ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza1; Flávio Batista Rodrigues2; Lucas Vieira Tostes2; Graziella Borges Barreto2; Mateus Saldanha Cardoso3 |
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Descritores: Ressonância magnética; Cisto do colédoco; Ductos biliares. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Os cistos congênitos de colédoco são dilatações císticas de qualquer porção da via biliar, sendo mais frequentemente identificados no ducto biliar comum. A dilatação cística do ducto colédoco tem como apresentação clínica a tríade de sinais e sintomas composta por dor abdominal, massa palpável e icterícia(1). O diagnóstico preciso é dificultado pelo fato de essa tríade se apresentar apenas em um terço dos pacientes(2). Em adultos, além da baixa incidência, os sintomas costumam ser inespecíficos, sendo mais frequente a dor abdominal no flanco direito, acompanhada ou não de colecistectomia prévia(3,4). Em razão da não especificidade clínica e da sua raridade, são considerados como diagnósticos diferenciais para as doenças mais comuns do trato biliar(1). Métodos de imagem como a ressonância magnética (RM) e a ultrassonografia (US) são indicados para o diagnóstico precoce dos cistos e suas possíveis complicações, além de auxiliar no planejamento cirúrgico definitivo. PATOGÊNESE Embora seja discutível a patogênese dos cistos congênitos de colédoco, considera-se mais provável que ela ocorra a partir de um desenvolvimento anormal do sistema ductal pancreatobiliar(5), que surge a partir da quarta semana de gestação. Esse desenvolvimento anormal do sistema ductal pancreatobiliar é caracterizado pela união do ducto colédoco com o pancreático fora do duodeno, onde não há influência do esfíncter de Oddi. O ducto formado é mais longo e está em posição mais alta, o que proporciona refluxo do suco pancreático, com consequente destruição de mucosa, fibrose e dilatação ductal(1). Entretanto, as anomalias congênitas da junção pancreatobiliar são mais comuns que os cistos de colédoco. Dessa forma, é mais provável que o desenvolvimento dos cistos ocorra pela associação de múltiplos fatores e não somente pelo desenvolvimento anormal do sistema ductal. DIAGNÓSTICO A US é o primeiro exame a ser realizado na avaliação da via biliar, por ser não invasivo, de execução rápida, de baixo custo e amplamente disponível. Na avaliação ultrassonográfica observa-se lesão cística de contornos bem definidos, de ecogenicidade variável, geralmente hipoecoica. Sua relação com a vesícula e com as vias biliares deve ser bem avaliada, assim como os seus planos de clivagem. O Doppler colorido pode ser um auxílio para diferenciar as estruturas vasculares adjacentes, como a veia porta. Na colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) é realizada a passagem do endoscópio e a papila de Vater é caracterizada, atingindo então o colédoco ou o ducto pancreático para injetar contraste na via biliar, com documentação radiográfica realizada concomitantemente. Este exame foi considerado "padrão ouro" até a década de 70, sendo hoje mais realizado imediatamente antes da intervenção cirúrgica(5) Analisando as imagens obtidas pela CPRE de pacientes com lesões císticas das vias biliares, é possível observar alterações relevantes na patogênese da lesão(6). Uma é referente ao local de junção dos ductos colédoco e pancreático principal, que é distante do duodeno, formando um longo canal comum. Normalmente, a junção da via pancreatobiliar é formada por um ângulo agudo, entre 5º e 30º, mas nos casos de lesões císticas esse ângulo é aumentado, podendo ser maior que 90º. A necessidade de anestesia geral faz com que a CPRE não seja indicada para o diagnóstico em crianças. Da mesma forma, o fato de poder causar pancreatite e sua limitação na avaliação proximal da via biliar, que tende a ser anormal, constituem pontos negativos a serem considerados. A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) é uma alternativa para o estudo da anatomia da árvore biliar, por ser um método não invasivo, sem