RELATO DE CASO
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Autho(rs): Paulo Cesar Rocha Oliveira1; Fabio Peixoto Alcantara1; Paola Lima Pasini Judice1; Giovani Rodrigues Batista1; Ilailson de Goes Teles1; Julio Salgado Antunes2 |
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Descritores: Doença de Gorham; Osteólise maciça; Tomografia computadorizada; Imagem por ressonância magnética. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
A doença de Gorham é uma desordem rara caracterizada por extensa osteólise e proliferação vascular anômala, primeiramente descrita por Jackson em 1838, cujo diagnóstico é difícil e o prognóstico, imprevisível. Suas características clínicas e patológicas foram estabelecidas por Gorham e colaboradores (1954) e Gorham e Stout (1955)(1–3). Também é conhecida por vários termos, tais como síndrome de Gorham, síndrome de Gorham-Stout, síndrome de Morbus Gorham-Stout, osteólise maciça e doença do osso evanescente(2,4). Relatamos um caso da doença de Gorham afetando a escápula esquerda e, dois anos depois, a clavícula ipsilateral, em uma paciente de 20 anos de idade. Uma breve revisão da literatura é realizada. RELATO DO CASO Em julho de 2007, uma paciente então com 18 anos de idade foi admitida queixando-se de dor intermitente no ombro esquerdo há um ano, com incapacidade progressiva do membro superior ipsilateral. Não havia história de febre, sinais inflamatórios locais, trauma, cirurgia ou radioterapia. O exame físico demonstrou dor à palpação e impotência funcional do ombro, similar a uma ruptura maciça do manguito rotador, sem massa palpável. Os testes neurológicos foram normais. Os exames laboratoriais demonstraram apenas leve aumento dos níveis de proteína C-reativa (0,9 mg/dl). As radiografias do ombro mostraram ruptura cortical e fragmentação óssea afetando a porção superior da escápula, sem neoformação óssea (Figura 1). A tomografia computadorizada (TC) demonstrou claramente o acometimento de toda a escápula (Figura 2). A ressonância magnética (RM) evidenciou alteração heterogênea do sinal ósseo, com áreas de hipersinal espontâneo nas imagens em T1 e predomínio de hipersinal em STIR, sem expansão óssea ou componente extraósseo, com realce pós-contraste irregular (Figura 3A–C). Coexistia uma lesão expansiva nas partes moles da região supraclavicular esquerda, com sinal semelhante à anormalidade óssea escapular, porém sem continuidade com esta, medindo 4,6 cm no maior eixo (Figura 3A), que não foi biopsiada por ter sido considerada como provável formação de natureza linfática. A TC de tórax não demonstrou outras alterações. A principal hipótese radiológica foi doença de Gorham. Foi realizada biópsia óssea e o exame histopatológico mostrou destruição de trabéculas ósseas com proeminente neoformação e reabsorção óssea pelas atividades osteoblástica e osteoclástica, respectivamente. A medula óssea estava substituída por tecido fibroso frouxo, apresentando extensa proliferação vascular (Figura 3D). Figura 1. Radiografia frontal do ombro esquerdo mostrando rotura cortical e fragmentação da metade superior da escápula, com relativa preservação da porção distal. Observar o aspecto normal da extremidade distal da clavícula. Figura 2. Tomografia computadorizada com reconstrução tridimensional demonstrando extensas áreas de osteólise em praticamente toda a escápula, com deformidade do processo coracoide e colo da glenoide (setas). Figura 3. Ressonância magnética e histopatologia. A: Imagem sagital STIR demonstrando acentuado hipersinal no corpo da escápula (seta aberta curva) e um componente expansivo extraósseo supraescapular também hiperintenso (seta aberta reta), considerado como provável lesão linfática. B: Imagem axial ponderada em T1 no plano do colo e glenoide evidenciando heterogeneidade de sinal destas estruturas, com áreas espontaneamente hiperintensas (setas brancas contínuas), sugestivas de lipossubstituição óssea. C: Imagem axial T1 com supressão de gordura pós-contraste submetida a técnica de subtração, levemente caudal em relação a B, mostrando realce heterogêneo do colo e glenoide (seta branca tracejada). D: Fotomicrografia (biópsia óssea) revelando áreas de destruição óssea (ponta de seta) e proliferação vascular (seta preta tracejada) – coloração por hematoxilina-eosina, aumento 400×. Dois anos depois, radiografias e TC de controle mostraram osteólise clavicular distal e progressão da reabsorção da escápula (Figura 4). O tratamento tem sido conservador, com analgésicos orais e exercícios de fortalecimento muscular, obtendo-se controle álgico. Figura 4. A radiografia frontal do ombro esquerdo, dois anos depois da admissão, exibe inequívoca progressão da reabsorção da escápula e surgimento de osteólise na face inferior da porção distal da clavícula (setas). DISCUSSÃO A doença de Gorham pode afetar qualquer osso, principalmente as cinturas escapular e pélvica. O envolvimento unifocal