RELATO DE CASO
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Autho(rs): Saul Gun1; Guilherme Lippi Ciantelli2; Marília Akemi Uzuelle Takahashi2; Alexandre Mineto Brabo2; Lívea Athayde de Morais2; Caio Barros Figueiredo2 |
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Descritores: Rim; Malformação; Rim em bolo. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O rim em bolo (cake kidney) é uma rara anormalidade congênita do trato geniturinário, com pouco mais de 20 casos descritos na literatura(1). O termo rim em bolo ou fusão renal pélvica foi definido por Glenn em 1958 como "uma anormalidade na qual todas as substâncias do sistema renal são fusionadas em uma única massa, localizada na parte inferior da pelve, da qual dois ureteres drenam, separadamente e em orifícios ortópicos do trígono vesical"(2). O diagnóstico precoce e o reconhecimento de potenciais complicações que podem acompanhar esta anomalia são importantes para prevenir a lesão renal permanente(3). Neste artigo, os autores relatam um caso de rim em bolo drenado por dois ureteres diagnosticado em ambulatório de urologia de nível terciário. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 12 anos de idade, apresentando história de infecções recorrentes do trato urinário desde a infância, foi encaminhado para o ambulatório de urologia de um hospital-escola de nível terciário por massa em topografia de rim direito à ultrassonografia. O paciente já fora internado três vezes no município de origem por pielonefrite aguda. Na ultrassonografia pélvica trazida evidenciou-se possível massa em rim direito e ausência de rim esquerdo. Foi solicitada tomografia computadorizada de abdome e pelve com contraste, que evidenciou ectopia renal direita na pelve inferior com presença de fusão renal em bolo (Figura 1), drenada por dois ureteres distintos (Figura 2), sem mais alterações. Figura 1. Tomografia computadorizada mostra presença de ectopia renal direita localizada na pelve inferior, associada a ausência de rim esquerdo e fusão renal completa com drenagem por dois ureteres distintos. Figura 2. Tomografia computadorizada identifica fusão renal direita drenada por dois ureteres distintos. Devido à possibilidade de concomitância de outras anormalidades, foram solicitados exames de imagem complementares que não demonstraram qualquer alteração. Além disso, foi realizada avaliação da função renal com creatinina (0,6 mg/dl) e cintilografia renal DMSA, que não mostrou acometimento. O paciente está em tratamento profilático com nitrofurantoína e não apresentou novos episódios de infecção do trato urinário, estando assintomático desde então. DISCUSSÃO O rim em bolo é uma anormalidade congênita definida como a fusão completa de ambos os rins e compreende apenas 2% de todos os casos de fusões renais. Pode ser diagnosticado em qualquer faixa etária e, assim como outras anormalidades de fusão renal, é encontrada mais frequentemente em homens, na proporção de 2-3:1(4). Esta anormalidade ocorre nas fases iniciais do desenvolvimento embriológico. Sob condições normais, duas massas de tecido metanefrogênico existentes na parte inferior da pelve atingem a sua posição definitiva na região lombar após movimentos complexos envolvendo migração ascendente lateral, deflexão axial e rotação interna. Acredita-se que durante a formação do rim em bolo os blastemas nefrogênicos são aproximados pelas artérias umbilicais no início da migração cranial das gemas ureterais, o que poderia ser a causa da sua fusão. Os rins fusionados não ascendem normalmente até a loja renal e ficam em posição pélvica ectópica(5). As fusões renais parciais são mais frequentes, sendo representadas principalmente pelos rins em ferradura e ectopia de cruzamento renal com fusão. Os rins em ferradura correspondem a 90% de todas as anormalidades renais e sua incidência é de 0,25%(1,4). Ao exame anatômico, o rim em bolo possui uma face anterior lobulada e uma posterior lisa e homogênea(2). A pelve renal está situada anteriormente ao rim e, salvo em algumas exceções, estes possuem dois ureteres que drenam para a bexiga nas regiões anatômicas normais do trígono vesical(6). Estas anormalidades congênitas podem apresentar algumas alterações histológicas, a saber: glomérulos imaturos, alterações císticas, alargamento e dilatação de túbulos, ou até evidências de doença renal crônica(3). Em outros casos, pode haver sinais de infarto ou isquemia secundários a uma anormalidade do suprimento sanguíneo.(4) Seu suprimento vascular é consistente com sua migração, sendo que a irrigação arterial pode provir diretamente da aorta em região próxima à sua bifurcação ou a partir das artérias ilíacas comuns, e a drenagem venosa normalmente ocorre para a porção distal da veia cava inferior ou para as veias ilíacas comuns(1,3). Essa irrigação sanguínea anômala é considerada um fator de risco para comprometimento vascular renal devido a trauma pélvico, doença vascular, gravidez e aterosclerose(7). Normalmente, o rim em bolo se apresenta com anomalias concomitantes de outros órgãos ou da irrigação sanguínea, tais como: descida testicular anormal, tetralogia de Fallot, vagina ausente, agenesia sacral, síndrome da regressão caudal, espinha bífida e anormalidades anais(6). Esta anormalidade de fusão renal pode se manter assintomática ou mesmo ser detectada apenas em autópsia(1,5). Em alguns casos pode haver infecção secundária às obstruções e calculose ou dor localizada decorrente da tração dos vasos renais pelo peso do órgão; em outros, o diagnóstico inadequado de tumor renal pode levar à realização de uma nefrectomia inadvertida(5). Um achado de rim em bolo não é indicativo de pior prognóstico, mau funcionamento renal, ou possível deterioração progressiva de sua função(1,3,4), contudo, é importante o acompanhamento do paciente visando ao diagnóstico precoce de suas complicações, tais como obstrução, calculose, infecção, hematúria e uremia, afecções estas também presentes nas outras alterações de fusão do trato geniturinário, além da exclusão de outras anormalidades congênitas concomitantes e necessidade de avaliação constante da função renal, reduzindo a morbidade associada. REFERÊNCIAS 1. Calado AA, Macedo Jr A, Srougi M. Cake kidney drained by single ureter. Int Braz J Urol. 2004;30:321-2. 2. Glenn JF. Fused pelvic kidney. J Urol. 1958;80:7-9. 3. Türqkvatan A, Demir D, Olçer T, et al. Cake kidney: MDCT urography for diagnosis. Clin Imaging. 2006;30:420-2. 4. Kaufman MH, Findlater GS. An unusual case of complete renal fusion giving rise to a 'cake' or 'lump' kidney. J Anat. 2001;198(Pt 4):501-4. 5. Srivastava RN, Singh M, Ghai OP, et al. Complete renal fusion ("cake"/"lump" kidney). Br J Urol. 1971;43:391-4. 6. Goren E, Eidelman A. Pelvic cake kidney drained by single ureter. Urology. 1987;30:492-3. 7. Brock JW 3rd, Braren V, Phillips K, et al. Caudal regression with cake kidney and a single ureter: a case report. J Urol. 1983;130:535-6. 1. Doutor, Professor Associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Sorocaba, Urologista do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, Sorocaba, SP, Brasil. 2. Acadêmicos do 6º ano de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FCMS/PUC-SP), Sorocaba, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Guilherme Lippi Ciantelli Avenida Moreira César, 39, ap. 112, Centro Sorocaba, SP, Brasil, 18010-010 E-mail: gui_lippi@hotmail.com Recebido para publicação em 27/1/2012. Aceito, após revisão, em 23/3/2012. Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FCMS/ PUC-SP), Sorocaba, SP, Brasil. |