RELATO DE CASO
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Autho(rs): Mariana Damian Mizerkowski1; José Vicente Noronha Spolidoro2; Matias Epifanio3; João Cyrus Bastos4; Matteo Baldisserotto5 |
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Descritores: Divertículo de Meckel; Doppler colorido; Ultrassonografia. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O divertículo de Meckel (DM), encontrado em 2-3% da população, é a anomalia congênita mais comum do trato gastrintestinal e a hemorragia é a complicação mais frequente(1). O DM aparece como uma estrutura cística, tubular ou em gota, com a assinatura intestinal nas imagens de ultrassonografia (US) em modo B(2,3). Cintilografia, US e tomografia computadorizada (TC) podem ser utilizadas para a detecção de complicações(2-7). A US com Doppler colorido pode demonstrar hiperemia parietal no DM inflamado(3,4). Descrevemos dois casos de DM complicado detectados à US, cujos achados foram diferentes dos casos descritos na literatura: DM hemorrágico sem hiperemia parietal ao Doppler em cores e outro de um DM perfurado, que foi detectado ao exame de US com Doppler colorido, sem sinais de inflamação. RELATO DOS CASOS Caso 1 Menino de dois anos de idade atendido no departamento de emergência por hematoquezia indolor há dois dias. Apresentava, nos exames laboratoriais: hemoglobina = 7,6 mg/dl; plaquetas = 432.000/mm3, sem leucocitose. O exame físico não detectou alterações significativas. À US modo B identificou-se imagem cística com assinatura intestinal no quadrante inferior direito do abdome (Figura 1A). Durante o exame, o cisto esvaziou-se completamente após contrações. Havia espessamento parietal do íleo distal e linfonodos mesentéricos aumentados. O exame de US com Doppler colorido não demonstrou sinais de hiperemia mural no cisto (Figura 1B). Um DM foi confirmado pela cintilografia com Tc-99m (Figura 1C). Figura 1. A: US modo B: estrutura cística (C) no quadrante inferior direito. B: US com Doppler colorido não detectou vasos na parede da estrutura cística. A estrutura vascular (seta) é a artéria mesentérica adjacente. C: Captação do radiofármaco pelo DM em cintilografia. D: Peça cirúrgica mostrando DM na borda antimesentérica do íleo (seta). Em laparotomia no quarto dia de internamento foi localizado DM no íleo terminal, o qual foi ressecado (Figura 1D). O exame anatomopatológico da peça revelou mucosa gástrica e entérica no DM, sem inflamação ou ulcerações. O paciente recebeu alta três dias após a cirurgia, sem intercorrências. Caso 2 Adolescente de 15 anos de idade apresentando sangue nas fezes há um mês. Quatro dias após o início dos sintomas passou por retossigmoidoscopia, que revelou sangue antigo na junção retossigmoide. Apresentava hemoglobina sérica de 11 mg/dl. História de apendicectomia há três anos. Na US com Doppler colorido observou-se imagem cística fixa com assinatura intestinal no quadrante inferior direito, sem hiperemia parietal ou sinais de inflamação (Figura 2A). A cintilografia com Tc-99m foi inconclusiva. Laparotomia realizada no dia seguinte evidenciou DM localizado a 30 cm do íleo terminal, perfurado e aderido ao intestino adjacente (Figura 2B). O exame anatomopatológico da peça revelou camada de mucosa gástrica com inflamação. Figura 2. A: US com Doppler colorido mostra estrutura cística no quadrante inferior direito sem sinais de inflamação mural. B: Peça cirúrgica mostra DM na borda antimesentérica do íleo (seta). DISCUSSÃO O DM é um divertículo verdadeiro e suas camadas são compostas por todas as camadas de parede ileal(6). Mucosa gástrica ectópica e tecido pancreático podem ser encontrados em seu interior(1,6). Está comumente localizado no íleo terminal, a 40-100 cm da válvula ileocecal e, por isso, deve ser considerado nos diagnósticos diferenciais das afecções da fossa ilíaca direita, como a apendicite(3-7). Pode ser assintomático e detectado incidentalmente à laparotomia. O sintoma mais comum é a hematoquezia indolor(1) e as complicações incluem perfuração, intussuscepção e vólvulo. Quando inflamado, pode ser detectado utilizando-se US, TC ou cintilografia(2-7). A US se tornou uma ferramenta importante no diagnóstico, especialmente no atendimento de emergência pelos sintomas e também por ser método livre de radiação ionizante. Nos dois casos, o exame de US modo B revelou o DM com a aparência característica de imagem cística, apresentando o sinal da “assinatura” intestinal (gut signature: camada hiperecoica interna - submucosa, e camada externa hipoecoica - muscular)(2-4). Esta aparência pode mimetizar cistos de duplicação intestinal, mas estes possuem