a necessidade de injeção de contraste, e possuir excelente acurácia para identificar variações anatômicas relevantes à cirurgia(7). Além disso, a CPRM permite a análise da via biliar proximal e a avaliação de fígado e pâncreas, possibilitando outros diagnósticos diferenciais, principalmente quando o exame é complementado pela RM de abdome superior. A tomografia computadorizada (TC) também pode ser utilizada, principalmente os equipamentos que permitem espessura de corte mais fina, como os multidetectores (multislice). Este método tem um tempo de execução consideravelmente mais curto quando comparado com a CPRM, o que reduz os artefatos de movimentação. Em contrapartida, está associado aos riscos inerentes ao método, como o do contraste e do excesso de radiação em exames repetidos em curto intervalo de tempo. Na TC, os cistos do colédoco se apresentam como coleções líquidas, com densidade próxima da vesícula biliar e realce periférico pelo contraste em sua parede. CLASSIFICAÇÃO A classificação de Todani (Figura 1), hoje a mais utilizada na literatura para os cistos congênitos de colédoco, respeita uma análise da morfologia, localização e número de cistos ductais intra-hepáticos e extra-hepáticos através da colangiografia. Figura 1. Classificação de Todani para cistos congênitos do colédoco. O cisto tipo I, ou cisto de colédoco clássico, é restrito aos ductos biliares extrahepáticos. Dentre eles, são considerados três subtipos: Ia (difuso) – dilatação difusa do ducto colédoco e uma expansão pelos ductos biliares extra-hepáticos (Figuras 2 a 5); Ib (focal) – dilatação focal do ducto colédoco, sem junção pancreatobiliar anômala; Ic (fusiforme) – dilatação fusiforme do ducto colédoco associada a uma junção anômala pancreatobiliar(2,8) (Figura 6). É prevalente em crianças e, entre os casos diagnosticados, 7% dos cistos são detectados durante a gravidez. Os achados de imagem, na US ou nos demais métodos, evidenciam dilatação do colédoco sem um ponto de obstrução evidente e sem comprometimento da via intra-hepática. A junção pancreatobiliar deve ser analisada nas imagens com fina espessura de corte da CPRM, para diferenciação dos tipos Ia e Ic. O conteúdo dos cistos nas imagens da US é variável, sendo mais frequente o padrão finamente heterogêneo, com débris finos e esparsos. Figura 2. Cisto tipo Ia. Ultrassonografia do hipocôndrio direito evidencia lesão cística de limites bem definidos, contendo septos finos e ecos hiperrefringentes, localizada junto ao lobo hepático direito, na fossa vesicular. Figura 3. Cisto do colédoco Ia. Tomografia computadorizada com contraste mostra lesão cística lobulada (seta) com septos finos localizada na fossa vesicular. Não se observa realce da lesão após a infusão do meio de contraste intravenoso. Figura 4. Cisto do colédoco Ia. Ressonância magnética do abdome, corte axial (TSE T2), evidencia lesão cística (seta) com contornos regulares e hipersinal. Mesmo paciente das Figuras 2 e 3. Figura 5. Cisto do colédoco Ia. Imagem "com renderização de volume" evidencia a vesícula biliar (VB) e cisto de colédoco gigante (seta). Figura 6. Cisto do colédoco Ic. Reconstrução colangio-RM mostra dilatação fusiforme do colédoco (seta reta), associada a junção pancreatobiliar anômala (seta curva). Notar que as vias biliares intrahepáticas não estão dilatadas (cabeças de setas). O cisto tipo II é um divertículo supraduodenal, o qual pode ser encontrado no ducto biliar comum ou no ducto hepático comum. Geralmente, é originado da parede lateral do ducto, sendo o restante da via biliar normal(2,8) (Figuras 7 a 9). Na RM pode ser observada pequena dilatação sacular próxima à vesícula, de limites bem definidos, com hipersinal em T2, que se comunica com a via biliar supraduodenal. Figura 7. Cisto do colédoco II. Reconstrução de colangio-RM mostra divertículo (seta) que se origina da parede lateral do ducto hepático comum. (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Matsumoto, da Unifesp, São Paulo, SP). Figura 8. Cisto do colédoco II. Ressonância