais, fígado, rim, baço ou vasos, podem se interpor no trajeto da agulha, impossibilitando o acesso direto à lesão. Nestes casos, técnicas alternativas podem ser utilizadas para acessar a lesão. O objetivo deste trabalho é descrever a técnica de biópsia percutânea de tumores pancreáticos guiada por TC com pneumodissecção. MATERIAIS E MÉTODOS No período de junho de 2011 a maio de 2012, foram realizadas sete biópsias percutâneas de tumores pancreáticos guiadas por TC utilizando a manobra de pneumodissecção em nossa instituição. Todas as biópsias foram realizadas usando pistola de disparo automático e sistema coaxial, com agulhas Tru-core (Angiotech; Vancouver, Canadá). Foram usadas agulhas com comprimento de 10 cm ou 15 cm, a depender da distância entre a pele e a lesão. Testes de coagulação foram realizados de rotina antes do procedimento. As amostras colhidas foram submetidas a avaliação histológica. Técnica da biópsia A posição preferencial para realização da biópsia deve ser a que deixe o paciente mais confortável durante o procedimento, que na maioria das vezes é a posição prona. Após assepsia e anestesia local com lidocaína 2%, uma agulha coaxial de 17-gauge é introduzida no tecido adiposo intra-abdominal e novas imagens de TC são obtidas para planejamento. Após correção do posicionamento da ponta da agulha, são injetados de 50 a 100 ml de ar para deslocar os órgãos e estruturas adjacentes, enquanto a agulha é avançada cuidadosamente pelo novo trajeto criado, sob controle pela TC. Com a agulha coaxial posicionada no interior ou adjacente à lesão, cinco a seis fragmentos são obtidos utilizando agulha cortante de 18-gauge. O número de fragmentos pode ser maior ou menor, a depender da qualidade desses fragmentos e da presença de sangramento ou outras complicações. Todo o procedimento dura cerca de 30 minutos. RESULTADOS A maioria dos pacientes era do sexo feminino (85,7%) e a idade média foi de 69 anos, variando de 39 a 82 anos. A lesão era localizada na cabeça do pâncreas em cinco casos e no corpo ou cauda em dois pacientes. O diâmetro médio das lesões pancreáticas foi de 33 mm, variando de 17 a 47 mm. A Tabela 1 descreve os dados de todos os pacientes. Em todos os casos, não havia um acesso direto seguro pela TC para atingir o tumor pancreático sem atravessar órgãos e estruturas importantes. Os pacientes foram posicionados em decúbito lateral/oblíquo (Figura 1), dorsal ou ventral (Figura 2), a depender da localização da lesão e do trajeto planejado para biópsia. A injeção de ar foi capaz de deslocar as estruturas adjacentes e criar uma nova rota de acesso, permitindo um trajeto seguro da agulha coaxial até a lesão, e a biópsia foi realizada com sucesso em todos os casos. Figura 1. Paciente do sexo masculino, 82 anos de idade, submetido a biópsia percutânea de massa pancreática guiada por TC, com acesso lateral e manobra de pneumodissecção. A: Corte axial de TC com contraste mostra lesão mal definida na cauda do pâncreas (estrela). B: TC de planejamento antes do procedimento, com o paciente posicionado em decúbito lateral, demonstra a interposição do rim esquerdo, baço e estômago entre a lesão e a parede abdominal. C: Foi injetado ar no espaço perirrenal, alargando o espaço entre o rim esquerdo e o baço. D: TC mostra o avanço da agulha coaxial pelo espaço criado com a pneumodissecção e seu posicionamento adjacente à lesão. O resultado histológico foi adenocarcinoma. Figura 2. Paciente do sexo feminino, 52 anos de idade, submetida a biópsia percutânea de massa pancreática guiada por TC, com acesso posterior e manobra de pneumodissecção. A: Corte axial de TC com contraste mostra lesão hipodensa na cabeça do pâncreas (estrela). B: TC com o paciente em decúbito ventral identifica a agulha posicionada no espaço paravertebral direito. C: Foi injetado ar no espaço paravertebral, alargando o espaço entre o