é habitual, enquanto o multifocal é raro(2,5). A osteólise pode cruzar articulações(4,6) – no presente caso ela se estendeu à clavícula a partir da escápula. A maioria dos casos ocorre antes dos 40 anos de idade, sem predileção por sexo ou predisposição hereditária(2,5). As manifestações clínicas dependem da localização, incluindo dor súbita ou insidiosa, fraturas patológicas, incapacidade funcional progressiva do membro – como no presente caso – e atrofia das partes moles(2,7). Os exames de laboratório são inespecíficos e geralmente normais. O curso clínico pode ser progressivo, relativamente estável ou rapidamente fatal. A resolução espontânea é raríssima(2,5). Complicações graves como quilotórax, derrame pleural ou pericárdico, osteomielite, septicemia e compressão da medula espinhal são pouco frequentes(2,7). A etiopatogenia permanece obscura. O substrato histopatológico é a substituição do osso normal por tecido vascular agressivamente expansivo e não neoplásico, similar ao hemangioma e linfangioma, que progressivamente é substituído por tecido conjuntivo fibroso, podendo ocorrer, ainda, lipossubstituição da medula óssea(1–3,8). Ainda não há tratamento específico eficaz. Radioterapia, cirurgia, medicamentos antiosteoclásticos (bifosfonatos) e interferon alfa-2b têm sido utilizados com resultados divergentes(2,5,8). Os exames de imagem desempenham papel importante na propedêutica desta doença, particularmente as radiografias e a TC. A suspeita inicial, a evolução e a avaliação pós-terapêutica baseiam-se nestes exames. As alterações radiográficas exibem evolução sequencial, com evidente falta de neoformação óssea(1,6,7). Inicialmente, múltiplos focos radioluzentes são vistos em um osso relativamente normal, seguidos por progressão da deformidade e perda de massa óssea com posterior disseminação da osteólise para as adjacências. Erosão cortical e invasão local das partes moles pela massa angiomatosa ocorrem subsequentemente, culminando no desaparecimento do osso remanescente(1,6,7). A TC confirma os achados radiológicos e, adicionalmente, avalia os tecidos moles e orienta a biópsia(7), demonstrando melhor a extensão da doença em regiões complexas, como a cintura escapular. A RM é um método auxiliar, com grande variabilidade das características de sinal e realce pós-contraste que refletem o espectro da progressão neovascular e fibrosa(1,7). O diagnóstico diferencial da doença de Gorham inclui osteomielite, metástases, osteólise secundária à artrite reumatoide e hiperparatireoidismo, além de diversas síndromes osteolíticas. O diagnóstico baseia-se nos aspectos clínicos, radiológicos e, sobretudo, histopatológicos(1,2,5,7,8). Vale ressaltar a importância dos exames de imagem na suspeita diagnóstica inicial, bem como na avaliação da evolução e do monitoramento terapêutico desta doença. Agradecimentos Agradecemos aos bibliotecários de nossa instituição pelas habituais eficiência, presteza e cordialidade. REFERÊNCIAS 1. Chung C, Yu JS, Resnick D, et al. Gorham syndrome of the thorax and cervical spine: CT and MRI findings. Skeletal Radiol. 1997;26:55–9. 2. Patel DV. Gorham’s disease or massive osteolysis. Clin Med Res. 2005;3:65–74. 3. Gorham LW, Stout AP. Massive osteolysis (acute spontaneous absorption of bone, phantom bone, disappearing bone); its relation to hemangiomatosis. J Bone Joint Surg Am. 1955;37:985–1004. 4. Glass-Royal M, Stull MA. Musculoskeletal case of the day. Gorham syndrome of the right clavicle and scapula. AJR Am J Roentgenol. 1990;154:1335–6. 5. Rubel IF, Carrer A, Gilles JJ, et al. Progressive Gorham disease of the forearm. Orthopedics. 2008;31:284. 6. Torg JS, Steel HH. Sequential roentgenographic changes occurring in massive osteolysis. J Bone Joint Surg Am. 1969;51:1649–55. 7. Cano B, Insa S, Cifrián C, et al. Radiologic findings in Gorham-Stout syndrome. Radiologia. 2006;48:33–6. 8. Ruggieri P, Montalti M, Angelini A, et al. Gorham-Stout disease: the experience of the Rizzoli Institute and review of the literature. Skeletal Radiol. 2010 Oct 25 [Epub ahead of print]. [cited 2011 Mar 1st]. Available from: http://www.springerlink.com/content/1x34043902023828/fulltext.pdf 1. Especialistas em Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Médicos Radiologistas da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF, Brasil. 2. Especialista em Anatomia Patológica, Médico Patologista da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF, Brasil. Endereço para correspondência: Dr. Paulo Cesar Rocha Oliveira Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Unidade SARAH – Centro da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação SMHS, Qd 501, Bl A. Brasília, DF, Brasil, 70335-901 E-mail: bsbpaulocesar@gmail.com Recebido para publicação em 4/12/2010. Aceito, após revisão, em 18/4/2011. * Trabalho realizado na Unidade SARAH – Centro da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF, Brasil. |