magnética do abdome, coronal TSE, ponderado em T2, evidencia a relação da pequena imagem sacular (seta) com o ducto hepático e a vesícula. (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Matsumoto, da Unifesp, São Paulo, SP). Figura 9. Cisto do colédoco II. Reconstrução de colangio-RM evidencia divertículo (seta) que se origina da parede lateral do ducto hepático comum. (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Giuseppe D'Ippolito, da Unifesp, São Paulo, SP). O cisto tipo III (ou coledococele) envolve a dilatação da porção intraduodenal do ducto biliar comum(2,8) (Figuras 10 e 11). A coledococele manifesta-se, clinicamente, principalmente em adultos, por dor abdominal e icterícia, complicada com colangite e pancreatite. Nos exames de RM observase proeminência da papila maior, com sinal semelhante ao da via biliar, que se projeta em direção à parede da segunda porção do duodeno, determinando "falha de enchimento", nas sequências ponderada em T2 ou nos exames contrastados. Figura 10. Cisto tipo III. Colangiografia via dreno de Kehr mostra dilatação sacular do colédoco distal(seta) junto à papila duodenal (coledococele). (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Eduardo Crema, da UFTM, Uberaba, MG). Figura 11. Cisto tipo III. Reconstrução de colangio-RM com "renderização de volume" evidencia outro caso de dilatação sacular do colédoco distal (seta). O cisto tipo IV é representado por formações saculares nas vias intra ou extrahepáticas, que são divididas em dois subtipos: o IVa, que apresenta dilatações nos ductos biliares intra-hepáticos e extra-hepáticos, e o IVb, com dilatações múltiplas apenas nos ductos extra-hepáticos(2,8) (Figuras 12 e 13). O seu principal diferencial nos exames de imagem é a identificação de mais de um foco de dilatação sacular, com comprometimento e dilatação do colédoco, o que o diferencia do Caroli. Figura 12. Cisto tipo IV. Colangio-RM revela acentuada dilatação biliar intra e extra-hepática (setas retas). A via intraperiférica (cabeça de seta) e a vesícula biliar (seta curva) estão preservadas. (Imagem retirada de: Blasbalg R. Vesícula e vias biliares. In: Caldana RP, D'Ippolito G, editores associados. Gastrointestinal (Série Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem). 1ª ed. São Paulo, SP: Elsevier; 2011. p. 424). Figura 13. Cisto do colédoco IVb. Reconstrução de colangio-RM evidencia formações saculares múltiplas apenas nos ductos extra-hepáticos (seta reta). Observar a vesícula (seta curva) e a via biliar intra-hepática (cabeça de seta) com aspecto habitual. (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Giuseppe D'Ippolito, da Unifesp, São Paulo, SP). O cisto tipo V (ou doença de Caroli) envolve uma ou várias dilatações saculares da via intra-hepática, que se comunicam e afetam os ductos de maior calibre(2,8) (Figuras 14 e 15). É uma doença autossômica recessiva rara, que promove vários níveis de inflamação, degeneração e dilatação da via intra-hepática a partir de alterações embriológicas em sua formação. A clínica da doença de Caroli manifesta-se por colangite, febre, dor no hipocôndrio e, às vezes, icterícia. Apresenta associação com cálculos biliares intra-hepáticos, colangiocarcinoma e abscesso hepático. Um sinal muito característico da doença de Caroli é o central dot sign, que corresponde a feixes fibrovasculares hepáticos que se realçam (artéria hepática e veia porta), protruindo para a luz de ramos biliares intra-hepáticos dilatados. Figura 14. Cisto tipo V. Colangiorressonância apresentando múltiplas dilatações císticas (setas) que se comunicam com a "árvore" biliar intra-hepática. O colédoco (cabeça de seta) tem calibre preservado. (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Ricardo Vital, de Uberlândia, MG). Figura 15. Cisto tipo V. Ressonância magnética do abdome, sequência T1-3D com supressão de gordura pós-contraste, demonstrando dilatação segmentar das vias biliares intra-hepáticas (seta). Existem ainda os raríssimos casos de dilatação isolada do ducto cístico, relatados por Serena Serradel et al.