INTRODUÇÃO
A doença de Behçet é uma doença inflamatória crônica e sistêmica de causa desconhecida, com maior incidência em homens entre 30 e 40 anos de idade(1,2). Frequente em países mediterrâneos e na Ásia, com maior prevalência na Turquia, a doença foi caracterizada por Hulusi Behçet pela tríade: ulcerações orais, genitais recorrentes e uveíte.
Manifestações em vários outros órgãos foram descritas, sendo a vasculite o principal achado patológico(1). O diagnóstico da doença é feito com base nos critérios propostos pelo International Study Group for Behçet's Disease(3). O prognóstico é determinado pelo envolvimento cardiovascular, gastrintestinal e do sistema nervoso central(2). Embora o comprometimento vascular na doença de Behçet ocorra em 25% a 30% dos casos, esta é a maior causa de mortalidade relacionada à doença(4,5).
O envolvimento do tórax manifesta-se por várias alterações que podem ser demonstradas por estudos de imagem. O conhecimento destas alterações é útil no diagnóstico da doença.
O objetivo deste relato é apresentar as alterações radiológicas e os aspectos clínicos observados em um caso de doença de Behçet. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da nossa instituição (parecer CEP/FHEMIG: 069/2010).
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 30 anos de idade, foi encaminhado ao nosso serviço devido a alterações vistas em radiografia do tórax, para propedêutica especializada. Informou que iniciaram, há dois meses, tosse seca, perda de peso, febre, hiporexia, adinamia e alguns episódios de hemoptise. Posteriormente, evoluiu com dispneia progressiva. Relatou ainda a presença de úlceras orais e genitais recorrentes desde a adolescência. Ao exame físico foram observados nódulos acneiformes e lesões cicatriciais na superfície cutânea.
A radiografia do tórax em posteroanterior mostrou massa com densidade de partes moles, contornos regulares e limites bem definidos na região do hilo pulmonar à direita, que reduziu significativamente suas dimensões após tratamento específico utilizando-se corticoide e imunossupressor (Figura 1). Foi realizada tomografia computadorizada do tórax, antes e após administração venosa de contraste iodado, que evidenciou dilatação aneurismática da artéria interlobar direita, medindo aproximadamente 50 mm em seu maior eixo axial, mostrando realce difuso do seu lúmen pelo material contrastante e com presença de acentuado espessamento parietal (Figura 2). Outras formações aneurismáticas de menores dimensões e com características morfológicas semelhantes à anterior foram observadas bilateralmente, apresentando tamanhos variados, com predomínio em regiões centrais e no terço superior e médio dos pulmões (Figuras 2 e 3). Não foram observadas alterações anatômicas na região mediastinal.
Figura 1. Radiografias de tórax em posteroanterior mostrando massa hilar à direita (seta em A) e com menores dimensões após o tratamento (seta em B).
Figura 2. Tomografia computadorizada do tórax com janela de pulmão mostrando dilatações aneurismáticas caracterizadas por formações nodulares em lobos superiores (setas em A), lobo médio e lobo inferior esquerdo (setas em B).
Figura 3. Tomografia computadorizada do tórax após contraste venoso mostrando, em janela de mediastino, no nível dos lobos superiores (A) e da bifurcação brônquica (B), dilatações aneurismáticas da artéria interlobar direita e de ramos segmentares à esquerda (setas).
O diagnóstico da doença de Behçet foi estabelecido pela presença de úlceras orais e genitais recorrentes associadas a lesões cutâneas acneiformes e cicatriciais.
DISCUSSÃO
De acordo com a classificação do International Study Group for Behçet's Disease, a presença de úlceras orais recorrentes e mais duas das seguintes alterações — úlceras genitais, lesões oculares típicas (uveíte, vasculite retinal), lesões de pele características (eritema nodoso-
like, lesões acneiformes e/ou cicatriciais) —, ou um teste de patergia positivo definem o diagnóstico da doença de Behçet(3).
O envolvimento do tórax ocorre em 8% dos pacientes e pode se manifestar por amplo espectro de alterações observadas no mediastino, tendo como complicação a mediastinite fibrosante; no parênquima pulmonar, onde podem ser observados infartos, atelectasias, hemorragia, nódulos difusos de espaços aéreos, pneumonias e fibrose; na pleura e, sobretudo, no sistema vascular(4—6).