rim direito e a veia cava inferior (seta). D: TC demonstra o posicionamento da agulha coaxial entre o rim direito e a veia cava inferior, adjacente à lesão pancreática. O resultado histológico foi melanoma metastático. Não houve sangramento significativo durante o procedimento e nenhum dos pacientes referiu dor importante, mesmo durante a injeção do ar. Um paciente apresentou discreto pneumotórax durante o procedimento, que não necessitou drenagem. Outro paciente teve leve elevação dos níveis séricos das enzimas pancreáticas, que resolveu espontaneamente, sem nenhum tratamento específico. Nenhuma complicação tardia foi relatada. Todas as biópsias forneceram material suficiente para análise histológica. Cinco lesões foram confirmadas como adenocarcinoma primário do pâncreas e dois pacientes apresentaram lesões metastáticas, sendo uma de melanoma e outra de carcinoma epidermoide do couro cabeludo. DISCUSSÃO Várias técnicas têm sido descritas para realização de biópsias percutâneas de tumores pancreáticos sem acesso direto, com bons resultados e baixo índice de complicações(12). Estas técnicas incluem as biópsias transgástricas, trans-hepáticas e manobras de hidrodissecção. A manobra de hidrodissecção também pode ser usada para deslocar estruturas como vasos e alças intestinais, criando um trajeto seguro para a biópsia. Esta técnica já foi descrita para outras localizações, como lesões adrenais e mediastinais(13,14). A pneumodissecção pode ser utilizada isoladamente ou associada a hidrodissecção para deslocar as estruturas não-alvo. No entanto, poucos autores descreveram o uso desta manobra para realização de procedimentos percutâneos. Na pneumodissecção pode ser injetado ar ambiente ou gás carbônico (CO2) por uma seringa que permite o controle do volume de gás injetado na área de interesse. Uma quantidade relativamente grande de gás pode ser injetada, de modo que mesmo que a agulha não consiga ser posicionada entre a lesão e o órgão adjacente, estes podem ser separados se for injetada uma quantidade suficiente de gás no compartimento. Tanto o líquido como o gás tendem a se dispersar quando injetados na cavidade abdominal. Os líquidos tendem a se acumular nas porções inferiores, ao passo que o gás tende a se acumular nas porções mais superiores, o que pode ser útil na escolha do material a ser utilizado para deslocar as estruturas não-alvo em cada caso. A segurança da injeção intra-abdominal de CO2 já foi comprovada em estudos de laparoscopia. Embolização pulmonar com CO2 já foi descrita durante cirurgia laparoscópica(15). No entanto, o volume de CO2 utilizado durante a laparoscopia é bem superior ao utilizado nos procedimentos percutâneos. Kariya et al.(16) e Buy et al.(17) descreveram casos de pneumodissecção com CO2 para radioablação percutânea de tumores abdominais, utilizando um volume de até 1.500 ml, sem complicações. A possibilidade de embolização pulmonar com a quantidade de gás utilizada nos procedimentos relatados aqui parece mínima. Em nossos casos, as massas pancreáticas encontravam-se envolvidas por outros órgãos ou estruturas abdominais, como alças intestinais, rins, fígado, baço e grandes vasos. Acesso pelo fígado, baço ou rins deve ser evitado, pelo risco de ocorrer sangramento. A punção com agulha fina atravessando o trato gastrintestinal parece ser segura, no entanto, não existem trabalhos com biópsias de agulha grossa e a possibilidade de peritonite deve ser sempre considerada. Desta forma, a manobra de pneumodissecção foi escolhida como melhor abordagem para tais lesões específicas, evitando a transposição de estruturas adjacentes e reduzindo os riscos do procedimento. Em conclusão, a manobra de pneumodissecção é segura, barata e tecnicamente fácil, podendo auxiliar na realização de biópsias percutâneas de tumores pancreáticos guiadas por TC de casos selecionados em que não existe acesso direto à lesão. REFERÊNCIAS 1. Hernandes MA, Semelka RC, Elias Jr J, et al. Whole-body MRI: comprehensive evaluation on a 48-channel 3T MRI system in less than 40 minutes. Preliminary results. Radiol Bras. 2012;45:319-25. 