(9) e Yoon(10), que sugeriram ser acrescentada, futuramente, na classificação como cisto "tipo VI". COMPLICAÇÕES Entre as mais comuns complicações da lesão cística de colédoco encontram-se a litíase de colédoco, o carcinoma de vesícula biliar e colédoco, a colangite crônica, a obstrução biliar, as varizes esofagianas, a ruptura do cisto, a trombose da veia porta e o abscesso hepático. A estase biliar, decorrente da estenose ductal, e o refluxo do suco pancreático, consequente à alteração da junção do colédoco com o pancreático principal, induzem à irritação crônica do epitélio da vesícula e ductos biliares. A evolução do processo crônico de irritação epitelial pode determinar uma metaplasia e, ainda, uma displasia(11). A degeneração maligna ocorre com mais frequência nos tipos I, IV e V, sendo necessário o acompanhamento diferenciado desses pacientes, mesmo após a cirurgia(1,3). Em razão dos riscos e complicações, o tratamento do cisto de colédoco é cirúrgico e deve ser feito o mais breve possível. De maneira geral, há duas principais opções, sendo uma a ressecção do cisto e a outra, a drenagem. Deve-se dar preferência para a excisão do cisto, porém, a desvantagem é a necessidade de reconstrução da via biliar. CONCLUSÃO O diagnóstico tardio dos cistos congênitos de colédoco decorre de sua baixa frequência e clínica inespecífica. Portanto, diante de um possível quadro de cisto de colédoco deve-se tentar minimizar o tempo até o diagnóstico final com os exames de imagem mais apropriados, como a US e a CPRM. O radiologista deve classificar os cistos, além de identificar possíveis associações com outras anomalias congênitas e suas complicações, que podem dificultar o planejamento eminentemente cirúrgico. REFERÊNCIAS 1. Edil BH, Olino K, Cameron JL. The current management of choledochal cysts. Adv Surg. 2009;43:221–32. 2. Mortelé KJ, Rocha TC, Streeter JL, et al. Multimodality imaging of pancreatic and biliary congenital anomalies. Radiographics. 2006;26:715–31. 3. Matos C, Nicaise N, Devière J, et al. Choledochal cysts: comparison of findings at MR cholangiopancreatography and endoscopic retrograde cholangiopancreatography in eight patients. Radiology. 1998;209:443–8. 4. Mabrut JY, Bozio G, Hubert C, et al. Management of congenital bile duct cysts. Dig Surg. 2010;27:12–8. 5. Babbitt DP, Starshak RJ, Clemett AR. Choledochal cyst: a concept of etiology. Am J Roentgenol Radium Ther Nucl Med. 1973;119:57–62. 6. Kim OH, Chung JH, Choi BG. Imaging of the choledochal cyst. Radiographics. 1995;15:69–88. 7. Lee HK, Park SJ, Yi BH, et al. Imaging features of adult choledochal cysts: a pictorial review. Korean J Radiol. 2009;10:71–80. 8. Todani T, Watanabe Y, Narusue M, et al. Congenital bile duct cysts: classification, operative procedures, and review of thirty-seven cases including cancer arising from choledochal cyst. Am J Surg. 1977;134:263–9. 9. Serena Serradel AF, Santamaría Linares E, Herrera Goepfert R. Cystic dilatation of the cystic duct: a new type of biliary cyst. Surgery. 1991;109(3 Pt 1):320–2. 10. Yoon JH. Magnetic resonance cholangiopancreatography diagnosis of choledochal cyst involving the cystic duct: report of three cases. Br J Radiol. 2011;84:e18–22. 11. Todani T, Watanabe Y, Fuji M, et al. Carcinoma arising from the bile duct in choledochal cyst and anomalous arrangement of the pancreatobiliary ductal union. Journal of Biliary Tract & Pancreas. 1985;6:525–35. 1. Doutor, Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil. 2. Acadêmicos de Medicina da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil. 3. Médico Residente em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Luís Ronan Marquez Ferreira de Souza Disciplina de Radiologia e Diagnóstico por Imagem– UFTM Avenida Frei Paulino, 30, Bairro Abadia Uberaba, MG, Brasil, 38025-180 E-mail: luisronan@gmail.com Recebido para publicação em 22/7/2011. Aceito, após revisão, em 30/1/2012. Trabalho realizado na Disciplina de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil. |