INTRODUÇÃO
A torção de ovário é uma das causas mais comuns de dor abdominal de origem anexial, ocorrendo em pacientes jovens e necessitando de intervenção o mais precocemente possível, na tentativa de manter a viabilidade do ovário comprometido(1), que se manifesta quando o ovário e seu pedículo se enrolam no ligamento suspensor do ovário(2).
Inicialmente, a torção compromete a drenagem linfática e venosa, ocasionando edema e aumento de volume do ovário comprometido, e com o passar do tempo a circulação arterial também é acometida, resultando em trombose, isquemia e, por fim, em infarto hemorrágico(2).
O quadro pode ocorrer em crianças, em razão da excessiva mobilidade dos anexos(3), ou em mulheres adultas, quase sempre associado a uma massa ovariana sólida ou cística com grandes dimensões. Esse risco é maior quando a massa medir entre 8 e 12 cm(4).
Os tumores são responsáveis por aproximadamente 50% a 90% dos casos de torção em pacientes adultas(2), e dentre esses, destaca-se o teratoma cístico maduro como o mais frequentemente envolvido(1). Entre as causas não tumorais de torção, destacam-se os cistos foliculares ou de corpo lúteo, como as lesões mais comumente envolvidas, contribuindo com até 17% dos ovários torcidos(2).
Outro fator de risco que tem elevado sua implicação nos últimos tempos é o aumento volumétrico dos ovários por hiperestimulação em pacientes que se submetem a tratamento para infertilidade(2).
Da mesma forma, gravidez com tempo de gestação de até 20 semanas (especificamente entre 10 e 12 semanas) também determina uma maior incidência de torção ovariana, provavelmente pelo fato de o útero aumentado empurrar o ovário anteriormente, determinando a torção(1).
QUADRO CLÍNICO E LABORATORIAL
O quadro clínico mais comum é de dor pélvica intermitente e unilateral, que pode melhorar ou piorar com o posicionamento. Aproximadamente 70% das pacientes apresentam queixas gastrintestinais, como náuseas e vômitos, o que pode induzir a uma confusão com quadro de apendicite, obstrução intestinal ou isquemia mesentérica, e esses sintomas podem se prolongar por dias ou até semanas(5).
Em razão do quadro intermitente, em que a paciente pode apresentar queixas não muito exuberantes, o diagnóstico é feito tardiamente, limitando a possibilidade de manter a viabilidade do ovário comprometido(5).
O exame físico pode evidenciar massa anexial palpável unilateral em até 70% dos casos, que pode apresentar rápido aumento devido à congestão vascular progressiva(2). Febre é incomum, ocorrendo apenas na presença de complicação, como na necrose do anexo envolvido(1).
Quanto aos exames laboratoriais, é importante realizar dosagem de beta-hCG para exclusão do diagnóstico de gravidez ectópica, um dos principais diagnósticos diferenciais da torção de ovário. O hemograma geralmente é normal, ocorrendo discreta queda dos valores de hemoglobina ou aparecimento de leucocitose em vigência de necrose, o que é incomum e auxilia no diagnóstico diferencial com quadro de afecção inflamatória pélvica aguda(1).
ASPECTOS DE IMAGEM
Em geral, o diagnóstico é bem definido pela ultrassonografia (US) associada ao Doppler, restando aos métodos seccionais a indicação quando o quadro clínico for sugestivo de outras causas de dor abdominal, como apendicite e diverticulite (o que não é infrequente), ou quando a US não puder ser realizada (por exemplo, US endovaginal em pacientes virgens), ou quando seu resultado for inconclusivo(6). Os aspectos ultrassonográficos já foram descritos e são bem conhecidos(7), e no presente estudo serão focalizados os achados de torção de ovário na tomografia computadorizada (TC) e na ressonância magnética (RM).
Os achados de imagem dependem do tempo de evolução da torção ovariana e o sinal mais comum, porém menos específico, é o aumento de volume do ovário comprometido. Essa especificidade aumenta se for evidenciado estroma central sem folículos, com os últimos dispostos perifericamente, o que é resultado de edema e hemorragia(2). Esse achado pode ser bem caracterizado pela TC pós-contraste ou pelas sequências em T2 de RM sem saturação de gordura(2).