A vasculite pulmonar notada na doença de Behçet compromete vasos de grande e médio calibre, de acordo com a classificação de Chapel Hill para calibre dos vasos, atingindo mais frequentemente o sistema venoso em 85% dos casos, na forma de tromboflebite(4,6). As principais complicações venosas resultantes são a síndrome da veia cava superior e a síndrome de Budd-Chiari(4). Alterações arteriais são menos frequentemente observadas. A destruição das fibras elásticas devido ao processo inflamatório dos
vasa vasorum resulta em dilatação do lúmen vascular e formação de aneurismas em 65% dos casos(4). A doença de Behçet é a principal causa de aneurismas da artéria pulmonar, que podem ocorrer nos segmentos principais ou em ramos segmentares e são demonstrados pela tomografia computadorizada, indicando mau prognóstico(4,5). Estes aneurismas podem regredir com terapias medicamentosas específicas, utilizando-se corticoide e ciclofosfamida, entretanto, a progressão e recorrência são comuns nesses pacientes(4,7).
O principal diagnóstico diferencial é a síndrome de Hughes-Stovin, que apresenta quadro radiológico e histopatológico bastante semelhante, porém, notando-se nesta síndrome, a ausência das ulcerações orais e genitais recorrentes(4,6).
A radiografia de tórax é o primeiro método de imagem na avaliação da síndrome de Behçet, demonstrando as alterações vasculares e pulmonares, e é também importante na avaliação da resposta terapêutica(4,5). A tomografia computadorizada desempenha papel de destaque no diagnóstico por imagem desta doença, sobretudo através da tecnologia de multidetectores, que permite aquisições volumétricas e, portanto, o estudo das estruturas vasculares, mediastinais e parenquimatosas. A angiotomografia realizada com esta tecnologia é superior à ressonância magnética, em virtude da maior resolução espacial, menos artefatos e da possibilidade da avaliação simultânea do parênquima pulmonar(4,5). O conhecimento dessas alterações é útil no diagnóstico da doença, auxiliando a determinação da causa dos sintomas, principalmente a hemoptise, e orientando na escolha do tratamento apropriado.
CONCLUSÃO
A presença de aneurismas da artéria pulmonar sugere a doença de Behçet como primeira hipótese e também um sinal de mau prognóstico.
REFERÊNCIAS
1. Erkan F, Gül A, Tasali E. Pulmonary manifestations of Behçet's disease. Thorax. 2001;56:572—8.
2. Iscan ZH, Vural KM, Bayazit M. Compelling nature of arterial manifestations in Behcet disease. J Vasc Surg. 2005;41:53—8.
3. Criteria for diagnosis of Behçet's disease. International Study Group for Behçet's Disease. Lancet. 1990;335:1078—80.
4. Ceylan N, Bayraktaroglu S, Erturk SM, et al. Pulmonary and vascular manifestations of Behcet disease: image findings. AJR Am J Roentgenol. 2010;194:158—64.
5. Hiller N, Lieberman S, Chajek-Shaul T, et al. Thoracic manifestations of Behçet disease at CT. Radiographics. 2004;24:801—8.
6. Chung MP, Yi CA, Lee HY, et al. Imaging of pulmonary vasculitis. Radiology. 2010;255:322—41.
7. Calamia KT, Schirmer, M, Melikoglu M. Major vessel involvement in Behçet disease. Curr Opin Rheumatol. 2005;17:1—8.
1. Mestre, Doutoranda em Ciências da Saúde, Médica Assistente do Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital Júlia Kubitschek – FHEMIG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Especialista em Pneumologia, Médica Assistente do Serviço de Pneumologia do Hospital Júlia Kubitschek – FHEMIG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dra. Andréa de Lima Bastos
Hospital Júlia Kubitschek – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG)
Unidade de Diagnóstico por Imagem.
Rua Doutor Cristiano Rezende, 2745, Bairro Flávio Marques Lisboa (Barreiro)
Belo Horizonte, MG, Brasil, 30620-470
E-mail: andblima@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 24/2/2011.
Aceito, após revisão, em 21/6/2011.
* Trabalho realizado no Hospital Júlia Kubitschek – FHEMIG, Belo Horizonte, MG, Brasil.