2. Goldin SB, Bradner MW, Zervos EE, et al. Assessment of pancreatic neoplasms: review of biopsy techniques. J Gastrointest Surg. 2007;11:783-90. 3. Chojniak R, Pinto PNV, Tyng CJ, et al. Computed tomography-guided transthoracic needle biopsy of pulmonary nodules. Radiol Bras. 2011;44:315-20. 4. Chojniak R, Grigio HR, Bitencourt AGV, et al. Percutaneous computed tomography-guided core needle biopsy of soft tissue tumors: results and correlation with surgical specimen analysis. Radiol Bras. 2012;45:259-62. 5. Guimarães MD, Fonte AC, Andrade MQ, et al. Computed tomography-guided core-needle biopsy of lung lesions: an oncology center experience. Radiol Bras. 2011;4475-80. 6. Wajnberg E, Rodrigues G, Abud DG. Use of drug-eluting stents for the treatment of vertebral artery stenosis. Radiol Bras. 2011;44:343-8. 7. Queiroz HMC, Costa FA, Campos Jr MM, et al. Arterial embolization in the treatment of hemobilia after hepatic trauma: a case report. Radiol Bras. 2012;45:63-4. 8. Ceratti S, Giannini P, Souza RAS, et al. Ultrasound-guided fine-needle aspiration of thyroid nodules: assessment of the ideal number of punctures. Radiol Bras. 2012;45:145-8. 9. Novero ER, Metzger PB, Obregon J, et al. Endovascular treatment of thoracic aortic diseases: a single center result analysis. Radiol Bras. 2012;45:251-8. 10. Ceratti S, Okano FM, Pontes ABG, et al. Ultrasound-guided foam sclerotherapy in the treatment of chronic venous insufficiency. Radiol Bras. 2011;44:167-71. 11. Paulsen SD, Nghiem HV, Negussie E, et al. Evaluation of imaging-guided core biopsy of pancreatic masses. AJR Am J Roentgenol. 2006;187:769-72. 12. Tseng HS, Chen CY, Chan WP, et al. Percutaneous transgastric computed tomography-guided biopsy of the pancreas using large needles. World J Gastroenterol. 2009;15:5972-5. 13. Tyng CJ, Bitencourt AG, Martins EB, et al. Technical note: CT-guided paravertebral adrenal biopsy using hydrodissection - a safe and technically easy approach. Br J Radiol. 2012;85:e339-42. 14. de Bazelaire C, Sabatier F, Pluvinage A, et al. CT-guided percutaneous biopsies. J Radiol. 2011;92:842-59. 15. Dion YM, Lévesque C, Doillon CJ. Experimental carbon dioxide pulmonary embolization after vena cava laceration under pneumoperitoneum. Surg Endosc. 1995;9:1065-9. 16. Kariya S, Tanigawa N, Kojima H, et al. Radiofrequency ablation combined with CO2 injection for treatment of retroperitoneal tumor: protecting surrounding organs against thermal injury. AJR Am J Roentgenol. 2005;185:890-3. 17. Buy X, Tok CH, Szwarc D, et al. Thermal protection during percutaneous thermal ablation procedures: interest of carbon dioxide dissection and temperature monitoring. Cardiovasc Intervent Radiol. 2009;32:529-34. 1. Mestres e Doutorandos, Titulares do Departamento de Imagem do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. 2. Doutores, Titulares do Departamento de Imagem do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. 3. Doutoranda, Fellow do Departamento de Imagem do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. 4. Mestre, Fellow do Departamento de Imagem do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. 5. Doutor, Diretor do Departamento de Imagem do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. 6. Doutor, Diretor do Departamento de Cirurgia Abdominal do Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Chiang Jeng Tyng Rua Professor Antônio Prudente, 211, Liberdade São Paulo, SP, Brasil, 01509-010 E-mail: chiangjengtyng@gmail.com Recebido para publicação em 11/11/2012. Aceito, após revisão, em 7/2/2013. * Trabalho realizado no Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil. |