A detecção de hemorragia parenquimatosa ovariana é de grande valia, e sua extensão depende do grau e da duração da torção. Assim, o infarto hemorrágico ocorre apenas nos estágios finais do processo, e a presença de hematoma subagudo está altamente associada com infarto e necrose secundária do ovário envolvido(2).
Na TC, observa-se frequentemente a presença de massa anexial separada do útero, e no caso de teratomas maduros como fator causal a presença de componentes de gordura macroscópica é bastante útil nessa determinação(8) (Figura 1).
Figura 1. Teratoma maduro de ovário. Corte axial de TC da pelve sem injeção de meio de contraste. Observa-se a presença de imagem nodular de contornos bem definidos na região anexial, apresentando componentes internos com atenuação negativa (–136 UH), o que confirma a sua natureza gordurosa e o diagnóstico de teratoma maduro.
O útero pode apresentar-se desviado para o lado da torção, e achados associados são frequentes, como ascite, obliteração dos planos adiposos adjacentes ou mesmo um ovário aumentado de volume e deslocado de sua posição habitual na fossa ovariana(9,10) (Figura 2). Outro sinal bastante útil é a identificação do ovário torcido localizado na região anexial contralateral, o que pode ser apreciado em exames sequenciais antes e após o episódio de torção(8).
Figura 2. Torção de ovário. Cortes axiais de TC da pelve sem injeção do meio de contraste. O ovário apresenta-se com dimensões aumentadas e localizado na região retrouterina (seta em A). É claramente demonstrado o fator que determinou a torção, sendo um cisto com conteúdo hemorrágico, caracterizado pela presença de nível líquido internamente (medidas de densidade em B) e pelos contornos irregulares e bordas espessadas.
Além disso, a presença de hematoma ovariano, decorrente do infarto hemorrágico, pode ser bem caracterizada na TC sem o meio de contraste, pela presença de focos com alta densidade (30 a 50 UH), sendo que no caso de medidas de densidade maiores que 60 UH há um aumento importante na especificidade para componentes hemáticos(2).
A fase contrastada pode mostrar vasos sanguíneos alargados ao redor do anexo, o que é consistente com a congestão vascular típica. Esses vasos podem apresentar aspecto espiralado, juntamente com a trompa ou o anexo correspondentes(3). Todavia, a identificação do "sinal do redemoinho", que representa o pedículo ovariano torcido ao redor de seu eixo, é muito incomum (menos de um terço dos casos) e de difícil caracterização, porém, quando presente, é patognomônico de torção ovariana(2).
Os achados de RM são muito semelhantes aos observados na TC, sendo que o método possui melhor resolução de contraste e pode determinar com a mesma clareza a existência de massa com conteúdo gorduroso pela presença de alto sinal T1, com queda nas sequências adquiridas com saturação de gordura, o que é compatível com teratoma maduro(2) (Figura 3).
Figura 3. Torção de ovário ocasionada por teratoma maduro. RM da pelve. O ovário esquerdo se encontra na região retrouterina. Nota-se massa com características adiposas, pela presença de focos de hipersinal em T2 (A) e em T1 (B), com queda de sinal nas aquisições com saturação de gordura (C), compatível com teratoma maduro (estrelas e setas em A e C). (A: plano axial T2; B: plano axial T1; C: plano axial T1 com saturação de gordura; D: plano axial T1 com saturação de gordura e após a administração do meio de contraste).
Na RM pode-se ainda determinar de forma mais clara o ovário aumentado de volume e com aspecto edemaciado, exibindo aumento do sinal do seu estroma em T2, bem como a disposição periférica dos folículos (mais bem caracterizada nessa sequência sem técnica de saturação de gordura)(2) (Figura 4).