uma superfície interna mais regular por se tratar de mucosa intestinal(2,3). Outra característica na US de um DM inflamado é a ausência de peristalse, que o diferencia das alças intestinais adjacentes(3). O DM hemorrágico pode contrair-se e complicar sua detecção, a exemplo do caso 1, em que o DM contraiu-se durante o exame, esvaziando-se por completo. O exame por US com Doppler colorido normalmente detecta hiperemia da parede do divertículo inflamado e a presença de vaso nutridor(3,4). No caso 2, a US modo B e com Doppler colorido não mostraram sinais de inflamação mural, embora houvesse perfuração e o exame anatomopatológico tenha demonstrado inflamação. Os resultados da cintilografia com Tc-99m na investigação do DM podem ser negativos ou inconclusivos porque dependem da presença de mucosa gástrica ectópica, a qual pode ulcerar e sangrar, e da taxa de sangramento(8), o que justifica a investigação por outros métodos de imagem, como a US. Para o paciente do caso 1, embora tenha apresentado hemorragia, não foram encontrados sinais de inflamação ou ulceração no exame da peça. Quando ocorre perfuração de um DM, uma camada externa de fibrina, hiperecoica, pode ser visualizada(4). Esta imagem não foi evidenciada no exame de US modo B do paciente do caso 2. Relatos prévios do uso do Doppler em cores para a avaliação de DM(4) mostraram que a hiperemia resultante da inflamação pode ser detectada. O vaso nutridor do divertículo também pode ser evidenciado(3,4). Nos dois casos aqui relatados a US com Doppler colorido não demonstrou sinais de inflamação mural, embora em um deles houvesse perfuração e aderências e a lesão tenha evidenciado inflamação. A US é ferramenta útil na avaliação do DM, principalmente nos casos em que a cintilografia é negativa ou inconclusiva(3,6). O DM sem sinais de inflamação pode ser detectado graças à sua apresentação característica de estrutura cística com paredes estruturadas como o intestino (gut signature) e podendo apresentar peristaltismo. Os dados disponíveis na literatura(3,4) indicam que o processo inflamatório da diverticulite de Meckel é identificado na US com Doppler colorido pelo aumento da vascularização nesta estrutura. Em nossos casos, a ausência de sinais de hiperemia foi observada mesmo com DM inflamado e perfurado. Não temos explicação para este fato. Estudos com número maior de pacientes poderão fornecer mais dados para se determinar a acurácia do uso da US com Doppler em cores na identificação da inflamação do DM. REFERÊNCIAS 1. Moore TC. Omphalomesenteric duct malformations. Semin Pediatr Surg. 1996;5:116-23. 2. Daneman A, Lobo E, Alton DJ, et al. The value of sonography, CT and air enema for detection of complicated Meckel diverticulum in children with nonspecific clinical presentation. Pediatr Radiol. 1998;28:928-32. 3. Baldisserotto M, Maffazzoni DR, Dora MD. Sonographic findings of Meckel’s diverticulitis in children. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:425-8. 4. Baldisserotto M. Color Doppler sonographic findings of inflamed and perforated Meckel diverticulum. J Ultrasound Med. 2004;23:843-8. 5. Miele V, De Cicco ML, Andreoli C, et al. US and CT findings in complicated Meckel diverticulum. Radiol Med. 2001;101:230-4. 6. Levy AD, Hobbs CM. From the archives of the AFIP. Meckel diverticulum: radiologic features with pathologic correlation. Radiographics. 2004;24:565-87. 7. Sung T, Callahan MJ, Taylor GA. Clinical and imaging mimickers of acute appendicitis in the pediatric population. AJR Am J Roentgenol. 2006;186:67-74. 8. Swaniker F, Soldes O, Hirschl RB. The utility of technetium 99m pertechnetate scintigraphy in the evaluation of patients with Meckel’s diverticulum. J Pediatr Surg. 1999;34:760-4. 1. Mestre em Medicina (Pediatria e Saúde da Criança), Médica Ultrassonografista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. 2. Mestre em Medicina (Pediatria e Saúde da Criança), Professor Assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. 3. Doutor em Medicina (Pediatria e Saúde da Criança), Presidente do Comitê de Gastroenterologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. 4. Mestre em Medicina, Professor Assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. 5. Doutor em Medicina (Radiologia), Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. Endereço para correspondência: Dra. Mariana Damian Mizerkowski Rua José Scuissiato, 173, Seminário Curitiba, PR, Brasil, 80740-580 E-mail: maridamiz@hotmail.com Recebido para publicação em 5/6/2010. Aceito, após revisão, em 16/3/2011. Trabalho realizado no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil. |