Figura 4. Torção de ovário. RM de pelve. Ovário direito apresentando aumento de suas dimensões, em posição mediana, localizado anteriormente ao útero, e exibindo múltiplos pequenos folículos com distribuição periférica (estrelas). Observa-se ainda o realce anômalo, diminuído e heterogêneo do ovário comprometido (C). (A: plano coronal T2; B: plano sagital T2; C: plano sagital T1 pós-contraste; D: plano axial T2).
Outro achado que auxilia no diagnóstico é a presença de focos de infarto hemorrágico, que exibem alto sinal em T1 com saturação de gordura(10). Esse achado pode também ser encontrado em outras massas ovarianas, porém a presença de um halo de alto sinal T1 em um ovário aumentado, dentro do contexto clínico de dor abdominal aguda, deve levantar essa possibilidade e indicar ao médico o prosseguimento da investigação(2).
Realce anômalo do ovário é outro sinal que pode suscitar o diagnóstico. Em geral, quando esse realce é heterogêneo, mínimo ou ausente, indica a evolução de um quadro de torção para isquemia ou necrose, porém, a presença de realce normal do ovário não exclui a possibilidade, uma vez que, devido à característica intermitente, o suprimento arterial pode estar preservado(2). O realce anômalo pode muitas vezes não ser bem definido na TC, e pela dúvida com possíveis formações císticas ou foliculares, essa dificuldade pode ser resolvida de maneira simples em exames de RM pela sua melhor diferenciação entre os tecidos(2) (Figura 4).
Como citado previamente, a gestação pode determinar torção ovariana, com os aspectos de imagem se apresentando da mesma forma à RM, entre eles o ovário aumentado de volume e com aspecto edemaciado, exibindo aumento do sinal do seu estroma em T2, bem como disposição periférica dos folículos(1) (Figura 5).
Figura 5. Torção de ovário em paciente gestante. RM do abdome e pelve. O ovário direito apresenta-se com volume aumentado, exibindo múltiplos folículos de distribuição periférica, caracterizando torção (estrelas nas três imagens). Observar o aspecto do ovário normal em C (seta). (A: plano axial T1; B: plano axial T2; C: plano coronal T2).
CONCLUSÕES
No presente estudo procuramos ilustrar os principais achados de imagem da torção ovariana na TC e RM. Essa condição inclui-se no diagnóstico diferencial com causas de dor de outras origens, comuns na prática diária dos médicos que atuam em serviços de emergência. Nesse sentido, o crescente papel da TC e RM na avaliação da paciente com abdome agudo requer que o radiologista se familiarize com os aspectos de imagem das suas principais causas ginecológicas, contribuindo com o papel já bem estabelecido da ultrassonografia.
REFERÊNCIAS
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3. Bellah RD, Griscom NT. Torsion of normal uterine adnexa before menarche: CT appearance. AJR Am J Roentgenol. 1989;152:123-4.
4. Stenchever MA, Droegemueller W, Herbst AL, et al. Comprehensive gynecology. 4th ed. Philadelphia, PA: Mosby; 2001.
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6. Hiller N, Appelbaum L, Simanovsky N, et al. CT features of adnexal torsion. AJR Am J Roentgenol. 2007;189:124-9.
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9. Kimura I, Togashi K, Kawakami S, et al. Ovarian torsion: CT and MR imaging appearances. Radiology. 1994;190:337-41.
10. Ghossain MA, Buy JN, Sciot C, et al. CT findings before and after adnexal torsion: rotation of a focal solid element of a cystic adjunctive sign in diagnosis. AJR Am J Roentgenol. 1997;169:1343-6.
1. Mestre, Médico Radiologista Especializando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
2. Mestre, Médico Radiologista Pós-graduando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
3. Médica Radiologista do Centro Radiológico Campinas, Pósgraduanda do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
4. Livre-docente, Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dr. Giuseppe D'Ippolito
Departamento de Diagnóstico por Imagem - EPM-Unifesp
Rua Napoleão de Barros, 800, Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil, 04024-002
E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br
Recebido para publicação em 5/12/2011.
Aceito, após revisão, em 24/2/2012.
Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.